por Michelle Amaral da Silva.
Prédio onde funcionava centro de tortura vira museu de resgate da história de presos políticos.
Jonathan Constantino,
de São Paulo (SP)
Após cerca de um ano e meio de luta e pressão do Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo junto ao Governo do Estado, foi reinaugurado, no último 24 de janeiro, o Memorial da Resistência, antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops/SP).
Após reforma, o memorial reabre com uma nova concepção museológica para preservação da memória “de milhares de combatentes, que nunca aceitaram a opressão das classes dominantes e seus instrumentos ditatoriais”. De acordo com o jornalista Ivan Seixas, diretor do Fórum, “resgatar este velho prédio e transformá-lo num símbolo de resistência é a manifestação de quem luta pela democracia e não quer esconder nossa história. E nem apagar as pistas de sangue deixadas por carrascos impunes até os dias de hoje”.
Reconstituição das celas
Com a pressão realizada pelo Fórum, conseguiu-se a mudança do nome do Memorial e a realização de uma significativa reforma. Em agosto de 2007, foi apresentado o projeto de remodelamento, e sua implantação iniciou-se em agosto de 2008.
Na reforma foram reconstituídas celas, a fim de apresentar as reais condições a que os presos eram submetidos. Com ajuda de ex-presos, também foram refeitas inscrições nas paredes para resgatar as frases de resistência e solidariedade que haviam sido apagadas. Também foram instalados equipamentos audiovisuais por meio dos quais os visitantes podem informar-se sobre o que foi o espaço.
Na avaliação de Seixas, para cumprir seu papel histórico e didático, o Memorial deve ter um destino militante. “Projetos e programações devem sensibilizar a sociedade sobre a importância da luta pela Anistia, a Justiça de Transição e os Direitos Humanos para a Democracia. Para nós do Fórum dos ex-Presos e Perseguidos Políticos, o objetivo maior é completar a transição democrática, consolidar e aprofundar a democracia”, salientou.
Sem precedentes
Segundo Kátia Filipini, museóloga da Estação Pinacoteca do Estado “não temos conhecimento de nenhum outro projeto do tipo, no Brasil. O que sabemos é que há um museu na Argentina, ligado à Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), e que no Chile há um projeto em implantação”.
Sobre a importância do Memorial como instrumento de preservação e resgate da memória, ela afirma que “o museu é uma boa tentativa nessa luta e, como seu foco principal é a Ação Educativa e Cultural, desde já estão em projeto seminários, debates e palestras para contribuir nesse sentido”.
De acordo com o secretário da cultura, João Sayad, presente à solenidade de inauguração, a recaracterização do Memorial deveria ter sido ainda mais dramática, para retratar melhor o que foi aquele período. Para ele, o modo como as celas haviam sido apresentadas na última reforma, assemelhavam-se mais a salas confortáveis de um hotel. Estiveram presentes à solenidade de inauguração o governador do Estado de São Paulo, José Serra, e os secretários da Cultura, João Sayad, e da Justiça e Defesa da Cidadania, Luiz Antônio Marrey, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, que representou o ministro da Justiça, Tarso Genro; o diretor da Pinacoteca do Estado, Marcelo Araújo, e Rogério Sottili, representando o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, além de Raphael Martinelli que, juntamente com Ivan Seixas falou em nome do Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo.
Histórico
Localizado no Largo Manoel Osório, próximo à estação Luz da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), o prédio onde hoje funciona a Estação Pinacoteca, anexo da Pinacoteca do Estado, foi projetado em 1914 por Ramos de Azevedo, destinado a ser um armazém para a Ferrovia Sorocabana.
Porém, em 1949, durante o governo do General Eurico Gaspar Dutra, o Deops/SP, criado 25 anos antes com a finalidade de combater os movimentos sociais e outras manifestações originárias de “ideologias exóticas”, como o anarquismo e o sindicalismo, é transferido para o prédio do antigo armazém. Assim, passa a ser o cenário sombrio no qual se desenrolaram diversos atentados de lesa-humanidade, amplificados durante a ditadura civil-militar de 1964-1984.
Inaugurado em 2002 com o nome de Memorial da Liberdade, o atual Memorial da Resistência passou por inúmeros processos de transformação, o que acarretou a descaracterização do prédio. Foram destruídas duas celas, localizadas no térreo, e chamado “Fundão”, que era formado por antigas celas reforçadas, que funcionavam como solitárias. Além disso, o espaço recebeu pinturas modernas e sofisticadas, foram destruídos os banheiros que eram utilizados pelos presos e raspadas inscrições deixadas nas paredes das celas por presos políticos de diversas gerações.
As reformas e nome atribuído ao Memorial, então, desencadearam o descontentamento de grupos ligados às vítimas da violência durante a ditadura militar, de modo especial o Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo.
Fonte: Brasil de Fato.
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