Alfredo J. Gonçalves
A festa acabou, os holofotes se apagaram, as bandeiras se encolheram, as lágrimas secaram, o povo silenciou e a multidão sumiu... E agora Obama? Tomando de empréstimo o poema de Carlos Drummond de Andrade, essa pergunta é feita hoje pelo cidadão norte-americano que, em proporção inédita, compareceu à festa da tomada de posse; pelas comunidades negra, hispânica e migrante, no desejo de mudanças substanciais; por uma multidão incalculável de pessoas espalhadas por todo o planeta, de olhos voltados à possibilidade de uma inflexão mais positiva na política externa dos Estados Unidos; enfim, por uma série de políticos e analistas, acreditando ou não em relações mais amigáveis com a maior potência do planeta. E agora Obama?
Sobraram as promessas sobre uma economia em crise e com muito mais problemas e perguntas do que soluções e respostas. Sobraram milhares de soldados no Iraque e no Afeganistão, em guerras insanas, desejosos de retornar para casa. Sobrou um peso de anos da era Bush, onde os Estados Unidos, unilateralmente, comandavam as regras do jogo político internacional. Sobraram aspirações, ansiedades e expectativas populares, cuja resolução está muito acima da capacidade de um governo e de um presidente, por mais dinâmico e poderoso que seja. Mas sobrou, sobretudo, um imenso vazio de poder em nível mundial, uma liderança internacional fortemente arranhada pela crise financeira e que agora terá de dividir com outros países as grandes tomadas de decisão.
Os Estados Unidos hoje têm telhado de vidro e pés de barro. Constituem um gigantesco organismo vivo, cuja nudez exposta revela chagas e fissuras por todos os poros. O discurso de posse foi marcado por uma tonalidade fortemente messiânica. Remetendo-se aos fundadores da América, à Bíblia e ao próprio Deus, Obama apresenta os Estados Unidos como a nação que haverá de salvar o mundo, levando a paz, a democracia e a liberdade a todos os povos e nações, incluindo os muçulmanos. A esperança foi a pedra fundamental de suas palavras emocionadas e eletrizantes. Mas essa atitude costuma levantar expectativas de mudanças muito acima da capacidade de realização. A médio e longo prazo, isso pode significar frustração e desencanto. Resta saber como essas palavras irão traduzir-se em ações nos próximos quatro anos! Aliás, seus antecessores não fizeram praticamente o mesmo?
Nos tempos da guerra fria a política internacional adquiriu uma natureza claramente bipolar. Ao redor de dois pólos – EUA e URSS – giravam como planetas os demais países. Depois da queda do muro de Berlim, tal política toma um caráter unipolar, com forte liderança norte-americana. Agora, com a queda do "muro financeiro" da economia mundial, o mundo transita para uma liderança multipolar, tanto do ponto de vista econômico quanto político. Nela, os Estados Unidos pouco mais são do que um parceiro entre outros. Como se comportará Obama neste momento de transição? O que fará para recuperar a liderança de seu país, como insistiu em seu discurso de posse? Entre a pressão interna e externa, qual será sua linha de ação? Há ainda espaço geopolítico para que os Estados Unidos voltem a ser o piloto da nave chamada planeta Terra?
Os mesmos holofotes que antes se concentravam festivamente sobre o presidente aureolado de bandeiras e emoção daqui para frente irão focalizá-lo com olhos críticos. E os cidadãos estadunidenses também. E o mundo inteiro não fará outra coisa. Todos torcem por mudanças no panorama mundial! Convém ter presente que uma sociedade conservadora como a estadunidense não muda do dia para a noite. Os Estados Unidos constituem um elefante, não um tigre. O tigre se move com impressionante versatilidade e rapidez. O paquiderme não! Tem passos lentos, pesados, demora para mudar o rumo de seu trajeto. A burocracia e os interesses dominantes o amarram à tradição. E agora, Obama?
Pe. Alfredo Gonçalves é assessor das pastorais sociais da CNBB.
Fonte: Correio da Cidadania.
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