segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

AGRICULTURA - Agricultura Urbana em Havana.

Quando estive na China em 1979, vi uma coisa parecida com o relatado no artigo abaixo.
Carlos Dória.

A agricultura urbana em Havana
por Sinan Koont [*]

Durante os últimos quinze anos, Cuba desenvolveu um dos exemplos mais bem-sucedidos de agricultura urbana no mundo. Havana, a capital de Cuba, com uma população de mais de dois milhões de pessoas, tem protagonizado um papel proeminente, se não dominante, na evolução e na revolução deste tipo de agricultura. A expressão "agricultura urbana em Cuba" tem um significado algo diferente, simultaneamente mais e menos restritivo do que pode parecer à primeira vista. É mais inclusiva, visto que ocupa extensões mais amplas, franjas urbanas e terrenos suburbanos. Por exemplo, toda a área cultivada da província Cidade de Havana está ocupada com agricultura urbana. A definição inclui terreno que é muito mais rural que urbano – alguns dos municípios da cidade nas partes este e sudoeste têm densidades populacionais relativamente baixas, cerca de 2300 a 3500 pessoas por milha quadrada [1 milha quadrada=2,59 quilómetros quadrados. N.T. ], contra 50 000 a 100 000 pessoas por milha quadrada nas partes mais densamente povoadas. Como resultado, mais de 35 000 hectares (mais de 87 000 acres) de terra estão a ser utilizados com agricultura urbana em Havana [1] ! O desenvolvimento sério da agricultura urbana em Cuba começou em simultâneo com o desaparecimento de petroquímicos, como fertilizantes e pesticidas, dos mercados cubanos. Consequentemente, a produção urbana utiliza apenas fertilizantes biológicos e técnicas de controlo de pragas biológicas e culturais. As quantidades limitadas de petroquímicos disponíveis são empregues numas poucas culturas não-urbanas como o açúcar, as batatas e o tabaco. Em Cuba, a distinção entre orgânico e urbano é difícil de fazer, visto que quase toda a agricultura urbana segue práticas orgânicas.

A necessidade sentida por Cuba de se virar para a agricultura urbana e orgânica no início dos anos 1990 é bem conhecida e compreendida. O colapso da União Soviética e o fim do comércio no âmbito do COMECON em condições bastante favoráveis ditaram o fim da agricultura industrial de tipo soviético, de larga escala, que Cuba vinha praticando desde, pelo menos, os anos 1970. Quase de um dia para o outro, o gasóleo, a gasolina, camiões, maquinaria agrícola, peças sobressalentes para camiões e maquinaria, bem como fertilizantes e pesticidas de base petroquímica, tornaram-se bastante escassos. Perante a crise severa na produção de alimentos, uma viragem para a agricultura urbana pareceu ser uma solução óbvia e necessária: a produção urbana minimizava os custos de transporte e a produção de pequena escala minimizava a necessidade de maquinaria. A produção agro-ecológica (aplicando os princípios da ecologia às práticas agrícolas), em parte, necessitava de zonas de produção perto das áreas de habitação de grande concentração de pessoas e, ao mesmo tempo, evitava a utilização de fertilizantes e pesticidas petroquímicos tóxicos que haviam deixado de estar disponíveis.

Menos bem conhecidas, mas talvez igualmente importantes, são as razões de prudência e segurança nacional que pressionaram Cuba nessa direcção desde os anos 1970. Cuba estava, e ainda está, sob um bloqueio parcial por parte dos Estados Unidos. Mais ameaçadora ainda, e sempre presente, é a possibilidade de um bloqueio total sobre a ilha. Desde cedo, as instituições científicas começaram a investigar a possibilidade de substituir a produção importada, incluindo a produção agrícola, o que tornaria a ilha menos dependente de bens importados [2] . Ao mesmo tempo, no Ministério da Defesa (e não no Ministério da Agricultura, que tratava da agricultura industrial de alto consumo) e em instituições como o Instituto Nacional de Reservas do Estado (INRE), dava-se início a programas para estudar as respostas possíveis a uma ruptura total de importações de petróleo. Foi durante a visita ao Projecto Hortícola das Forças Armadas em 27 de Dezembro de 1987 que Raul Castro, na qualidade de ministro da Defesa, encorajou a introdução de uma tecnologia que veio, mais tarde, a ser empregue na agricultura urbana.

O general Moises Sio Wong – dirigente do INRE – relembrou essa visita a Raul Castro dez anos mais tarde durante uma outra visita: uma engenheira agrícola, apresentada por Sio Wong simplesmente como "Engenheira Anita", levou a cabo algumas experiências bem-sucedidas no cultivo de vegetais sem o recurso a petroquímicos [3] . Castro afirmara nessa altura que era desejável a generalização desses métodos de cultivo. Por conseguinte, já em 1987, quatro anos antes do colapso da União Soviética, os chamados organoponicos, construções rectangulares – de cerca de trinta metros por um metro –, contendo canteiros elevados de uma mistura de solo com matéria orgânica como adubo, começaram a ser estabelecidos em instalações das forças armadas.

No entanto, foi só no final de 1991 que o primeiro organoponico "civil" em Havana foi operacionalizado, num lote vazio de dois acres em frente à sede do INRE, no distrito de Miramar. Desde então, o organoponico transformou-se num dos sustentáculos do cultivo de vegetais na agricultura urbana cubana [4] .

Assim, no tempo em que a crise tornou inevitável a mudança da produção agrícola para as cidades, pelo menos algumas partes da estrutura institucional cubana foram capazes de responder com tecnologias, políticas e práticas que haviam sido desenvolvidas durante um largo período de tempo antes da crise.

Em 1994, foi criada uma organização para superintender a introdução sistemática de organoponicos e de hortas intensivas na agricultura urbana. Em 1997, criou-se o Movimento Nacional da Agricultura Urbana. As condições de acesso a terra sofreram alterações consideráveis. Antes da crise, a terra era ou privada e trabalhada pelos proprietários ou detida pelo Estado e trabalhada por empregados. Depois, passou a ser distribuída a indivíduos (como parcelos , com os indivíduos a serem designados por parceleros ) e cooperativas. Novas formas cooperativas – com ou sem uma área de utilização comum cultivada colectivamente – começaram a ser postas em prática. Uma Cooperativa de Crédito e Serviços (CCS) juntou em regra lotes de terra com quintas privadas já existentes [5] .

Além disso, há também os patios (hortas caseiras privadas que produzem principalmente para consumo familiar), lotes de terra individuais, quintas do Estado e areas de autoconsumo (empresas do Estado que produzem alimentos para consumo dos seus trabalhadores).

