Rui Martins
Berna (Suiça) - O caso Cesare Battisti está praticamente resolvido.
Na sua resposta à carta do presidente italiano, nosso presidente colocou tudo nos eixos, deixando bem claro ao insistente colega ser uma questão pertencente à esfera da justiça brasileira e ter sido soberana e definitiva a digna decisão tomada pelo ministro Tarso Genro.
Não haverá, portanto, nenhuma crise mesmo porque Lula não acredita haver motivo para perturbar a amizade existente entre os dois países.
Embora muita gente goste de criticar nosso presidente, é forçoso reconhecer seu tato e sua educação ao tratar com o governo italiano. Manda a regra diplomática que cartas entre presidentes sejam cercadas de sigilo. Ora, o presidente italiano, para forçar uma resposta de Lula, divulgou sua carta para a imprensa italiana antes de enviá-la a Lula via Itamaraty. Ou seja, nosso presidente recebeu a carta depois de ter sido comentada pelos jornais.
Lula não gostou, é claro, mas manteve a calma, quando qualquer um de nós teria reagido com mau humor. Talvez seja por isso que o jornal El País, na semana passada, fez rasgados elogios ao presidente Lula por sua popularidade, apesar de tantos anos no poder e em plena crise mundial.
O caso Cesare Battisti provocou um correio fora do habitual. Muitos leitores, baseados em conclusões apressadas de certa imprensa, tomaram as dores dos italianos. Assim, sem disporem de maiores informações, concluíram pela culpa e pela extradição de Battisti com uma lógica digna de jardim de infância. E sequer lhes passou pela cabeça o risco de se condenar um inocente a morrer na prisão.
Algumas constatações estranhas também ocorreram. A revista Carta Capital, considerada por tantos como de centro-esquerda, assumiu uma postura francamente italiana e uma reportagem publicada, em julho, impediu muitas pessoas de serem contra a extradição de Battisti. A chamada ala esquerda do PT só aderiu no fim do ano, por volta da decisão do Conare favorável à extradição. Ao contrário, a revista Época publicou uma reportagem correta e imparcial sobre Battisti, enquanto Veja e Isto É publicaram textos objetivos.
A mídia brasileira pouco falou de Fred Vargas, mas sem ela não teria havido a próxima libertação de Battisti. Incansável combatente, foi ela quem criou o primeiro comitê de defesa, na França, e buscou o apoio de políticos, intelectuais e da imprensa francesa para Cesare Battisti.
A missão não foi fácil – a maioria dos líderes do Partido Socialista, envolvidos numa séria luta interna preferiu se manter à distância, com receio de ser negativa do ponto de vista eleitoral; o jornal Le Monde, logo depois de alguns artigos favoráveis, deu marcha-à-ré, como a revista Nouvel Observateur. Mas Fred pôde contar com o apoio do cotidiano Libération, do jornal l´Humanité, do filósofo Bernard-Henri Levy e da ex-candidata à presidência da França, Segolène Royal.
Embora pouco conhecida no Brasil, Fred Vargas, é escritora do gênero policial, bastante conhecida entre os franceses. Seus livros estão entre os dez mais vendidos na França, com mais de um milhão de exemplares, a maioria deles premiados e transformados em roteiros de filmes.
Cientista, arqueóloga do prestigioso Centro Nacional de Pesquisas Científicas, CNRS, seu nome verdadeiro é Frédérique Audouin-Rouzeau, e foi por acaso que começou a escrever romances policiais. Foi assim que conheceu Cesare Battisti que, nas horas vagas de zelador de um prédio em Paris, escrevia também romances policiais, atividade que já começara quando clandestino no México, depois de ter fugido da Itália.
Ser minuciosa, ela aprendeu com a Arqueologia. Assim, quando a Itália pediu a extradição de Battisti, em 2004, Fred se interessou pelo caso, estudou o processo, foi às fontes e concluiu serem verdadeiras as declarações de inocência de Battisti. Fazia onze anos que Battisti vivia modestamente em Paris e temia, já naquela época, por sua vida, caso fosse extraditado. Além disso, Battisti constituíra família, e já era pai de duas filhas.
