quarta-feira, 11 de março de 2009

ELE CAIU DAS NUVENS.

Esse mau caráter tem é que devolver os U$ 10 milhões que o governo brasileiro gastou para que ele pudesse ir ao espaço.
Carlos Dória.

Leandro Fortes

Primeiro astronauta brasileiro, o tenente-coronel Marcos César Pontes, da reserva da Força Aérea Brasileira, saiu de uma viagem espacial para uma polêmica egotrip comercial. Depois de voltar do espaço, em 2006, Pontes montou um esquema de promoção baseado numa estratégia ambiciosa de marketing pessoal. Hoje, mantém duas empresas de promoção e eventos – MP Engenharia e MP Eventos – com as quais vende a si mesmo como o “primeiro e único astronauta profissional de nacionalidade de um país do Hemisfério Sul do planeta, assim como o único astronauta de língua portuguesa”. A marca, contudo, não tem sido de grande valia.

Afastado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) das funções cosmonáuticas, no fim do ano passado, Pontes foi atingido em cheio pela crise econômica mundial. Desempregado, continua a perambular pelo prédio da Nasa, em Houston, nos Estados Unidos, à procura de projetos onde possa atuar como consultor técnico. “A crise mundial tem sido um desafio muito grande nesse ponto, nos últimos meses, quando os projetos foram virtualmente reduzidos a zero”, afirmou à CartaCapital. Enquanto busca, literalmente, outros espaços, o astronauta sonha em viajar em uma nova e improvável missão espacial ou mesmo voltar à FAB, de onde saiu sob crítica de colegas militares e pesquisadores civis.

Em 2006, o astronauta causou constrangimento ao comando da Aeronáutica e, por extensão, ao governo, quando decidiu ir para a reserva e ganhar mais dinheiro com palestras, consultorias técnicas e publicidade. Em um site pessoal, ele se apresenta como “educador, palestrante, escritor, coach, fotógrafo, ativista social, artista, empresário, astronauta, engenheiro, piloto, pesquisador, consultor e militar”. Pela página da internet, pode-se pedir fotos autografadas e contratá-lo como articulista, escritor, consultor ou garoto-propaganda.

Pontes teve uma carreira militar brilhante, iniciada como piloto da FAB e consolidada como engenheiro graduado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), considerada a mais importante e rigorosa instituição do gênero no País. Não à toa, foi escolhido para o duro treinamento nos Estados Unidos. Ainda assim, teve a imagem associada ao desperdício de dinheiro público. Em 2006, a Missão Centenário (assim denominada, pela AEB, em homenagem aos cem anos do voo do 14-Bis, de Alberto Santos-Dumont) durou oito dias e custou 10 milhões de dólares aos cofres públicos. Foi o preço cobrado pelo governo da Rússia para lançá-lo, de uma base no Cazaquistão, ao lado de dois outros cosmonautas, um russo e um americano.

A viagem estava condicionada, inicialmente, à participação do Brasil na construção da Estação Espacial Internacional (em inglês, ISS). Os cientistas brasileiros tinham esperanças de ter uma participação mínima no empreendimento. Mas o País acabou excluído do projeto por não entregar seis peças, no valor de 120 milhões de reais, prometidas, em 1997, ao consórcio formado por Estados Unidos, União Europeia, Rússia, Canadá e Japão. Graças a essa quebra de confiança, em 2008, no aniversário de dez anos da estação, o Brasil nem sequer foi citado na nota comemorativa divulgada pela Nasa, a agência espacial americana, na qual, aliás, Pontes ainda trabalhava.

A surpreendente passagem do astronauta para a reserva foi interpretada, dentro e fora da FAB, como um ato de traição. O status de primeiro astronauta do Brasil era um bilhete premiado para o generalato. Mas um brigadeiro-do-ar ganha 7,7 mil reais por mês. Como consultor e palestrante (ou coach, como ele se apresenta), essa renda mensal tem potencial para até quadruplicar. Quer dizer, tinha. Tanto que Pontes, apesar da aposentadoria integral de tenente-coronel (6,9 mil reais mensais), pensa em voltar para a caserna. Mas seria preciso o comando da FAB fazer uma improvável ginástica legal.