Na base deste novo enquadramento institucional, a tecnologia do organoponico introduzida em 1987 está hoje generalizada em Havana, e também no resto do país, com dimensões que vão do meio hectare a muitos hectares. As chamadas hortas intensivas são idênticas aos organoponicos excepto no facto de que os canteiros não têm paredes e o solo é em regra suficientemente bom para ser misturado directamente com a matéria orgânica adicional. Nos patios e nos lotes de terra, predominam as práticas de horticultura e cultivo, com a introdução parcial de algumas técnicas utilizadas nos organoponicos . As estufas, tal como as técnicas de bloqueio da intensidade solar para incrementar os resultados, melhorar a qualidade e tornar possível a produção anual de vegetais, são também utilizadas [6] .

Este sistema organizado de produção começou a funcionar em 1994 e adquiriu a sua forma mais ou menos final em 1997. Com ele, Cuba atingiu resultados que pareceriam muito pouco plausíveis em 1991. A produção aumentou muito rapidamente. A dieta dos cubanos beneficiou da introdução dos produtos agrícolas orgânicos produzidos localmente. Nas cidades cubanas, o ambiente beneficiou porque elas tornaram-se mais verdes devido aos cultivos (especialmente acoplados à reflorestação urbana, a ser discutida adiante) e também pelo facto de que tudo isso foi concretizado de forma agro-ecológica. Os lotes de terra anteriormente utilizados como lixeiras desordenadas e feias foram transformados em terra produtiva. O ambiente social e económico ficou favorecido pela criação de fontes consideráveis de emprego urbano e pela incorporação de trabalhadoras e jovens abaixo dos 35 anos, importantes em termos da sustentabilidade de longo prazo da agricultura urbana, bem como de reformados, trazendo-lhes resultados e saúde. Finalmente, a construção de comunidade e os efeitos terapêuticos da agricultura urbana são mais-valias significativas desses esforços.

Embora eu aqui me concentre no exemplo de Havana, tem havido desenvolvimentos muito importantes nesta área por todo o país. No programa de agricultura urbana existem 28 subprogramas: doze em cultivos, sete na criação de animais e nove em áreas de apoio como o adubo, as sementes, a irrigação e a drenagem, o marketing e a formação técnica. Nesses subprogramas, foram criados mais de 350 mil novos e bem pagos empregos durante os últimos doze anos [7] . No início do Período Especial, Cuba sofreu uma enorme queda do PIB e do emprego. Em 2005, a força de trabalho total era de cerca de 4,8 milhões de pessoas, pelo que os empregos criados na agricultura urbana são uma importante contribuição para o bem-estar não só das pessoas proveitosamente empregadas, mas também para a sociedade cubana como um todo. No subprograma dos vegetais e das ervas frescas, um dos mais bem-sucedidos, a produção multiplicou mil vezes de 1994 a 2005: de quatro mil toneladas para 4,2 milhões de toneladas [8] . Este tipo de crescimento implica, obviamente, um grande aumento na área cultivada (chegava a 70 mil hectares em 2006) [9] , mas os resultados por milha quadrada também subiram de forma impressionante (nos organoponicos , por exemplo, de 1,5 kg por milha quadrada em 1994 para 25,8 kg por milha quadrada em 2001, o que representa um aumento de 17 vezes) [10] .

As razões para estes resultados espectaculares são idênticas em Havana e no resto do país e, por conseguinte, podem ser discutidas de um modo mais geral. O princípio mais importante e abrangente é, provavelmente, o organizacional: onde há uma direcção central forte, disciplinada e coerente, a liderança e a política são combinados com a acção descentralizada, o marketing e a produção. O mote principal é: "Temos que descentralizar até ao ponto em que o controlo não se perca e centralizar até ao ponto em que a iniciativa não seja aniquilada" [11] . A liderança geral do Grupo Nacional da Agricultura Urbana (GNAU) é complementada pelas correspondentes organizações provinciais (14 no total) e municipais (169 no total). As tarefas dos grupos municipais e provinciais são definir as linhas gerais, mobilizar a população, dar estímulos a toda a actividade na agricultura urbana e supervisionar e controlar os esforços locais. As funções administrativas como a supervisão, a formação com vista à difusão das valências necessárias e o marketing são asseguradas pelas empresas estatais "Quinta Urbana" (cerca de uma por município, embora alguns municípios de maior dimensão tenham mais que uma) [12] .

Em cada uma destas estruturas descentralizadas, os delegados do Ministério da Agricultura em cada Conselho Popular (a unidade administrativa na organização territorial de Cuba imediatamente abaixo ao município) – dos quais existem 1452, ou seja, uma média de oito ou nove por município – desempenham um papel essencial. As tarefas desses delegados incluem a discussão de planos de produção com cada unidade produtiva, promovendo novas tecnologias, supervisionando as redes de difusão de valências, coligindo dados, assegurando a qualidade e a veracidade, divulgando os alimentos e formando as pessoas nas técnicas da agricultura urbana. Em resumo, o delegado é um muito importante "primeiro homem da escala" do Estado central, cuja função e papel não podem ser subestimados [13] .

No entanto, o quadro descrito acima é apenas uma contextualização geral. Ele necessita de ser preenchido com políticas e práticas reais antes de ser apropriadamente avaliado em termos da sua eficácia na promoção da agricultura urbana em Cuba. Abaixo, discuto brevemente quatro áreas fundamentais dessas políticas e práticas, cada uma das quais poderia facilmente ser o tema de uma monografia:

1. Formação e educação: No início do Período Especial, Cuba dispunha de uma população com um alto nível de educação escolar, mas com pouco conhecimento acerca da agricultura ecológica. Apesar disso, a população urbana foi capaz de aprender depressa. Ao mesmo tempo, havia muitos cientistas que haviam investigado nesta área e havia muitos camponeses que tinham um conhecimento agro-agrícola tradicional que poderia ser partilhado. Essa combinação, talvez única, de formadores qualificados e estudantes qualificáveis com um esforço sério, organizado e concertado de extensão participativa através dos institutos, universidades e organizações de investigação, permitiu a rápida disseminação do know-how agro-ecológico. A formação em agricultura urbana é mais do que a mera transmissão de conhecimentos tecnológicos. O seu lema é: "produzir enquanto se aprende, ensinar enquanto se produz e aprender enquanto se ensina" [14] . Os técnicos agrícolas de formação e os cientistas e engenheiros nas universidades também contribuem para este esforço. Finalmente, também os liceus e as escolas secundárias ensinam e formam as próximas gerações de agrónomos urbanos.