O presidente François Mitterrand tinha dado asilo a todos os italianos, antigos extremistas dos anos 1960-1970, que tivessem abandonado a luta armada e se integrado na sociedade. Para Battisti, sua participação durante dois anos no movimento Proletários Armados pelo Comunismo, era coisa passada, da qual se desligara havia tempo. Mas sua fuga e ausência, deixando folhas em branco assinadas com o advogado, tiveram um preço – um dos dirigentes do movimento lançou sobre ele (ausente) a responsabilidade e a autoria de quatro crimes. Em conseqüência, julgado à revelia, foi condenado à prisão perpétua. Com base nessa condenação, o governo Jacques Chirac ignorou a proteção dada por Mitterrand, e iniciou o processo de extradição. Faltavam apenas dois meses para Battisti ter adquirido a nacionalidade francesa, pois havia iniciado um processo de naturalização.
Battisti foi obrigado a fugir pouco antes de ser extraditado, e desapareceu. Para Fred Vargas, que se tornara líder do movimento em favor de Battisti, começou um longo período de tortura psicológica. Sua casa foi visitada diversas vezes por agentes secretos franceses para instalação de microfones, seus telefones e computadores foram grampeados. Como suspeitasse de um carro sempre parado na sua rua, Fred mudou de apartamento, mas logo reapareceu, no seu novo endereço, o mesmo furgão de antes, provavelmente equipado para todo tipo de escuta.
O que antes escrevia enquanto tramas de ficção, passava a se concretizar enquanto vida: a polícia achava que Fred sabia onde se escondia Battisti, e fazia de tudo para encontrar uma pista. Até a prisão de Battisti no Rio de Janeiro, foram três anos sentindo-se todo tempo seguida e vigiada o que só agora, com o estatuto de refugiado a Battisti, deve terminar.
Fred esteve cinco vezes no Brasil, entre março 2007 e dezembro 2008, quando constituiu Luiz Eduardo Greenhalgh como seu advogado, encontrando-se com políticos, juristas e procurando sensibilizar a mídia para o caso. Se o senador Eduardo Suplicy, o deputado Fernando Gabeira e o jurista Dalmo Dallari lhe deram apoio desde o primeiro momento, novas adesões à causa foram muito difíceis de conseguir.
Apoiar Battisti - e o ministro Tarso Genro experimenta hoje essa incômoda situação -, poderia ter como conseqüência se tornar impopular, visto as acusações feitas pela Itália, facilmente exploradas pela mídia comercial e de direita.
Fred Vargas se encontrou, no Brasil, com Clara Bruni, a esposa do presidente francês, em visita oficial ao país em companhia do marido. Fred pediu a ela para interceder junto ao marido em favor de Battisti, do mesmo modo como fizera com Marina Petrella, a brigadista perdoada in extremis pelo presidente francês. Com efeito, Sarkozy transmitiu a Lula a mensagem de que a França se desinteressava do caso Battisti, colocando-o no mesmo plano que Marina Petrella, assegurando que o governo francês não reagiria se o Brasil acolhesse Battisti.
Do lado italiano, a pressão era forte. O embaixador em Brasília pediu e obteve seis audiências com o ministro Tarso Genro, e não baixava guarda ao perceber que a ala esquerda do PT abandonava a indecisão e começava a a assumir uma posição firme no sentido de garantir refúgio para Battisti.
Um argumento era forte em favor de Battisti: a Itália não reagiu quando a França de Sarkozy perdou a brigadista Petrella e, por certo, não iria agir diferente com Battisti, que pertencera a um grupo pequeno, não envolvido em mortes de personalidades. Esperava-se uma decisão de Tarso Genro durante as Festas do Natal e Fim de Ano. Como nada foi anunciado, pensou-se o pior. Foi quando Fred recebeu um e-mail de Marco Aurélio Garcia, secretario especial da Presidência para Assuntos Internacionais, informando que o ministro ia lhe comunicar sua decisão no dia 15 de janeiro, mas a decisão acabou sendo tomada no dia 13 à noite.
Quando Fred Vargas soube da boa notícia, do refúgio concedido pelo ministro Tarso Genro a Battisti, já era madrugada em Paris.
Fonte: Direto da Redação.
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