João Sicsú
É NECESSÁRIO que o Brasil tenha uma taxa básica de juro muito baixa imediatamente. A crise econômica mundial tem revelado características assustadoras. Sua velocidade e seus impactos reais têm surpreendido até os `pessimistas de plantão`. É esperado que tenha havido, em dezembro, uma forte queda da atividade industrial no Brasil em relação ao mesmo mês do ano anterior.
O consumo de energia elétrica caiu 5% em dezembro de 2008 relativamente ao mesmo mês do ano anterior. Na mesma base de comparação, o consumo de papel ondulado, usado em embalagens de grande porte, caiu mais de 4,5%, e o fluxo de veículos pesados nas estradas também apresentou redução. Ainda comparando dezembro de 2008 com o mesmo mês de 2007, dramática foi a queda da produção de veículos: mais de 50%! Segundo dados do Ministério do Trabalho, houve uma perda líquida de 655 mil postos com carteira assinada em dezembro. Demissões nesse mês sempre ocorrem, até em períodos de crescimento. Contudo, a queda do mês passado foi expressiva em comparação com o que ocorreu em dezembro de 2007, quando a perda de postos formais foi de 319 mil.
Os números são reveladores da ausência de justificativa técnica para manter por mais 45 dias uma taxa de juro tão alta, de 12,75% ao ano.
É claro que a desvalorização cambial ocorrida pode provocar alguma pressão inflacionária, mas é igualmente verdade que uma forte desaceleração do crescimento já está em curso, o que inibe a passagem de aumentos de custos importados para os preços domésticos.
Ainda que os `pessimistas de plantão` avaliem que haverá inflação, o que é prejudicial particularmente ao pobre, porque retira parte do seu poder de compra, pior será o desemprego causado pelo juro elevado, que retira todo o poder de compra do pobre.
Ademais, taxas de juro elevadas também retiram parte da renda real de muitos trabalhadores que estão empregados e fazem suas compras utilizando crediário.
O calendário de reuniões do Copom não está adequado para o enfrentamento da crise -foi elaborado para tempos de normalidade. A crise é veloz e aumenta a sua celeridade, mas o Copom somente se reúne a cada 45 dias. Poderia até fazer reuniões extraordinárias, mas não faz.
Entre a última e a penúltima reunião do Copom, mais de 600 mil trabalhadores formais foram demitidos.
Não se pode atribuir todas as demissões à elevada taxa de juro. Porém, a hora é de os órgãos públicos darem o exemplo: o Copom deveria alterar o seu calendário e realizar reuniões a cada 20 dias. Assim, poderia reduzir a taxa de juro mais rapidamente e mostraria aos cidadãos que está trabalhando para enfrentar a crise.
Diretorias e diretores de sindicatos de trabalhadores, de entidades patronais, de órgãos de governos e de estatais estão quase que em assembleia permanente. É necessário que o Copom se sintonize com a sociedade.
Não há motivos técnicos para que a taxa de juro seja tão alta no Brasil. Em verdade, nunca existiram esses motivos. Entretanto, não faltaram aqueles que buscaram argumentos para justificar de forma pseudocientífica essa enorme distorção que já dura anos.
Alguns afirmaram que existe no país uma insegurança jurídica que tem que ser compensada com uma elevada taxa de juro. Outros diziam que a situação fiscal deteriorada é a culpada. Há ainda aqueles que afirmam que a economia brasileira é `viciada` em inflação, devido ao seu passado; então, a taxa de juro alta seria uma sinalização da vigilância inabalável no `paciente` (que está sempre propenso a retomar o `vício`).
Não é necessário argumentar contra essas crendices, pouca gente acredita nisso. O problema é que existem sete ou oito senhores que amam o juro elevado. O amor não tem explicação técnica.
A taxa de juro básica precisa ser reduzida de forma drástica e imediata.
Não há empecilhos. Entretanto, muitas outras medidas estão sendo adotadas para que o país tenha uma estratégia bem planejada de enfrentamento da crise. A taxa de juro é apenas uma parte dessa estratégia. E juro não pode ser tratado de forma sentimental: taxa de juro é coisa técnica.
JOÃO SICSÚ é diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor doutor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Publicado originalmente: Folha de S.Paulo (24/01/2009)/AEPET.
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