2. Investigação e desenvolvimento: Os esforços que tiveram início nos anos 1970 continuam a todo o vapor nas universidades e nos institutos de investigação ligados aos ministérios e a outros centros científicos. O GNAU lidera num plano interdisciplinar e interinstitucional as actividades agrícolas. Entre os seus membros, contam-se delegados de treze institutos de investigação. Muitos outros institutos e universidades também participam no trabalho do GNAU [15] . Em 2002, centenas de projectos em dezenas de instituições investigavam aspectos da agricultura orgânica sustentável em três Programas Nacionais de Investigação: o programa Produção Alimentar para a População através de Métodos Sustentáveis tinha 63 projectos em 40 instituições científicas e universidades; o programa Produção de Alimentação Animal através de Meios Biotecnológicos e Sustentáveis tinha 35 projectos em dez instituições; e o programa Desenvolvimento Sustentável em Zonas Montanhosas (apesar de não se aplicar à agricultura urbana) tinha 60 projectos em 38 instituições [16] . Há uma ênfase na investigação e desenvolvimento participado, com unidades na base a gerar novo conhecimento através do próprio processo de produção.

3. Provisão de consumíveis agro-ecológicos: Mais de duas centenas de instalações ocupam-se dos necessários consumíveis para a agricultura urbana – produzindo, fornecendo e/ou vendendo sementes, fertilizantes orgânicos, preparações para combate às pestes biológicas, mas também serviços técnicos e de aconselhamento. Mais de sete mil Centros de Matéria Orgânica produzem fertilizantes orgânicos (compostos e vermicompostos, adubo orgânico). A água para a irrigação vem de depósitos municipais urbanos, bem como de poços, rios e reservatórios. A disponibilidade de água é maximizada pelos melhoramentos na captura de água da chuva e de técnicas eficientes de irrigação, especialmente nos organoponicos e nas hortas intensivas. Na medida em que algumas importações (por exemplo, canalizações para os sistemas de irrigação) continuam a ser necessárias, o Ministério da Agricultura assume a sua compra e alocação.

4. Incentivos materiais e morais: Espera-se que as unidades de produção sejam rentáveis. O mercado determina alguns preços e o governo define outros. Uma esmagadora maioria dessas unidades são rentáveis. Os lucros são a base do pagamento de incentivos, o que posiciona os rendimentos da agricultura urbana bem acima da média nacional dos funcionários do Estado. Existem igualmente diversos incentivos "morais" para os agricultores urbanos. No plano individual, esses incentivos oferecem amplas oportunidades para uma subsequente educação formal e para um ambiente de trabalho rico, solidário e dignificado. No plano societal, há um esforço para "dignificar" o trabalho e os trabalhadores da agricultura urbana. Essa actividade é crescentemente vista como dispondo de elevados níveis de conteúdo científico e técnico. A imagem dos camponeses como a componente mais atrasada da sociedade já não impera [17] . As próprias unidades de produção são distinguidas com um conjunto de classificações (sendo "excelência" a mais elevada), de acordo com critérios rigorosos que continuam a ser verificados a cada três meses através de visitas de inspecção. A inclusão de uma unidade numa dessas categorias não é apenas uma honra e, por conseguinte, um incentivo moral (há apenas 82 centros de excelência em todo o país), mas permite também que esses protagonistas excepcionais sirvam de pontos essenciais para a introdução e propagação de novas tecnologias. Com efeito, tornam-se agentes de extensão e educadores [18] .

Como podem as questões acima referidas ser sumarizadas? Um parcelero bem-sucedido com um pequeno lote em Vedado, Havana, produtor de plantas medicinais, que entrevistei, afirmava que as três forças motrizes por detrás do sucesso de qualquer coisa na vida, mesmo em circunstâncias difíceis, são "a necessidade, a possibilidade e a vontade" [19] . Se aceitarmos este pressuposto, podemos dizer que, no início dos anos 1990, Cuba foi capaz de juntar as três componentes do sucesso na sua resposta à crise que enfrentou. E fez progressos consideráveis e continua a ter espaço para progredir mais. Dito isto, não devemos subestimar os obstáculos e os afunilamentos que Cuba enfrenta no transporte e no processamento industrial dos alimentos, bem como na introdução de matéria orgânica, água, energia e na moeda forte – esta última, determinada pela necessidade continuada de importar consumíveis para a produção.

Agricultura urbana em Havana: análise geral

Havana tem apenas 3 por cento da terra utilizada na agricultura urbana e 0,4 por cento de todo o terreno agrícola em Cuba, cerca de 20 por cento da população da ilha, mas apenas 0,67 por cento da sua área total [20] . Sendo a província mais densamente urbanizada de Cuba, a sua área de terreno agrícola é uma percentagem mais pequena do terreno agrícola total em Cuba do que o é a sua área total em relação à área total do país. Mas, na medida em que todo o seu terreno agrícola é considerado urbano, é bastante maior em termos de percentagem de todo o terreno agrícola urbano. Porém, com a importância que, no pós-anos 1990, foi dada à produção utilizando recursos locais para o consumo local (daí o lema da agricultura urbana: Produção do bairro, pelo bairro, para o bairro) [21] , Havana teve que lutar, ficando para trás em relação a outras províncias. Por exemplo, só recentemente é que atingiu o nível de referência da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) dos 300g diários per capita de fornecimento de vegetais à sua população. Já em 2001, a sua produção diária de vegetais per capita era de 171g, consideravelmente abaixo do índice da FAO, bem como abaixo do nível da seguinte cidade que produzia menos vegetais per capita, Santiago de Cuba, com 415g [22] . A razão é medianamente óbvia. Tendo Cuba como um todo um pouco mais de um décimo de hectare de terreno agrícola urbano por pessoa, esse número desce para menos de uma ducentésima parte de um hectare em Havana [23] . O terreno para cultivo continua a ser mais limitado. De 33 mil hectares ocupados com a agricultura, apenas 10 500 servem para cultivos varios (incluindo raízes de vegetais, grãos, vegetais e citrinos e outros frutos) [24] . No entanto, tal como ocorreu no resto do país, Havana conseguiu aumentar a sua produção de vegetais muito rapidamente [25] . Os dados da Tabela 1 correspondem a um crescimento anual de 38 por cento durante os oito anos considerados.



Tabela 1: Produção anual de vegetais em Havana
Ano Milhares de toneladas
1997 20,7
1998 49,9
1999 62,6
2000 120,1
2001 132,2
2002 188,6
2003 253,8
2004 264,9
2005 272

O resultado de 2005 corresponde a cerca de 340g diárias per capita para os habitantes de Havana, um pouco abaixo da quantidade atingida noutras províncias, mas significativamente acima das recomendações da FAO.

Muitos outros tipos de cultivo também aumentaram bastante em Cuba. A Tabela 2, que apresenta dados entre 1999 e 2001, revela avanços na produção de outros cultivos durante esse período. O programa de vegetais de Cuba cresceu de 62,6 mil toneladas para 132,2 mil toneladas de produção [26] .

