terça-feira, 17 de março de 2009

ECONOMIA - Da crise de distribuição à distribuição dos custos da crise.

O que podemos aprender com as crises anteriores acerca dos efeitos da crise financeira sobre o emprego e os salários?
por Özlem Onaran [*]

O objectivo deste documento é analisar os canais através dos quais a crise financeira está a afectar a economia real e, em particular, o emprego e os salários. Quando a política pública nos países avançados se concentra em deter o crash do crédito, os efeitos da crise sobre o sector real apenas começam a atrair a atenção dos decisores políticos. Embora haja alguma preocupação acerca dos possíveis efeitos sobre o emprego, as consequências distribucionais e os efeitos dos pacotes de resgate sobre futuras despesas do governo não estão muito na agenda.

Desde a década de 1980, a economia mundial está a ser guiada por políticas económicas neoliberais tais como abertura ao comércio, ao investimento directo estrangeiro e aos fluxos de capital financeiro, assim como o desmantelamento de regulações governamentais nos mercados financeiros, de mercadorias e de trabalho. Estas políticas reduzem o papel das intervenções políticas macroeconómicas com a pretensão de que o capitalismo de livre mercado aumentaria a eficiência, o crescimento e proporcionaria uma distribuição razoável. Contudo, após duas décadas de dominação de políticas neoliberais, o crescimento em média é mais baixo, o problema do desemprego persiste e a distribuição do rendimento está a mudar a expensas do trabalho tanto no Norte como no Sul. O aumento na mobilidade do capital e a estagnação da procura agregada tem sido as forças centrais por trás deste desenvolvimento sincronizado. A estagnação da procura levou a desemprego mais alto e desgastou o poder de negociação do trabalho em relação ao capital. Nesse meio tempo, o aumentou na mobilidade do capital não só contribuiu para este desgaste do poder de negociação do trabalho como também aumentou a fragilidade inerente ao sistema capitalista através da financiarização e especulação agravadas. Isto, a par de duras políticas fiscais e monetárias, e uma diminuição da fatia do trabalho no rendimento, estabeleceu as condições para o círculo vicioso da procura agregada deficiente, baixo crescimento, baixo emprego e uma tendência de crise da economia global. A fragilidade financeira numa economia global desregulamentada e este círculo vicioso têm sido as causas estruturais da actual crise financeira global.

QUEM ARCARÁ COM O FARDO

Este documento analisa os efeitos de crises financeiras sobre a distribuição do rendimento e o equilíbrio das relações de força. Experiências de crises passadas mostram que os episódios de crise intensificam a luta distribucional e a questão de quem arcará com o fardo do ajustamento torna-se parte da luta. A primeira parte do documento será elaborada na base das experiências acerca da influência que antigas crises financeiras tiveram sobre o mercado de trabalho. Quanto a isso, concentrar-nos-emos nas experiências de países em desenvolvimento – Extremo Oriente, Turquia e América Latina. Como caso de país desenvolvido, será discutida também a recessão japonesa da década de 1990.

Analisaremos os efeitos dos choques gerados pelas crises sobre o crescimento, o desemprego, o emprego, salários e fatia do trabalho no rendimento. Apesar de antigas diferenças de políticas, muitos países em desenvolvimento no passado experimentaram resultados semelhantes em consequência de crises financeiras que se seguiram à liberalização de fluxos de capital. Os efeitos das crises nos países em desenvolvimento verificaram-se através de três vias: 1) o declínio no crescimento e portanto na procura de trabalho, 2) o aumento no desemprego e portanto o declínio no poder negocial dos trabalhadores, 3) choques inflacionários durante crises de divisas. Devido à dependência de importações destes países, as crises de divisas, isto é, a depreciação, tem um efeito de transmissão sobre os preços, gerando aumentos dramáticos na inflação. Estes choques são não só inesperados como também são difíceis de os trabalhadores fazerem reflectir nos seus salários devido à sua magnitude.

