Argemiro Ferreira.
A missão impossível de Mitchell em Israel
“Ele não é pro-Israel e nem pro-Palestinos. É neutro”, disse ao New York Times o ex-embaixador dos EUA em Israel, Martin S. Indyk, sobre o emissário especial do presidente Barack Obama ao Oriente Médio, ex-senador George J. Mitchell (saiba mais AQUI). Depois de ser líder democrata no Senado, Mitchell teve a seu favor o difícil êxito na mediação Grã-Bretanha-Irlanda do Norte e a trégua na II Intifada.
carter_sadat_begin_78Já é uma diferença entre Obama e Bush. Mas neutralidade parece desagradar Israel. O presidente Jimmy Carter, por exemplo, mediou os acordos de Camp David (foto), entre Israel (à época, Menahem Begin) e Egito (então, Anwar Sadat). Hoje é sabido o horror dos israelenses a ele, difamado até como anti-semita. A reação israelense costuma ser ambígua: primeiro, o governo é discreto: deixa para outras vozes o início da sabotagem.
Vale a pena observar o que já está acontecendo em relação à missão de Mitchell, que antes de ser iniciada o New York Times chamou de “não invejável” (leia AQUI). Ele se tornou alvo em Israel horas depois de ter seu nome anunciado no Departamento de Estado, em evento ao qual compareceram Obama, a secretária Hillary Clinton, o próprio Mitchell (foto do alto) e o embaixador Richard Holbrooke, nomeado na ocasião para emissário no Paquistão e no Afeganistão.
“Tendencioso”, “ascendência árabe”mitchell_george
A escolha de Mitchell (foto ao lado) só se tornara pública após consultas prévias com Israel e a facção Fatah dos palestinos (não o Hamas, que controla Gaza). No ministério do Exterior de Israel, o porta-voz Yigal Palmor, em declaração oficial, considerou “excelente” a decisão. “Saudamos a escolha, pois tivemos relações de trabalho com ele no passado. Estamos certos de que continuará assim no futuro”, disse.
Mas vieram de Jerusalém mais avaliações, contrárias - como a do “Myths and Facts” (Mitos e Fatos), web site radical de Eli E. Hertz, que proclama em artigo disseminado por email (e assinado por David Bedein) o “legado tendencioso” de Mitchell, “de ascendência árabe”. O crime maior que se atribui ali ao ex-senador é o relatório da comissão que presidiu sobre os distúrbios de 2000 em seguida à visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo, local sagrado dos muçulmanos (leia AQUI o texto do relatório citado).
Após investigar o episódio, segundo Bedein & Hertz, a comissão Mitchell (co-presidida por Warren Rudman, ex-senador de ascendência judaica, e integrada ainda por 3 respeitados diplomatas europeus) admitiu que na base dos distúrbios estava um movimento por “independência e genuína autodeterminação”, caracterizando os participantes como “manifestantes palestinos desarmados”.
É oportuno lembrar o caso, pois Israel vivia clima eleitoral, como hoje. Sharon, líder do direitista Likud (oposição), fazia provocação ao exibir-se como durão à frente de bando armado no Monte do Templo. Cinco anos antes Yitzhak Rabin fora assassinado pelo radical direitista Yigal Amir por ter assinado os Acordos de Oslo. Com a provocação (e a II Intifada) Sharon elegeu-se em fevereiro de 2001.
De Arafat à tragédia de Gaza
rabin_arafat_clintonParalelamente, teve início o período de oito anos de apoio automático e explícito dos EUA, no governo Bush, às posições israelenses. Nos oito anos anteriores Bill Clinton reunira em Washington líderes de Israel (Rabin, à esquerda na foto ao lado), Shimon Peres, Ehud Barak) e o palestino Yasser Arafat. Bush não admitiu receber Arafat. Ao invés disso, encorajaria o cerco a ele em Ramallah - até sua morte em novembro de 2004.
Com as bênçãos do padrinho Bush, Israel dedicou-se a desgastar o Fatah de Arafat, na obsessão de destruir sua liderança. Quando veio a eleição palestina que exigia, percebeu o erro: a vitória do radical Hamas foi pior para Israel (Governo ou grupo terrorista? Leia AQUI um debate sobre o Hamas em 2006). Hoje, Israel e EUA obstinam-se, paradoxalmente, em reabilitar os sucessores de Arafat no Fatah - Mahmoud Abbas (líder da OLP) e Farouk Kaddoumi (do Fatah).
É essa a armadilha complexa deixada por Bush - e agravada ainda pelo banho de sangue promovido por Israel em Gaza, com mais de 1300 civis palestinos mortos por ataques de terra, mar e ar, às vésperas da votação israelense e entre a eleição de Obama (4 de novembro) e a posse (20 de janeiro). Uma tragédia previsível, um retrato dos efeitos da política de apoio sistemático à insanidade israelense.
A rigor, só se sabe de uma discordância entre Bush e Israel nesse período. Os EUA negaram apoio a um bombardeio israelense de instalações nucleares do Irã (saiba mais AQUI). Nos primeiros dias de governo, Obama passou a desmontar, ponto por ponto, a política externa de Bush. Guantánamo, as prisões secretas da CIA, a obsessão do sigilo, a hostilidade à ONU, a sabotagem das ações contra mudanças climáticas.
Mesmo papel, mesmo cenário
E a política israelense de Bush? Publicamente, Obama e Hillary na campanha fizeram visitas conspícuas ao poderoso lobby AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), que tem dois figurões à espera de julgamento, acusados de espionagem a favor de Israel. A nomeação de Mitchell como emissário de Obama ao Oriente Médio pode ser um dado positivo, mas ainda tímido.
Há outros, negativos. O mundo inteiro, talvez até os EUA, está chocado com o massacre de Gaza e a desproporção perversa do número de vítimas. Tzipi Livni (foto), ministra israelense de Relações Exteriores e líder do partido governista Kadima, tenta provar ao eleitor que, apesar de atraente, pode ser implacável como Sharon - ou a trabalhista Golda Meir, que negava até a existência de um povo palestino.
Com seu bando armado no Monte do Templo, Sharon - ainda no Likud - produziu a II Intifada e ganhou a eleição de 2001, atrelando-se a Bush. Livni, uma das herdeiras do Kadima criado por ele, já tem sua força eleitoral no banho de sangue de Gaza. O presidente Obama estará disposto a por em risco a atual lua de mel com o povo americano e o mundo para repetir, no mesmo cenário, o papel que foi de Bush?
Fonte: Blog do Argemiro Ferreira.
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