Esse rápido crescimento foi atingido pela extensão de área cultivada e, talvez mais importante, por estar ligado a alterações tecnológicas e organizacionais da produção agro-ecológica de pequena escala. A crescente força de trabalho empregue na agricultura urbana tornou-se cada vez mais qualificada devido ao método aprender-fazendo e à formação de especialistas. Igualmente, a sua produtividade foi estimulada através de esquemas de remuneração que geraram rendimentos para os trabalhadores de acordos com os resultados atingidos na produção.



Tabela 2: Produção anual de cultivos seleccionados em Havana
Cultivo Produção em 2001
(1000 toneladas) Crescimento anual 1999-2001
(percentagem)
Banana-pão 1,9 8
Banana (fruto) 0,8 13,2
Frutos 21,1 8,4
Raízes de vegetais 21 10,2
Feijão 2,4 29,9
Arroz 0,6 21,9

A força de trabalho na agricultura urbana em Havana cresceu de nove mil em 1999 para 23 mil em 2001 e para mais de 44 mil em 2006 [27] . A agricultura urbana em Havana é de maior trabalho intensivo que no resto do país. Apesar de Havana ter apenas 3 por cento do terreno agrícola urbano em Cuba, emprega cerca de 12,5 por cento da força de trabalho da agricultura urbana da província. Cerca de 25 por cento dessa força de trabalho é feminina, uma percentagem que sobe acima dos 35 e 50 por cento, respectivamente, entre os trabalhadores tecnicamente qualificados de nível médio e alto [28] .

Havana trabalha muito a sua agricultura. Em 3 por cento do terreno agrícola urbano, produz cerca de 6,5 por cento dos vegetais de agricultura urbana. A distribuição alimentar faz-se através de venda directa em centenas de locais de produção e/ou estabelecimentos integrados numa unidade de produção ou noutro local, aprovados pelas autoridades locais. Cerca de 60 por cento da produção a nível nacional é distribuída desta forma. Cerca de 11 por cento é vendida em dois tipos de mercados agrícolas: uns em que os preços flutuam livremente e os mercados estatais com preços mais reduzidos. O governo local controla os preços nos mercados estatais, definindo-os de acordo com tabelas de preços mensais. Unidades de produção como famílias e instituições consomem cerca de 22 por cento desses produtos. São feitas provisões especiais para outras necessidades sociais, como escolas, hospitais e universidades. Nessas situações, os produtores e os consumidores estabelecem contratos de alimentação a preços definidos pelas autoridades locais por três meses. Esses preços são geralmente baixos e constituem um imposto sobre os produtores. O cumprimento dessas obrigações sociais é supervisionado e feito cumprir em termos de qualidade, quantidade e rapidez na entrega, que é da responsabilidade do produtor. Este modelo de consumo social utiliza 2 por cento do produto a nível nacional [29] . Em Havana, dada a densidade institucional e populacional, as quantidades utilizadas pelo consumo social e de auto-suficiência são necessariamente maiores. Com efeito, em 2006, as entregas para essas necessidades sociais chegaram às 1300 toneladas por mês, ou seja, quase 6 por cento do produto [30] .

Um programa que não é um subprograma da agricultura urbana deve ser aqui mencionado, devido à sua relação próxima – o programa de reflorestação urbana. O objectivo no contexto urbano é plantar uma árvore, de fruto ou não, em todos os locais adequados que não sejam já utilizados para fins agrícolas. Iniciado em 1996, em 2004 o programa já tinha posicionado todos os municípios de Havana acima dos doze metros quadrados de espaço verde por habitante e atingido níveis acima dos trinta metros quadrados nos municípios suburbanos. Além dos benefícios ambientais óbvios, este "esverdeamento" da cidade também favorece a produção adicional de víveres, bem como de alimentos para animais que podem ser convertidos em matéria orgânica.

Um bom problema para Havana é que está lentamente a ficar sem terrenos cultiváveis inutilizados para recuperar e pôr a uso. De 35 890 hectares, só 2970 não eram ainda utilizados para pastagem, floresta e terreno de cultivo em 15 de Novembro de 2006 [31] . A Misión al 2007 propôs-se recuperar todos esses terrenos, terras devolutas e lixeiras e replantá-los com floresta e árvores de fruto [32] .

Mas isso também significa que, daqui para frente, os ganhos adicionais, por exemplo, na produção de vegetais vêm de: (1) realocação de terrenos entre as três utilizações (cultivos, criação animal e floresta); (2) melhor interligação entre as três; (3) interior da área dedicada à produção de vegetais, passando mais dessa área para técnicas mais intensivas, como o organoponico e uma tecnologia desenvolvida em Cuba e quase de origem exclusivamente cubana recentemente introduzida – o cultivo semiprotegido nos organoponicos e nas hortas intensivas. Semiprotegido significa a instalação nos canteiros de filtros de cobertura assentes em postes, permeáveis à chuva e sem quaisquer estruturas de parede. Essa tecnologia aumenta os resultados e possibilita a produção de certos vegetais sensíveis a radiações solares intensas durante o Verão.

Em 2006, foram construídos 21 novos organoponicos , cobrindo quinze hectares em Havana, apesar de metade deles continuarem a aguardar, devido a atrasos, por sistemas de irrigação importados [33] . O cultivo semiprotegido foi transformado num subprograma da agricultura urbana e terá cada vez mais importância nos próximos anos [34] .

A importância desta possibilidade de converter a produção de vegetais em organoponicos semiprotegidos é óbvia. Os resultados mais elevados deste sistema de produção, se for generalizado a toda a nação, significam que apenas uma fracção de terreno em utilização pode responder a todas as necessidades. A este respeito, Cuba parece dispor de possibilidades "ilimitadas".

Agricultura urbana em Havana: experiências particulares

Como é que as questões discutidas nas duas primeiras partes deste artigo se reflectem nas vidas das unidades de produção particulares na agricultura urbana de Havana? Entre Janeiro e Maio de 2007, visitei um grande número de locais de produção de agricultura urbana em Havana, de diversos tipos e dimesões [35] . Algumas dessas visitas foram formais e acompanhadas por responsáveis da unidade em questão. Outras foram informais, algumas não foram mais que tirar fotos da parte de fora da unidade e outras incluíram conversas informais com agrónomos urbanos acerca do seu trabalho e da sua unidade. A percepção e a informação que recolhi e a observação que fiz durante essas visitas contribuíram para a minha compreensão da forma como a agricultura urbana em Havana funciona a partir do terreno.