A resultante nos países em desenvolvimento foi uma deterioração radical no salário real e, consequentemente, na participação do trabalho, o que tem perdurado após as crises. Analogamente, as taxas de desemprego, as quais sobem durante as crises, não têm retornado aos níveis anteriores após as crises. O documento decomporá as origens do declínio da participação dos salários: isto é, mudanças nos salários reais e na produtividade do trabalho, esta última decomposta também em mudanças no valor acrescentado e no emprego. A seguir o documento apresentará estimativas econométricas sobre os efeitos de crises financeiras sobre a fatia do trabalho em dez países em desenvolvimento importantes. O documento discutirá também os mecanismos institucionais do processo de negociação salarial. Durante uma crise, os empregadores pressionam os sindicatos a aceitarem cortes dramáticos nos salários ou afastamentos compulsórios não pagos para evitar perdas de emprego. A crise também cria um efeito histerese que destrói o poder negocial durante um longo período posterior. Diwan (2001) define crises como episódios de lutas pela distribuição, as quais deixam "cicatrizes distribucionais". Os episódios de crise também têm sido extremamente importantes para facilitar uma reestruturação radical em algumas destas economias (exemplo: Coreia do Sul, Turquia), a qual não poderia ser alcançada através de um processo democrático sob circunstâncias económicas normais.

Quais serão os efeitos da actual crise global sobre diferentes países? Precisamos distinguir quatro diferentes grupos de países.

1. Durante esta crise global, muitos países em desenvolvimento com um antigo historial de crises estão mais uma vez a experimentar uma crise conduzida por fluxos de saída do capital especulativo, apesar de diferenças significativas na fragilidade das suas economias. Os especuladores parecem não distinguir entre países como a Coreia do Sul e Argentina, os quais não têm défices significativos de transacções correntes ou têm mesmo excedentes de transacções correntes, e países como a Turquia com um elevado défice de transacções correntes e dependência de fluxos de capital. Enquanto o anterior grupo de países está a sofrer de uma crise que eles não criaram, os países com défices de transacções correntes (como a Turquia e a África do Sul) podem sofrer uma queda mais profunda, devido às fragilidades acumuladas durante o ciclo de boom conduzido pela especulação.

2. Os mercados emergentes da Europa do Leste também estão a ser ameaçados pelo crash do crédito e por fluxos de saída de capitais, e possíveis crises de divisas que acompanham as crises bancárias. Após uma década de reestruturação de elevado crescimento após o choque de transição inicial, estes países mais uma vez enfrentarão os custos de integração em mercados globais não regulados. Para estes países, aprender com a experiência e os erros políticos das crises anteriores é extremamente importante. Também é importante aprender as técnicas de administração de crises da Malásia através de controles de capitais. O grau de desequilíbrios acumulados quanto a défices de transacções correntes, apreciação da taxa de câmbio e endividamento privado, particularmente em divisas estrangeiras, determinará as diferenças na profundidade dos efeitos entre estes países. A Hungria, Bulgária, Sérvia, Croácia, países bálticos, Ucrânia e Rússia estão mais expostos do que a Polónia, República Checa, Eslovénia e Eslováquia. Mas mesmo este último grupo pode sofrer com efeitos de contágio, o arrefecimento na procura global, o declínio nos influxos de IDE e a contracção nas remessas.

3. Outros países em desenvolvimento como a China, Índia e Brasil, embora os efeitos de contágio e o arrefecimento na procura global venham a ser um problema importante, poderiam administrar a crise com base nos seus grandes mercados internos, se eles pudessem elaborar uma política que se distanciasse da pura dependência da orientação para a exportação baseada nos baixos custos do trabalho.

