Antes mesmo de soarem os tambores da marcha que tradicionalmente marca o início das atividades do Fórum Social Mundial, Belém já recebe uma série de fóruns setoriais paralelos, que enriquecem e aprofundam alguns temas que estão presentes na pauta de discussões dos movimentos sociais. Nesta segunda-feira (26), o 1º Fórum Mundial de Mídia Livre recebeu convidados de vários países para discutir o fortalecimento do midialivrismo, fazer um breve diagnóstico da mídia hegemônica e a crise econômica mundial.
A primeira mesa de debate — “Como ampliar o midialivrismo” — contou com as participações de Jonas Valente (Intervozes), Ivana Bentes (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Renato Rovai (Revista Fórum), Sérgio Amadeu (Cásper Líbero e movimento software livre), Sóter (Abraço), Maria Pia (Amarc) e Oona Castro (Overmundo). Os debatedores abordaram a importância de incentivar a proliferação de iniciativas de mídia livre estimulando o aparecimento de fazedores de mídia e a urgência em se buscar alternativas para garantir o financiamento dessas iniciativas.
A segunda mesa — “Mídia e Crise” — foi composta pelo jornalista Altamiro Borges (Vermelho), por Luiz Hernandez Navarro (La Jornada), Sandra Russo (Página 12), Pascual Serrano (Rebelión), Marcos Dantas (PUC-RJ), Joaquim Palhares (Carta Maior), Joaquín Constanzo (IPS), Bernardo Kucinski (USP), Ignacio Ramonet (Le Monde Diplomatique).
Para além de discutir a crise econômica, os presentes fizeram a análise da crise da própria mídia e de como a mídia é causa e efeito desta crise. “Os meios são co-responsáveis por essa crise já que fazem parte desse sistema financeiro e, também, por calar sobre a existência da crise”, sentenciou Pascual Serrano. Bernardo Kucinsky lembrou que, se num primeiro momento a imprensa calou diante da eminência de uma crise, em seguida ela “a tratou de forma catastrófica, antecipando e justificando medidas adotadas para atacar os trabalhadores, como no caso das demissões e propostas de redução dos direitos trabalhistas”.
No mesmo sentido, Altamiro Borges denunciou as grandes corporações midiáticas como culpadas pela crise, já que elas “fizeram a apologia do desmonte do Estado, do desmonte do trabalho e do desmonte dos direitos. A mídia hegemônica é responsável pela crise e pelos seus efeitos para os trabalhadores e os povos. Essa mídia está criando um clima de pânico para justificar os ajustes que o capitalismo muitas fazes não tem força para fazer em situações de normalidade: as demissões em massa e o retrocesso nos direitos trabalhistas. Fortalecer a mídia livre é necessário para se contrapor a essa investida”.
A crise econômica, por outro lado, afeta essa mídia hegemônica de forma contundente. Jornais de vários países foram fechados ou estão na iminência de fechar. O governo de Nicolas Sarkozy, na França, anunciou uma linha de financiamento de 600 milhões de euros para salvar os meios de comunicação.
Contudo, é preciso avaliar que a crise que atinge esses grandes veículos não é apenas reflexo da crise econômica, mas sim uma crise no próprio modelo de negócios em que esses veículos estão ancorados. Ignacio Ramonet fez uma retrospectiva das mudanças que se operaram entre 2001 — ano da 1ª edição do FSM — e 2008. Ele discorreu sobre as mudanças no contexto político, principalmente na América Latina, onde governos progressistas democraticamente eleitos estão aplicando políticas que causam mudanças positivas.
Houve também uma mudança no discurso que antes era de pessimismo e defensiva diante da ditadura midiática. Em contrapartida, hoje há um avanço dos meios de mídia livre, o aumento da reflexão sobre os serviços públicos de comunicação, em particular na televisão e rádio nos países em que predominavam as empresas privadas. Para Ramonet, “os meios privados tem visto reduzir o seu poder. O poder financeiro foi golpeado diante da crise e o poder midiático também está debilitado diante dos novos meios que aparecem a cada dia. Ou seja, os meios que eram tão dominantes antes, hoje estão dominando menos”.
Diante desse impasse dos meios hegemônicos, abre-se, de acordo com os presentes, uma janela de oportunidades para o fortalecimento da mídia livre e, também, novos desafios. “Como ampliar o nosso alcance, como falar para além das audiências que já conhecem nossos pontos de vista, como chegar aos setores que ainda não tomaram contato com nossas opiniões e com isso formar uma nova audiência?” questionou Sandra Russo.
Sem a pretensão de buscar saídas simplistas para essa questão, algumas pistas foram deixadas pelos debatedores, que passam desde uma necessária mudança de linguagem para ter alcance maior, até as questões relacionadas às formas de financiamento para garantir a sobrevivência das iniciativas de mídia livre.
Para Marcos Dantas, da UFRJ não adianta querer democratizar as estruturas de mídia tradicionais, é preciso construir outros espaços e com eles disputar a agenda pública. “O que existe hoje são pessoas que fazem esses grandes meios, que escrevem o texto, o título e cada escolha não é abstrata é feita por pessoas concretas. Há um código meio secreto que as leva a excluir umas coisas e incluir outras, a decidir o que é ou não notícia. E através desse filtro vemos o mundo, a partir dessa escolha do que é ou não importante. E isso impede o real debate na sociedade. Qual a agenda importante: a deles ou a nossa? A disputa da agenda exige a construção de canais alternativos, mas não se faz nada sem dinheiro. E o dinheiro está onde, está na sociedade. A gente tem que decidir que esse dinheiro deve fomentar e sustentar a multiplicidade de vozes. E para isso é preciso uma política pública”, avalia Dantas.
Joaquim Palhares indicou como um dos caminhos para fortalecer as iniciativas de mídia livre a construção de uma articulação latino-americana e internacional para construir uma mídia colaborativa, unindo esforços e respeitando a diferença. Outro ponto importante para fortalecer a mídia livre é “sinergia para juntar todas as forças de criar informação alternativa”, apontou Joaquín Constanzo.
No entanto, não basta o surgimento espontâneo de iniciativas, salientou Altamiro Borges. “Que floresçam mil flores, mas não podemos cair numa visão de que deixa florescer que por si só resolvemos o problema. Nós temos que disputar a hegemonia, criando sinergia entre essas iniciativas e respeitando a diversidade para poder falar para mais gente. Temos que manter o esforço de construção do Fórum de Mídia Livre e pôr em prática a plataforma aprovada no Fórum do Rio. Precisamos fazer a disputa contra-hegemônica”, concluiu.
No mesmo rumo, Luis Fernandes afirmou que “não podemos fazer a apololgia do alternativo como marginal. Nós temos, sim, que lutar para transformar o marginal em hegemônico”.
De Belém,
Renata Mielli.
Fonte:Site O Vermelho.
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