No extremo ocidental do município de Habana del Este situa-se a comunidade "dormitório" de Alamar – onde a Unidade Básica de Produção Cooperativa (UBPC) Organoponico Vivero Alamar, uma das experiências mais bem-sucedidas de agricultura urbana em Havana, se situa. É um pouco erroneamente designado como organoponico , na medida em que é mais um huerto intensivo (horta intensiva). Teve início em 1997, quando Miguel Salcines, um agrónomo de nível intermédio do Ministério da Agricultura, pediu para utilizar um lote de 3,7 hectares de "terra devoluta". Juntou forças com quatro outras pessoas, incluindo um carpinteiro e um químico, para iniciar o processo de constituição de uma unidade de produção. É justo dizer-se que o que aconteceu, desde então, ultrapassou todas as expectativas razoáveis. Começou modestamente e cresceu até ao ponto de ser uma das 82 unidades de todo o país a obter e conservar a classificação de excelência . A sua força de trabalho cresceu de 5 para 147, a área de que faz uso aumentou de 3,7 para 11,2 hectares e a sua produção anual saltou de 20 para 240 toneladas de vegetais.

O aumento na quantidade de terra sob cultivo não derivou da compra de terras, dado que não há mercado de terras em Cuba, mas de dois tipos diferentes de aquisições. O primeiro, uma área adjacente de mais de seis hectares foi absorvida pela unidade de produção, depois de os ocupantes desses terrenos terem começado a abandonar os seus lotes quando a economia cubana começou a melhorar nos anos mais recentes. Essa nova área está actualmente a ser desenvolvida em huertos intensivos adicionais. O segundo acrescento deveu-se à decisão do Estado de ceder um organoponico estatal de 1,2 hectares, situado perto mas não adjacente à unidade Organoponico Vivero Alamar, devido a dificuldades em manter níveis de produção adequados. Os 27 trabalhadores estatais da antiga unidade não foram dispensados. Foram incorporados na unidade de produção como membros da cooperativa. Isso representa parte do aumento da força de trabalho, diversificando os seus esforços no cultivo e na comercialização. Novos trabalhadores foram contratados durante períodos experimentais de três meses, findos os quais tornam-se em regra membros da cooperativa. Por conseguinte, cerca de 135 das quase 150 pessoas que trabalham na unidade de produção são membros da cooperativa.

A unidade produz uma grande variedade de vegetais. Os cinco principais são alface, acelga suíça, tomate, pepino e couve, seguidos por beterraba e beringela. Também produz cenoura, feijão verde, aipo, couve-flor, hortelã, salsa, quiabo e pimento verde. Terá, em breve, a funcionar instalações de produção de cogumelos comestíveis. Está em construção uma capoeira com capacidade para mais de duzentas galinhas poedeiras. Quando estiver concluída, contribuirá com ovos para venda e com estrume de galinha para o organoponico.

Cerca de 90 por cento da produção é vendida directamente ao público em cinco mercados adjacentes a preços que vão de 1 a 3 pesos por libra [1 libra=453,6 gramas. N.T. ]. A unidade de produção também processa e vende 167 variedades de plantas ornamentais, bem como fruta e árvores criadas a partir da semente para transplante.

Até 10 por cento da produção de vegetais desta unidade são utilizados socialmente, ou seja, são vendidos a escolas e hospitais a preços reduzidos estabelecidos por contrato, ou vendidos à indústria do turismo, obtendo moeda forte para o Ministério da Agricultura, com a qual Cuba consegue importar os necessários consumíveis agrícolas.

Embora esta unidade não tenha uma ligação formal com uma escola, mantém uma política de porta aberta para o aconselhamento de estudantes com projectos que para lá são enviados por professores, bem como de adultos da comunidade com questões acerca da agricultura urbana.

Depois desta breve perspectiva da unidade, vale a pena considerar como é que ela participa nas quatro importantes áreas de políticas e práticas discutidas acima: formação e educação, investigação e desenvolvimento, provisão e incentivos materiais e morais.

(1) A força de trabalho aqui já é altamente qualificada – embora não em agricultura urbana! Dos 147 trabalhadores, 50 têm ou formação em engenharia ou formação técnica de nível intermédio. Os membros recém-chegados passam por um processo intensivo de formação durante um período experimental de três meses. Esse período consiste numa formação directa no local de trabalho, entre os restantes trabalhadores que já conhecem bem as suas funções, bem como numa sala de aula formal. A unidade tem no seu centro uma sala de aula que também serve de cantina para os almoços e lanches diários.

(2) O espírito da investigação e desenvolvimento participativo está vivo e recomenda-se nesta unidade. A experimentação e as novas tecnologias acontecem rotineiramente. Durante a minha visita, estavam a ser testados como controlo de pestes em diversos cultivos líquido de fumo, uma biopreparação feita de folhas e frutos de mangueira, amargoseira e noni. A interplantação – o crescimento de dois cultivos no mesmo canteiro em alas alternadas, de forma a aumentar os resultados e melhorar a gestão das pestes – é um outro foco da tecnologia da agricultura urbana. Numa das mais interessantes hortas intensivas dos terrenos recentemente adquiridos, um tomate híbrido israelita não estava a resultar quando semeado experimentalmente em alas alternadas com couve. Esta couve tinha funcionado bem, previamente, quando havia sido interplantada com cenoura e alface. Num canteiro de "controlo" colocado perto, o tomate plantado isoladamente tinha muito mais sucesso. Entre outras novas tecnologias que foram, ou serão em breve, introduzidas contam-se a utilização de água magnetizada na irrigação e o enraizamento directo de enxertos de árvores de fruto. Está também para ser introduzido este ano um hectare de cultivo semiprotegido. Embora esta última tecnologia tenha sido desenvolvida em Cuba, continua a precisar de algumas importações (sistemas de irrigação) e, portanto, de moeda forte. Será instalada em uma ou duas centenas de hectares durante este ano. Havana receberá trinta hectares e a unidade de produção de Alamar terá uma delas.

(3) A unidade produz algumas das suas próprias sementes e a maioria das suas plantas criadas a partir da semente, com outros consumíveis comprados. Tem um contrato para a aquisição de biopesticidas. Produz todos os seus próprios compostos para os canteiros no organoponico e nas hortas intensivas com resíduos orgânicos das suas próprias operações, bem como com a compra de estrume numa quinta próxima que cria animais. Com a excepção da parte da unidade que era até há pouco tempo um organoponico do Estado, não há utilização de qualquer água canalizada da cidade para a irrigação. Construiu seis poços que fornecem as quantidades necessárias de água para a irrigação dos cultivos em terrenos virgens contíguos à unidade. O factor limitativo e difícil é a disponibilidade e o transporte de matéria orgânica para ser utilizada como matéria-prima na produção de composto.