4. Os países desenvolvidos parecem estar a experimentar a crise de um modo diferente dos casos anterior de crises nos países em desenvolvimento, graças à sua capacidade fiscal para se protegerem do choque. O declínio imediato nas taxas de juro, e as linhas de crédito a bancos internos, foram medidas anteriormente negadas pelo FMI aos países em desenvolvimento. Além disso, nos países em desenvolvimento a condicionalidade dos créditos do FMI utilizou as crises para impor novas medidas de liberalização. É interessante observar que países agora desenvolvidos estão mesmo começando a considerar políticas fiscais contra-cíclicas como reacção às crises nos seus próprios países. Contudo, apesar desta administração da crise, os efeitos do crash do crédito, particularmente em países com alto endividamento habitacional (como EUA e Reino Unido), serão significativos. Os efeitos multiplicadores do crash do crédito bem como o declínio no consumo já começaram a afectar investimentos. As expectativas pessimistas ampliarão o declínio tanto do consumo como dos investimentos. Neste ambiente, os efeitos negativos da crise sobre o trabalho actuarão através das vias da procura e do poder negocial. Outras vias adicionais de efeitos negativos serão a dívida habitacional, a qual terá fortes consequências distribucionais para as famílias endividadas. Duas diferentes em relação às crises nos países em desenvolvimento podem ser esperadas: a) a dimensão da recessão inicial pode ser mais moderada, mas uma vez que estamos a enfrentar uma recessão global, a recuperação na actividade económica pode perdurar muito mais tempo, provocando receios acerca de uma recessão de tipo "L", mas muito mais forte do que a experiência japonesa da década de 1990. Portanto os efeitos negativos sobre o mercado de trabalho poderiam ser menos severos a princípio, mas podem persistir e agravar-se a uma taxa crescente. b) Um choque inflacionário muito alto não acompanhará a crise de crédito nos países desenvolvidos, o que moderará os efeitos negativos sobre salários reais. Aumentos dramáticos na inflação no casos dos países em desenvolvimento deveram-se ao colapso de divisas. c) No entanto, no caso de a recessão persistir por mais tempo, a probabilidade do cenário de deflação pode provocr outros grandes riscos para estas economias e o trabalho.

Finalmente, o documento extrairá as implicações políticas. Nesse sentido, uma dimensão de alternativas políticas refere-se a políticas internas respeitantes a: a) a distribuição dos custos da crise, b) política fiscal, programas de emprego e política distribucional para reverter os efeitos negativos da crise sobre a procura, c) organização contra o perigo da extensão dos efeitos da crise e dos pacotes de salvamento sobre a distribuição através dos seus efeitos futuros sobre as despesas sociais, d) o redesenho do sector financeiro, dados os custos maciços de decisões irresponsáveis deste sector. A segunda implicação política refere-se à dimensão global. Os efeitos negativos da globalização não são um destino inevitável, são antes uma resultante das actuais políticas neoliberais. O trabalho no Norte e no Sul (ou no Leste e no Oeste) tem mais denominadores comuns do que actualmente considerado. Há espaço para cooperação internacional, no caso de a falha de coordenação pode ser ultrapassada. Portanto, redefinir as regras do jogo, coordenar o cenário institucional da economia global é a única alternativa para reajustar o campo de jogo ao retorno de condições mais justas para o trabalho. No entanto, criar um consenso entre estes objectivos no Norte bem como no Sul também exige uma política global sistemática sobre a redistribuição internacional e o desenvolvimento. Como ou se o Norte apoiar o Sul no aguentar da actual crise global será também importante a fim de criar sinais positivos para a cooperação global. Isto define novos papéis e tarefas para os sindicatos em cada país, uma vez que eles são agentes políticos que têm o interesse e o potencial para pressionar por uma tal mudança de política a nível global.
[*] Professor Assistente, PDozent Dr., Vienna University of Economics, Institute of Labor Economics.
Wirtschaftsuniversitaet Wien UZA4 VWL9 Room no: D311 Nordbergstr. 15 1090 Vienna, Austria, Tel: +43 1 31336 5937, Fax: +43 1 31336 90 5937, ozlem.onaran@wu-wien.ac.at

O original encontra-se em www.global-labour-university.org . O texto acima é o resumo do documento "From the Crisis of Distribution to the Distribution of the Costs of the Crisis: What Can We Learn from Previous Crises about the Effects of the Financial Crisis on Labor Share?". O documento foi elaborado originalmente para apresentação na Global Labor University Conference, Mumbai, 22-24/Fevereiro/2009. O texto completo está disponível (em PDF) no sítio web do Political Economy Research Institute e da Global Labor University.

Este resumo encontra-se em http://resistir.info/ .

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