sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

INTERVENÇÂO DO ESTADO OU CAPITALISMO DE ESTADO?

Por Ricardo Young

Fonte: CartaCapital

Hoje à tarde, aqui em Davos, ocorreu uma situação que seria hilária não fosse séria e preocupante. A rede CNBC resolveu organizar, junto com o Fórum Econômico, um dos mais ambiciosos debates em torno da crise global. Convidou os mais renomados comentaristas econômicos e economistas que mantêm colunas em jornais ou revistas de grande penetração junto ao público corporativo. Nesse grupo, encontravam-se personalidades como Nouriel Roubini, Joseph Stiglitz e Nicholas Stern, reconhecidos pelas ferozes críticas que têm feito ao sistema financeiro internacional, sendo o último um dos maiores expoentes do “establishment” a liderar as discussões sobre a necessidade do mundo lançar-se ao desafio de uma economia de baixo carbono (ver relatório Stern).

Pois bem, a intenção do debate era a de responder 3 perguntas-chave sobre a crise:

1. Qual a presunção presente na formulação das políticas que maior dano causou para a economia global?

2. Quais as falhas de regulação que causaram o maior choque sistêmico?

3. Quais as falhas genuínas do mercado?

É interessante notar que já na formulação das perguntas, sobretudo a terceira, há um viés que coloca o mercado como sujeito de uma determinada ação volitiva.

O grupo de experts , cerca de uma centena, se debruçou sobre as perguntas e cada um teve aproximadamente 10 a 15 minutos para expressar sua opinião. Depois do debate, houve uma votação eletrônica para se obter uma posição coletiva próxima ao agregado das contribuições individuais.

Nas primeiras respostas relatadas pelos grupos, relativas a primeira pergunta, ficaram claras algumas tendências que, segundo estes experts, levaram o mundo à bancarrota: falsa crença no poder do mercado de se autorregular; incentivos para se tomar grandes riscos; analfabetismo financeiro por parte dos agentes econômicos; baixa governança e falta de transparência das instituições financeiras; fundamentalismo econômico; crença na modelagem matemática sobre o bom senso; impunidade; falta de orientação ética e moral…enfim, questões que, se colocadas há um ano, seriam consideradas coisas do movimento antiglobalização, mais apropriado ao Fórum Social que ao Econômico.

O debate começou a esquentar quando alguns economistas insinuaram que a omissão dos governos se deu em função da pressão dos grupos de interesse sobre os governantes; estes economistas também cobravam quem pagaria o desastre de 50 milhões de desempregados. “Se eu fabrico produtos tóxicos e os ponho no mercado, sem as precauções necessárias, causarei dano e irei para a cadeia. Quem vai para a cadeia desta vez?” perguntou um revoltado economista inglês. Quem pagará pelas desastrosas conseqüências de um mercado financeiro irresponsável?

No final, o clima só não pesou de vez em função da habilidade da moderadora Maria Bartinomo. Âncora da CNBC e especialista em Wall Street, ela conseguiu que o show continuasse sem maiores danos. Mas ficou evidente que os responsáveis até ontem pela exuberância dos mercados perderam a mão de vez sobre eles e a entrada dos governos passou a ser aceita como um “mal necessário”.

Porém, a discussão não parou aí. Se os estados serão os parceiros da economia agora, qual será a qualidade política dos governos em questão? A participação dos governos, a depender da qualidade dos tecnocratas ou mesmo de interesses políticos manifestos, não trará mais ônus no futuro, em um mercado que pode levar até uma década para se recuperar…?

Paradoxalmente, a fala plenária seguinte foi a do premiê Chinês Wen Jiabao. Ele discorreu sobre os sólidos fundamentos da economia chinesa. Falou sobre progresso social e inclusão dentro dos limites de um desenvolvimento ambientalmente amigável. Falou do papel do Estado na promoção da segurança dos mercados e quanto os créditos chineses vêm aumentando em função da solidez dos bancos. Ensaiou uma lição de moral aos dirigentes dos países em crise, alegando que confiança é o maior balizador de um mercado que funciona e que ela é construída no longo prazo e com a continuidade de políticas firmes de regulação e incentivos. Enfim, era o supremo líder comunista, dando lições ao mundo capitalista de como se desenvolvem mercados com segurança e benefícios para todos.

Ora, em um momento em que até os liberais fundamentalistas cedem à intervenção do Estado na economia, aquela economia com a maior intervenção estatal do planeta vem a público pregar a nova agenda anticrise. Há quem diga que isso na China se tornou possível em função de uma tecnocracia treinada nas melhores universidades do mundo e desenvolvida em uma meritocracia neoconfucionista. Ouvindo este tipo de argumento, depois de participar do debate com os melhores economistas do mundo sobre as responsabilidades governamentais na crise, chego à conclusão de que o mundo procura governantes à altura da tarefa que se tem pela frente.

Não parecem existir muitos no momento, mas a era Obama poderá trazer novidades.
Fonte: Blog Desemprego Zero.

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