(4) Um incentivo moral para a unidade como um todo advém da sua condição de centro de excelência, atribuída a algumas unidades por todo o país. Essa condição, uma vez atingida, tem que ser mantida através do escrutínio continuado de equipas de inspecção que visitam a unidade uma vez a cada três meses. Na própria unidade, a filosofia de base da atencion al hombre (uma versão cubana daquilo a que chamamos "recursos humanos") assegura que os incentivos, quer morais, materiais e individuais quer colectivos, são suficientes para atrair membros qualificados e estáveis. As condições de trabalho dignificadas incluem uma jornada de trabalho diária de sete horas (das 7h00 às 15h00, com uma pausa para almoço), instalações sanitárias adequadas e almoço saudável e gratuito maioritariamente baseado na própria produção da unidade. Há oportunidades, dentro e fora do local, para os membros poderem aperfeiçoar a sua formação; muitos membros frequentam cursos nos pólos universitários do seu município, que são parte de um grande esforço de Cuba para universalizar a educação superior. Há também membros que participam nos programas culturais na Casa de Cultura local e os residentes nas zonas urbanas têm oportunidade de assistir a espectáculos de dança ou teatro à noite. A liderança da unidade está empenhada em fazer o que está ao seu alcance para espalhar a percepção de que o trabalho se baseia na ciência e na tecnologia. Longe vão os dias em que a agricultura era vista como um trabalho pesado, feito por camponeses atrasados que trabalhavam de sol a sol. A ideia é apoiar a auto-estima dos trabalhadores e, em simultâneo, aumentar o respeito da sociedade por eles e pela sua contribuição.

Encorajar um sentido de "propriedade" entre os membros faz parte do tratamento dos trabalhadores com a dignidade que eles merecem. Não só os rendimentos estão dependentes das receitas geradas pelas vendas, mas a assembleia-geral da cooperativa, composta por todos os seus membros, decide sobre a distribuição desse rendimento, seguindo quer as leis gerais que se aplicam às cooperativas quer as suas regulações internas. As questões financeiras da unidade são completamente transparentes para os membros. Com efeito, os escritórios centrais exibem na parede um quadro com informação financeira acerca das operações do último mês, bem como os saldos acumulados desse ano até ao momento. A percentagem de cumprimento do plano anual em relação à percentagem planeada até ao momento é também divulgada nesse quadro. A informação disponibilizada inclui as receitas e despesas totais (incluindo cada salário pago), o custo em pesos das receitas, dos lucros, da média salarial e do rendimento médio para a unidade. O último ponto deve ser enfatizado: os membros da cooperativa recebem um salário. Além disso, cerca de metade dos lucros são distribuídos em rendimento individual e o resto vai para despesas sociais colectivas, incluindo o investimento.

Podemos ter uma ideia dos incentivos materiais oferecidos aos membros da cooperativa através de um resumo da informação disponibilizada no quadro do escritório em Março de 2007. O rendimento médio planeado para 2007 foi 8528 pesos, com 1421 pesos para os dois primeiros meses. O rendimento médio real nos dois primeiros meses foi 1629 pesos. Por conseguinte, o rendimento mensal real para os membros, chegando aos 815 pesos, excedeu o rendimento médio mensal planeado de 711 pesos em 15 por cento e o rendimento médio mensal dos trabalhadores assalariados do Estado, que é de 385 pesos, em 12 por cento. Não surpreende que um estudo de 2005 sobre unidades de produção de agricultura urbana, que incluía Alamar, tenha concluído que 35 dos 50 membros a trabalhar estivessem ao serviço há mais de cinco anos [36] .

Visitei um conjunto de outras cooperativas agrícolas em Havana. Uma delas, a Cooperativa de Crédito e Serviços (CCS) Arides Estevez Sanchez, fica no extremo ocidental de Havana, no município de Playa. Claramente opulenta e próspera, a CCS tem uma área colectiva que consiste num organoponico e em três estufas que produzem tomates e pepinos para os hotéis turísticos. Tem 140 membros e 90 lotes (mais de vinte de propriedade individual e os restantes de propriedade comum). Produzem composto e adubo orgânico suficientes para ter uma parte disponível para venda. A obrigação mais importante desta cooperativa é honrar os seus contratos com 38 escolas que necessitam de oito libras mensais de vegetais por estudante. A CSS tem um veículo pesado que faz a distribuição pelas escolas. Outros "organismos autorizados" compram também sob contrato na cooperativa, mas têm que ter o seu próprio transporte. Além disso, a CSS tem diversos pontos de venda directa à população. As autoridades locais determinam os preços de acordo com tabelas de preços mensais ou trimestrais (para as escolas). Os preços dos pontos de venda são estabelecidos cerca de 20 por cento abaixo dos preços correspondentes nos mercados agrícolas nos quais a CSS não participa.

Longe da zona central, há um pequeno organoponico (o Organoponico Girasol), propriedade desta cooperativa, mas detido por dois membros. Com uma dimensão de apenas 0,22 hectares, tem o seu próprio poço para a irrigação e especializou-se na produção de flores. Produz o seu próprio adubo orgânico e tem o seu ponto de venda nas próprias instalações. Um dos "proprietários" é especialista em irrigação e ensina a sua especialidade a um círculo de interesses numa escola secundária. E, de acordo com ele, não é caso único: muitos membros da CSS visitam regularmente escolas ou recebem visitas de alunos nos seus lotes.

Além dessas experiências "cooperativas", há centenas de milhares de lotes e quintais com horta com menos de um quarto de acre em Havana. Essas hortas dão as suas contribuições individuais à agricultura urbana. Por exemplo, um lote em Vedado, no município de Plaza, está dedicado à produção de plantas medicinais. Em 1992, o "proprietário", A. Falcon, era um trabalhador comum sem qualquer experiência na agricultura quando lhe foi atribuída a tarefa de recuperar um lote abandonado, cheio de lixo, e de aí produzir plantas medicinais, numa altura em que o governo se virava para a "medicina verde" na atmosfera pesada do Período Especial. Hoje, quinze anos depois, cerca de 40 plantas diferentes crescem em canteiros dedicados no organoponico . Os canteiros são construídos com recurso a composto e adubo orgânico produzido no local, com desperdício de matéria vegetal gerado no lote e com estrume obtido das galinhas ali criadas [37] . Além disso, aos fins-de-semana, Falcon recolhe folhas das ruas das redondezas e junta-as ao seu composto e obtém cascas de laranja e outros desperdícios dos mercados agrícolas. Tem planos para criar coelhos e peixe, de modo a gerar mais matéria orgânica.

