sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

CAPITALISMO - Imoral e ineficiente.

Agora descobrem todos, um pouco tarde, que a imoralidade do sistema capitalista alia-se à sua arrasadora ineficiência.

DIANTE DA maior crise econômica mundial dos tempos modernos, o presidente da França, no fim do ano passado, propôs, como remédio, a `refundação do capitalismo`. Trata-se, ao que parece, de um retorno às origens do sistema, com a correção dos desvios posteriores.

A teoria original do capitalismo, como se sabe, foi elaborada por Adam Smith em fins do século 18.

O pensador escocês concebeu a economia como uma ciência natural, alheia a preceitos morais e normas governamentais. Grande admirador de Newton, não hesitou em utilizar uma analogia astronômica para explicar sua teoria dos preços no mercado.

O preço natural, correspondente ao custo de produção, seria o centro em torno do qual gravitariam os preços de todas as mercadorias, não obstante alguns desvios de órbita temporários.

Entre as mercadorias, Adam Smith incluiu o trabalho subordinado. Ao analisar a escravidão, observou cruamente que o custo de manutenção de um escravo fica inteiramente a cargo do seu proprietário, ao passo que o do trabalhador assalariado é partilhado entre ele próprio e seu patrão. O que conduz logicamente à conclusão -ignorada pelos senhores de escravos no Brasil até o final do século 19- de que a servidão é menos vantajosa que o trabalho assalariado. Como se vê, o raciocínio é puramente contábil.

Sob a influência dos fisiocratas franceses, A. Smith sustentou que só a agricultura produz riqueza. O conjunto dos comerciantes, artesãos e fabricantes, escreveu, constitui `uma classe improdutiva`, sustentada à custa dos proprietários rurais e dos cultivadores. Os banqueiros, ao contrário, exercem a útil função de transformar o `capital morto` (`dead stock`) em capital produtivo (como se acaba de ver...).

Igualmente improdutivos seriam os agentes políticos. São textuais palavras suas: `O soberano, com todos os ministros que o servem, tanto na guerra quanto na paz, o conjunto dos militares, tanto do Exército quanto da Marinha de guerra, são trabalhadores improdutivos. São servos do povo, mantidos por uma parte do produto do trabalho das outras pessoas`.

Por que, então, não extinguir a organização estatal? Adam Smith responde, sem rodeios, que o poder político foi instituído para a garantia da propriedade. Por conseguinte, ele `existe, na verdade, para defender o rico contra o pobre, vale dizer, aqueles que possuem algo contra os que nada têm` (`A Riqueza das Nações`, livro 5, capítulo 1).

Como, então, explicar o funcionamento do sistema econômico?

É pela força do egoísmo racional, responde Adam Smith. `Cada indivíduo forceja continuamente por encontrar o emprego mais vantajoso do capital de que dispõe. É a sua própria vantagem, na verdade, e não a da sociedade, que ele tem em vista` (mesma obra, livro 4, capítulo 2). Mas, apressa-se em acrescentar, a procura da vantagem própria leva o indivíduo, necessariamente, a escolher o emprego de capital que se revela mais vantajoso para a sociedade.

Quer isso dizer que os verdadeiros criadores da riqueza nacional deveriam ser chamados a governar as nações e a formar o futuro governo mundial, igualmente preconizado pelo presidente Sarkozy?

Não foi esse o entendimento do primeiro grande teórico do capitalismo.

Sustentou ele que a injustiça e a violência dos governantes dificilmente admitem um remédio. Mas, aduziu, `a mesquinha rapacidade, o espírito monopolista dos comerciantes e fabricantes, que não são nem devem ser governantes, embora não possam talvez ser corrigidos, podem ser facilmente impedidos de perturbar a tranquilidade alheia` (idem, livro 4, capítulo 3).

Facilmente? Não foi o que vimos nos últimos meses.

Até há pouco, os bem pensantes justificavam as injustiças do capitalismo, pondo em realce a sua imbatível eficiência econômica. Agora, descobrem todos, um pouco tarde, que a imoralidade do sistema alia-se à sua arrasadora ineficiência.

FÁBIO KONDER COMPARATO, 72, é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e autor, entre outras obras, de `Ética - Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno` (Companhia das Letras).
Fonte:AEPET.

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