“Eu só poderia ser promovido a brigadeiro por meio da criação de uma exceção no regulamento”, afirma Marcos Pontes, em e-mail enviado à CartaCapital, com cópias para o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Ganem, e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito.

De fato, por ter exercido a função de astronauta, em Houston, desde 1998, Pontes ficou impedido de fazer os cursos necessários para a promoção a coronel e, mais adiante, a brigadeiro. “Se, contudo, o comando da Aeronáutica julgasse adequado, justo com o restante da tropa, e necessário para a FAB e o Brasil, que eu fosse promovido a brigadeiro, ele poderia me convocar novamente e me promover ao generalato”, analisa o astronauta. “Neste caso, eu, que já sonhei muito em ter as estrelas de brigadeiro-do-ar nos ombros, aceitaria com todo o prazer do mundo”, anota, sem cerimônia.

Não foi assim no passado, quando a fama repentina levou o astronauta a vislumbrar voos pessoais mais altos. Pontes esperou apenas dois meses após o regresso da viagem espacial para pedir as contas na FAB. De imediato, anunciou a possibilidade de trabalhar para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a fim de incrementar o setor aeroespacial no Brasil. Mas se dedicou mesmo a fazer palestras sobre superação pessoal e a participar de programas de auditório. Gosta de falar, também, dos significados da Missão Centenário, na qual levou uma bandeira brasileira, um chapéu e um lenço de Santos-Dumont. Durante a viagem, costumava colocá-los a flutuar enquanto dava entrevistas, ao vivo, de dentro da nave Soyuz.

À revista, o astronauta tentou justificar o pedido precoce de aposentadoria, mas logo acusou “parte inferior da imprensa brasileira” de incutir nele a pecha de oportunista. O militar alega ter passado à reserva para, na verdade, continuar na função civil de astronauta, fato corriqueiro no mundo desenvolvido, segundo ele. Seria uma alegação lógica, não fosse o fato de ele ter recebido o soldo militar – primeiro, de major, depois, de tenente-coronel – regularmente, como oficial da ativa, entre 1998 e 2006, período do treinamento realizado na Nasa e, mais adiante, pouco antes de embarcar na Soyuz, na Rússia.

A atuação de Pontes nos Estados Unidos, em nome da AEB, era apenas institucional, não remunerada e sem ligação trabalhista formal. Entre as atividades atribuídas a si e listadas no site www.marcospontes.net, o astronauta se coloca, ainda hoje, como “consultor técnico” da agência “para o extinto programa da participação brasileira na ISS”. Um emprego, no mínimo, diferente: consultor de um programa extinto. Até ser dispensado, em 2008, ele estava lotado no sexto andar do prédio da Nasa, destinado a astronautas sem missão. Depois, passava o dia em reuniões e telefonemas, sem nenhuma atividade de treinamento. Justamente aquelas, de natureza civil, nas quais se baseou para se aposentar, aos 43 anos, sem esboçar nenhuma retribuição científica efetiva do investimento público na Missão Centenário.

Afetado pela crise internacional, Pontes lembrou-se da terra natal. “Minhas atividades estão sendo todas focadas no Brasil”, conta o astronauta desempregado. Afirma estar preocupado, agora, com o desenvolvimento de recursos humanos no País e diz trabalhar na preparação de um curso de engenharia aeroespacial. Mas promete jogar tudo para o ar se for chamado outra vez para singrar o espaço. “Se a AEB decidir criar outra missão espacial brasileira e me escalar, o treinamento passará a ser novamente a minha atividade primária, ficando todas as outras em stand by”, anuncia.
Fonte: Carta Capital.

Nenhum comentário: