sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

SALVEMOS O PLANETA DO CAPITALISMO.

Presidente Evo Morales.

Documento de propostas para a Cimeira Climática da ONU em Poznan e Copenhaga

Hoje, a nossa Mãe-Terra está doente. Desde o princípio do século XXI temos vivido os anos mais quentes dos últimos mil anos. O aquecimento global está a provocar alterações profundas no clima: o retrocesso dos glaciares e a diminuição das calotes polares; o aumento do nível do mar e a inundação dos territórios costeiros onde vive 60% da população mundial; o aumento dos processos de desertificação e a diminuição das fontes de água doce; a maior frequência dos desastres naturais que sofrem as comunidades do planeta [1]; a extinção de espécies animais e vegetais; e a propagação de doenças em zonas que antes estavam livres das mesmas.

Uma das consequências mais trágicas das alterações climáticas é que algumas nações e territórios estão condenadas a desaparecer pela elevação do nível do mar.

Tudo começou com a revolução industrial de 1750 que deu início ao sistema capitalista. Em dois séculos e meio, os países chamados “desenvolvidos” consumiram grande parte dos combustíveis fósseis criados em cinco milhões de séculos.

A competitividade e sede de ganância sem limites do sistema capitalista está a destroçar o planeta. Para o capitalismo não somos seres humanos mas consumidores. Para o capitalismo não existe a mãe terra mas matérias primas. O capitalismo é a fonte de todas as assimetrias e desequilíbrios no mundo. Gera luxo, ostentação e desperdício para uns poucos enquanto milhões morrem de fome no mundo. Nas mãos do capitalismo tudo se converte em mercadoria: a água, a terra, o genoma humano, as culturas ancestrais, a justiça, a ética, a morte…a própria vida. Tudo, absolutamente tudo, se vende e compra no capitalismo. Até as próprias “alterações climáticas” converteram-se num negócio.

As “alterações climáticas” colocaram toda a humanidade frente a um grande desafio: continuar pelo caminho do capitalismo e a morte, ou empreender o caminho da harmonia com a natureza e o respeito pela vida.

No Protocolo de Kyoto de 1997, os países desenvolvidos e as economias em transição comprometeram-se a reduzir as suas emissões de gases de efeito de estufa em pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990, com a implementação de diferentes instrumentos entre os quais predominam os mecanismos de mercado.

Até 2006 os gases de efeito de estufa, longe de serem reduzidos, aumentaram 9,1% em relação aos níveis de 1990, evidenciando-se também desta maneira o incumprimento dos compromissos dos países desenvolvidos.

Os mecanismos de mercado aplicados nos países em desenvolvimento [2] não conseguiram uma diminuição significativa das emissões dos gases de efeito de estufa.

Assim como o mercado é incapaz de regular o sistema financeiro e produtivo do mundo, o mercado tão pouco é capaz de regular as emissões de gases de efeito de estufa e apenas gerará um grande negócio para os agentes financeiros e as grandes empresas.

O planeta é muito mais importante que as bolsas de Wall Street e do mundo

Enquanto os Estados Unidos e a União Europeia destinam 4.100 mil milhões de dólares para salvar os banqueiros de uma crise financeira que eles mesmos provocaram, aos programas vinculados às alterações climáticas destinam 313 vezes menos, ou seja, apenas 13 mil milhões de dólares.

Os recursos para as alterações climáticas estão mal distribuídos. Destinam-se mais recursos para reduzir as emissões (mitigação) e menos para enfrentar os efeitos das alterações climáticas que sofremos todos os países (adaptação) [3]. A grande maioria dos recursos fluem para os países que mais contaminaram e não para os países que mais têm preservado o meio ambiente. 80% dos projectos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo concentraram-se em apenas 4 países emergentes.

A lógica capitalista promove o paradoxo de que os sectores que mais contribuíram para deteriorar o meio ambiente são os que mais beneficiam dos programas vinculados às alterações climáticas.

Da mesma forma, a transferência de tecnologia e financiamento para o desenvolvimento limpo e sustentável dos países do sul ficou-se pelos discursos.

A próxima cimeira sobre as alterações climáticas em Copenhaga deve permitir-nos dar um salto se queremos salvar a mãe terra e a humanidade. Para isso temos as seguintes propostas para o processo que vai de Poznan a Copenhaga:

Atacar as causas estruturais das alterações climáticas

1) Discutir sobre as causas estruturais das alterações climáticas. Enquanto não substituirmos o sistema capitalista por um sistema assente na complementaridade, solidariedade e a harmonia entre os povos e a natureza, as medidas que adoptamos serão paliativos que terão um carácter limitado e precário. Para nós, o que fracassou foi o modelo do “viver melhor”, do desenvolvimento ilimitado, da industrialização sem fronteiras, da modernidade que despreza a história, da acumulação crescente à custa do outro e da natureza. Por isso propomos o Viver Bem, em harmonia com os outros seres humanos e com a nossa Mãe Terra.

2) Os países desenvolvidos necessitam de controlar os seus padrões consumistas – de luxo e desperdício – especialmente o consumo excessivo de combustíveis fósseis. Os subsídios aos combustíveis fósseis, que ascendem a 150-250 mil milhões de dólares [4] devem ser progressivamente eliminados. É fundamental desenvolver energias alternativas como a energia solar, a geotérmica, a eólica e hidroeléctrica em pequena e média escala.

3) Os agrocombustíveis não são uma alternativa porque antepõem a produção de alimentos para o transporte frente à produção de alimentos para os seres humanos. Os agrocombustíveis ampliam a fronteira agrícola destruindo as florestas e a biodiversidade, geram monocultivos, promovem a concentração de terra, deterioram os solos, esgotam as fontes de água, contribuem para a alta de preços dos alimentos e, em muitos casos, consomem mais energia do que a que geram.

Compromissos substanciais à redução de emissões que se cumpram

4) Cumprir estritamente até 2012 o compromisso [5] dos países desenvolvidos de reduzir as emissões de gases de efeito de estufa em pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990. Não é aceitável que os países que contaminaram historicamente o planeta falem de reduções maiores para o futuro em incumprimento com os seus compromissos presentes.

5) Estabelecer novos compromissos mínimos para os países desenvolvidos na redução das emissões de gases de efeito de estufa em 40% para 2020 e 90% para 2050, tomando como ponto de partida as emissões de 1990. Estes compromissos mínimos de redução devem fazer-se de maneira interna nos países desenvolvidos e não através dos mecanismos flexíveis de mercado que permitem a compra de Certificados de Redução das Emissões para continuarem a contaminar no seu próprio país. Devem estabelecer-se mecanismos de monitorização, informação e verificação transparentes, acessíveis ao público, para garantir o cumprimento desses compromissos.

6) Os países em desenvolvimento que não são responsáveis pela contaminação histórica devem preservar o espaço necessário para implementar um desenvolvimento alternativo e sustentável que não repita os erros do processo de industrialização selvagem que nos levou à actual situação. Para assegurar este processo, os países em desenvolvimento precisam, como pré-requisito, o financiamento e transferência de tecnologia.

Um Mecanismo Financeiro Integral para responder à dívida ecológica

7) Em reconhecimento da dívida ecológica histórica que têm com o planeta, os países desenvolvidos devem criar um Mecanismo Financeiro Integral para apoiar os países em desenvolvimento na implementação dos seus planos e programas de adaptação e mitigação das alterações climáticas; na inovação, desenvolvimento transferência de tecnologia; na conservação e melhoria dos seus sumidouros e depósitos de carbono; e na execução de planos de desenvolvimento sustentável e amigáveis da natureza.

8) Este Mecanismo Financeiro Integral, para ser efectivo, deve contar com pelo menos 1% do PIB dos países desenvolvidos [6] e contar com outros rendimentos provenientes dos impostos aos hidrocarbonetos, às transacções financeiras, ao transporte marítimo e aéreo, e aos bens das empresas transnacionais.

9) O financiamento dos países desenvolvidos deve ser adicional à Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA), à ajuda bilateral e/ou canalizada através de organismos que não sejam as Nações Unidas. Qualquer financiamento fora da CMNUCC não poderá ser considerado como a aplicação dos compromissos dos países desenvolvimento sob a Convenção.

10) O financiamento tem de ir para os planos ou programas nacionais dos Estados e não para projectos que estão sob a lógica do mercado.

11) O financiamento não deve concentrar-se apenas em alguns países desenvolvidos mas tem de priorizar os países que menos contribuíram para as emissões de efeito de estufa, aqueles que preservam a natureza e/ou que mais sofrem com o impacto das alterações climáticas.

12) O Mecanismo de Financiamento Integral deve estar sob a cobertura das Nações Unidas e não do Fundo Global do Ambiente (GEF) e os seus intermediários como o Banco Mundial ou os Bancos Regionais: a sua administração deve ser colectiva, transparente e não burocrática. As suas decisões devem ser tomadas por todos os países membros, em especial os países em desenvolvimento, e não por apenas os doadores ou as burocracias administradoras.

Transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento

13) As inovações e tecnologias relacionadas com as alterações climáticas devem ser do domínio público e não estar sob um regime privado de monopólio de patentes que obstaculiza e encarece a sua transferência aos países em desenvolvimento.

14) Os produtos que são fruto do financiamento público para a inovação e desenvolvimento de tecnologias devem ser colocados sob o domínio público e não sob um regime privado de patentes [7] de forma a que sejam de livre acesso para os países em desenvolvimento.

15) Incentivar e melhorar o sistema de licenças voluntárias e obrigatórias para que todos os países possam aceder aos produtos já patenteados de forma rápida e livre de custos. Os países desenvolvidos não podem tratar as patentes ou direitos de propriedade intelectual como se fossem algo “sagrado” que tem de ser mantido a todo o custo. O regime de flexibilidade que existe para os direitos de propriedade intelectual, quando se tratam de graves problemas de saúde pública, deve ser adaptado e ampliado substancialmente para curar a mãe terra.

16) Recolher e promover as práticas de harmonia com a natureza dos povos indígenas que ao largo dos séculos demonstraram sustentáveis.

Adaptação e mitigação com a participação de todo o povo

17) Impulsionar acções e planos de mitigação e adaptação com a participação das comunidades locais e povos indígenas no marco do pleno respeito e implementação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O melhor instrumento para enfrentar os desafios das alterações climáticas não são os mecanismos de mercado mas os seres humanos organizados, conscientes, mobilizados e dotados de identidade.

18) A redução das emissões da desflorestação e degradação das florestas REDD deve estar assente num mecanismo de compensação directa dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, através de uma implementação soberana que assegure a participação ampla das comunidades locais e povos indígenas, e um mecanismo de monitorização, informação e verificação transparente e público.

Uma ONU do Ambiente e das Alterações Climáticas

19) Necessitamos de uma Organização Mundial do Ambiente e Alterações Climáticas à qual se subordinem as organizações comerciais e financeiras multilaterais para que promova um modelo distinto de desenvolvimento amigável da natureza e que resolva os graves problemas de pobreza. Esta organização tem que contar com mecanismos efectivos de acompanhamento, verificação e sanção para fazer cumprir os acordos presentes e futuros.

20) É fundamental transformar estruturalmente a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o sistema económico internacional no seu conjunto, a fim de garantir um comércio justo e complementar, um financiamento sem condicionamentos para um desenvolvimento sustentável que não sobre-explore os recursos naturais e os combustíveis fósseis nos processos de produção, comércio e transporte de produtos.

Neste processo de negociações até Copenhaga é fundamental garantir instâncias activas de participação a nível nacional, regional e mundial de todos os nossos povos, em particular dos sectores mais afectados como os povos indígenas que sempre impulsionaram a defesa da Mãe Terra.

A humanidade é capaz de salvar o planeta se recuperar os princípios de solidariedade, a complementaridade e a harmonia com a natureza, em contraposição ao império da competitividade, da ganância e consumismo dos recursos naturais.

[1] Devido ao fenómeno do “Niña”, que produz-se com maior frequência por efeito das alterações climáticas, a Bolívia perdeu em 2007, 4 % de su PIB.

[2] Conhecido como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

[3] Actualmente apenas há um Fundo de Adaptacão de cerca 500 milhões de dólares para mais de 150 países em vias de desenvolvimento. Segundo o Secretariado da UNFCCC são precisos 171 mil milhões de dólares para a adaptação e 380 mil milhões de dólares para a mitigação.

[4] Relatório Stern

[5] Protocolo de Kioto, Art. 3.

[6] A percentagem de 1 % do PIB foi sugerido pelo relatório Stern e representa menos de 700 mil milhões de dólares por ano.

[7] Segundo a UNCTAD (1998) em alguns países desenvolvimentos o financiamento público contribui com 40% dos recursos para a inovação e desenvolvimento da tecnologia.
Fonte:Ecoblogue.

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