As pestes estão controladas pela diversificação e a plantação de plantas repelentes, bem como pela limpeza manual nos casos de pragas de caracóis. Há, em geral, alguns problemas. Quando há necessidade, Falcon procura ajuda e aconselhamento na Tienda Consultorio del Agricultor [loja e aconselhamento do agricultor] local. Todas as suas vendas são feitas directamente no lote: os vizinhos passam por lá para comprar plantas medicinais e "espirituais" a dois pesos o ramo. Mais importante, porém, do que o seu papel de produtor de plantas medicinais é a sua capacidade e vontade de partilhar o conhecimento que adquiriu durante os últimos quinze anos com a comunidade. Ele saúda a chegada de grupos de alunos enviados pelas suas escolas para visitar o lote. Ele próprio visita escolas para dar workshops de cultivo e preservação de ervas e plantas, através de secagem e conservação. Aconselha os vizinhos sobre como podem começar a sua própria horta ou produção em telhados. Dá igualmente consultas a médicos que, muitos dos quais, não dispõem de grandes conhecimentos acerca das plantas medicinais.

O seu compromisso com a melhoria do ambiente da sua comunidade é confirmado pela sua participação vigorosa no Mi Programa Verde. Criou plantas ornamentais, muitas recuperadas de entre as plantas que outros dispensaram, nalguns metros que separam a estrada do portão do lote. E, entre o passeio e a berma da estrada em frente à parcela , plantou diversas árvores. O que era um lote abandonado e cheio de entulho é hoje um espaço verde, e o Mi Programa Verde está a correr bem.

Um outro exemplo interessante de contribuição individual é o patio que pertence ao Dr. Raul Gil, na sua casa na cidade de San Miguel del Padron. O proprietário da casa tem um mestrado em psiquiatria social e é director de um centro de saúde mental na cidade de Regla. Depois de se ter interessado pela eficácia da "terapia das plantas" no tratamento de problemas de saúde mental, decidiu aprender como criar plantas para utilização clínica e, em 1995, contactou Miguel Salcines (da UBPC de Alamar) para obter ajuda. Na sua casa, tinha um quintal com terreno que não utilizava. Ao lado da sua casa estava uma fábrica abandonada, transformada numa lixeira infestada de ratazanas e baratas e num espaço de actividades sociais "indesejáveis". O Dr. Gil pediu autorização às autoridades locais para utilizar esse espaço. Quando o seu pedido foi aceite, limpou a "lixeira", retirando 23 camiões de lixo.

Hoje, no seu quintal, incluindo o espaço adicional de que fez uso, está uma horta de alface, beterraba, pepino, feijão verde, espinafres, cebola, acelga suíça, salsa, hortelã e coentro, produzindo em pequenos canteiros, com recurso a grandes canos de água cortados ao meio, e banana, manga, tamarindo, tangerina, figo e goiaba. Para plantar as árvores, o Dr. Gil abriu buracos de um metro de diâmetro e 80 centímetros de profundidade, antes de os encher com um mistura de solo, adubo orgânico e composto, para que as árvores criadas a partir de semente pudessem ser transplantadas para cada um dos buracos. É também criado orégão (um repelente de pestes) e milho (que atrai insectos benéficos) para controlo das pestes. A amargoseira e a noni dão uma protecção adicional. Por último, estão também a ser criadas árvores bonsai.

As sementes, bom como outros consumíveis e assistência técnica, vêm da Tienda Consultorio del Agricultor. O Ministério da Agricultura fornece matéria orgânica gratuitamente. Há plantas para começar a produção de adubo orgânico numa banheira na horta. Numa segunda banheira, são utilizados sapos para controlar os mosquitos.
Ainda assim, o patio não produz qualquer produto para venda! Tal como sucede com a maioria dos 60 mil patios de Havana, todos os produtos são utilizados para a auto-suficiência e/ou para partilha com os vizinhos. Portanto, a contribuição deste patio para a agricultura urbana de Havana não é tanto a produção, mas o seu impacto no ambiente físico e social da comunidade.

E este impacto é maior do que a pequena descrição feita acima pode sugerir: todos os sábados de manhã durante duas horas, o Dr. Gil e a sua esposa promovem um workshop educacional para as crianças da vizinhança. Durante a minha visita, cerca uma dezena de jovens, a maioria com menos de dez anos, frequentava essas formações. A primeira metade do workshop era composta de instrução teórica e discussão sobre a questão do ambiente físico e social. Depois de um intervalo, seguia-se a formação prática na horta. As crianças aprendiam a plantar sementes e criar plantas, a ser sensíveis para com o ambiente, a comportar-se na praia e a relacionar-se entre si. Também desenvolviam actividades como o desenho.

O Dr. Gil encara essas actividades como desenvolvimento ambientalmente focado na comunidade: ao mesmo tempo que os alimentos são produzidos, alteram-se as atitudes em relação ao ambiente físico e social. O seu sucesso na conversão de uma monstruosidade urbana numa horta bonita e produtiva e num projecto de desenvolvimento comunitário impressionante com as crianças gerou o reconhecimento nacional.

Conclusão

O título de 8 de Junho de 2008 da Associated Press era "O programa de agricultura urbana em Cuba, um sucesso formidável". E, de facto, assim é, em diversos sentidos. Os dois últimos exemplos ilustram um ponto fundamental acerca da agricultura urbana como é praticada em Havana e, em geral, na ilha: não se trata apenas de economia, ou seja, de produzir alimentos, ou até apenas de produzir alimentos e criar emprego. Trata-se também do desenvolvimento da comunidade e da preservação e melhoramento ambiental, proporcionando uma vida mais saudável e rica nas cidades. Com efeito, quando o director do Le Monde diplomatique , a certa altura durante as duzentas horas de entrevistas em 2005, perguntou a Fidel Castro sobre as medidas de preservação ambiental em Cuba que ele destacaria, Castro referiu a agricultura urbana como a principal [38] .

Tal como para o impacto na produção de alimentos, podemos concluir definitivamente que, devido à agricultura urbana, os residentes em Havana têm acesso a uma produção mais fresca e melhorada, e não apenas em quantidade, mas também em qualidade e diversidade.

Mesmo com recursos escassos, tornados ainda mais dramáticos devido ao bloqueio imposto pelos Estados Unidos, Cuba tem como perspectiva expandir o seu sucesso na agricultura urbana com as suas úteis inovações e avanços no conhecimento básico, na tecnologia e na organização social. Os ingredientes básicos de tal sucesso existem já em Cuba: uma população formada; um governo central orientado para as pessoas, comprometido e empenhado socialmente, que dá apoio e condições organizacionais a todo o esforço; e um amplo estímulo à iniciativa descentralizada e à tomada de decisões pelos produtores na base, encorajando as soluções locais para os problemas locais.

A agricultura urbana em Havana é um modelo de auto-suficiência urbana que vale a pena seguir. Mas há um alerta que se impõe: pode não ser fácil, ou mesmo possível, replicar noutros sítios todos os factores que tornaram possível o sucesso de Cuba. Mas quanto mais um país avançar nessa direcção, mais hipóteses tem de construir uma sociedade mais verde e humana.

Notas:
1. No entanto, só 10 mil hectares são utilizados para cultivo. O restante é utilizado para criação animal, florestação e produção de frutos.
2. Soledad Díaz Otero e Emilio García Capote, "Organización de la Investigación y su Infraestructura en el Sector Agraria", in AAVV, Las Investigaciones Agropecuarios en Cuba: Cien Años Después, Havana, 2006, pp. 1-21; Libertad García López e José Luís García Cueva, "Investigación, Formación de Profesionales y Estudios de Posgrado en la Educación Superior Agropecuario en Cuba", in AAVV, Las Investigaciones Agropecuarios en Cuba , pp. 22-57.
3. Raul Castro Ruz, Desatar los Nudos que atan el Desarollo a las Fuerzas Productivas, ACTAF, Havana, 1997.
4. Moisés Sio Wong, "General y Agricultor, Una Experiencia", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, pp. 2-3.
5. Eugenio Fuster Chepe, "Diseño de la Agricultura Urbana Cubana", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 6.
6. Grupo Nacional de Agricultura Urbana, Manual Técnico de Organiponicos y Huertos Intensivos, Ministerio de la Agricultura, Marzo, Habana, 2007, pp. 68-77.
7. Nelso Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de Produccion de Alimentos en Cuba , apresentação Powerpoint, slide 35, INIFAT, Havana, 2007.
8. Adolfo A. Rodríguez Nodals, Nelso Companioni Concepción e Rosalia Gonzáles Bayón, “La Agricultura Urbana y Periurbana en Cuba: Un Ejemplo de Agricultura Sostenible,” Apresentação Powerpoint, slide 9, apresentada no VI Encontro de Agricultura Orgânica, realizado em Maio 2006, em Havana.
9. Adolfo A. Rodríguez Nodals and Nelso Companioni Concepción, "Situación Actual, Perspectivas y Retos de la Agricultura Urbana en Cuba", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 4.
10. Santiago Rodríguez Castellón, "La Agricultura Urbana y la Producción de Alimentos: la Experiencia de Cuba", Cuba Siglo XXI , n.º 30, Junho de 2003, p. 85, com acesso em www.nodo50.org/cubasigloXXI/economia2.htm.
11. Fuster Chepe, "Diseño de la Agricultura Urbana Cubana", p. 6.
12. Adolfo A. Rodríguez Nodals, Nelso Companioni Concepción e Maria Elena Herrería Martínez, "Las Granjas Urbanas en la Agricultura Cubana", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, pp. 7-9.
13. Ibid. , p. 8.
14. Nelso Companioni Concepción, "Particularidades del Movimiento Extensionista en la Agricultura Urbana", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 32.
15. Rodríguez Nodals, "Síntesis Histórica del Movimiento Nacional de Agricultura Urbana de Cuba", p. 27.
16. Nilda Pérez Consuegra, "Agricultura Orgánica: Una Visión desde Cuba", Agricultura Orgánica 8, n.º 2, 2002, p. 11.
17. Entrevistas do autor com Salcines na UBPC Alamar e com Companioni no INIFAT.
18. Nelso Companioni Concepción, "Particularidades del Movimiento Extensionista en la Agricultura Urbana", p. 32; Grupo Nacional de Agricultura Urbana, Lineamientos para los Subprogramas de la Agricultura Urbana para 2008 – 2010 y Sistema Evaluativo, Ministerio de la Agricultura, Havana, Fevereiro 2007, pp. 88-103.
19. Entrevista com A. Falcon.
20. Cálculos do autor com base em: Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de Produccion de Alimentos en Cuba , slide 6; Grupo Provincial de Agricultura Urbana en la Ciudad de la Habana, La Agricultura Urbana en los Municipios de Ciudad de la Habana con Enfoque Sostenible u Agroecológico , apresentação Powerpoint, slide 4, Havana, 2006.
21. Tradução livre.
22. Rodríguez Castellón, "La Agricultura Urbana y la Producción de Alimentos: la Experiencia de Cuba", p. 86.
23. Elaborado pelo autor utilizando dados de Companioni Concepción, "Particularidades del Movimiento Extensionista en la Agricultura Urbana", slide 6.
24. Grupo Provincial de Agricultura Urbana en la Ciudad de la Habana, La Agricultura Urbana en los Municipios de Ciudad de la Habana con Enfoque Sostenible u Agroecológico , slide 6.
25. Ibid. , slide 13.
26. Com base na Tabela 1 in Adela Cuba, Participacion en la Esfera de Sanidad Vegetalen el Movimiento Cooperativo de la Agricultura Urbana, Tese de mestrado, FLACSO, Universidade de Havana, 2002, p. 62.
27. Cuba, Participacion en la Esfera de Sanidad Vegetalen el Movimiento Cooperativo de la Agricultura Urbana , p. 64; Raisa Pages, "Una Ciudad Agroecológica", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2002, p. 17.
28. Pages, "Una Ciudad Agroecológica", p. 18.
29. Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de Produccion de Alimentos en Cuba , slide 37.
30. José Puente Nápoles, "La Agricultura Urbana Asume el Abastecimiento de Hortalizas a Círculos Infantiles, Escuelas y Hospitales", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 22.
31. Orlando Acosta Mirrelles, "Misión al 2007", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 14.
32. Ibid. , 15.
33. Acosta Mirrelles, "Misión al 2007", p. 14.
34. Ronal Suárez Ramos, "Aumentaran Cultivos Semiprotegidos", Granma , 12 de Febrero de 2007, p. 2.
35. Excepto quando é referido em contrário, toda a informação desta secção baseia-se nas minhas observações e entrevistas com diversas pessoas durante a minha visita.
36. Gema González Hernández, Practicas Agroecológicas: Desarrollo y Limitaciones en las Cooperativas (UBPC) Urbanas , Tese de mestrado, FLACSO, Universidade de Havana, 2005, p. 126.
37. Falcon afirma: "Comecei com cem minhocas, agora tenho milhões".
38. Fidel Castro, My Life , Ignacio Ramonet, ed., Penguin, Londres, 2008, p. 400.

[*] Sinan Koont ensina economia e é coordenador de Estudos Latino-Americanos no Dickinson College, em Carlisle, na Pensilvânia. Passou recentemente um semestre sabático em Cuba a estudar agricultura urbana.

O original encontra-se em http://monthlyreview.org/090119koont.php
Tradução de Zion Edições, http://www.zionedicoes.org/ , gentilmente cedida a resistir.info.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
Fonte:Resistir.info.

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