quarta-feira, 18 de março de 2009

A FUGA COMO CASTIGO

Sergio Ramírez
Tarragona, Espanha

Em um condado de Ohio, Champaign, no interior dos Estados Unidos, uma severa juíza condenou um rapaz a pagar uma multa de 150 dólares por ouvir os seus artistas preferidos de rap em um volume muito alto, enquanto dirigia pelas ruas da cidade. O carro é daqueles preparados com baterias de buzinas estereofônicas, que por onde passam deixam uma esteira de som ensurdecedor, como se fosse uma discoteca ambulante que distribui de lado a lado da rua, de porta em porta, doses estridentes de ritmos sincopados e intermináveis ladainhas como rezas a plenos pulmões, que perturbam o ouvido de forma macabra.

No entanto, a sentença incluía uma concessão da senhora juíza: se o rapaz aceitasse ouvir 20 horas de música dos grandes maestros, Bach, Händel, Mozart, Beethoven, Schubert, Wagner, a multa seria reduzida a 10 por cento do seu valor original, a apenas 15 dólares. O rapaz, pressionado pela má sorte de ter violado as leis que proíbem o abuso dos ouvidos alheios, aceitou, constrangido, a oportunidade que recebia de saldar de forma pouco usual o seu delito. Então, tendo o réu manifestado estar de acordo, a juíza, que ao parecer também é apaixonada por música, elaborou o repertório de composições destinadas ao castigo auditivo, e enviou um delegado à biblioteca pública para buscar os CDs selecionados.

Do alto da sua autoridade de administradora da justiça, agiu como uma mãe de família, amantíssima, porém intransigente, que julga saber muito bem o que o seu filho necessita como corretivo; ou como uma velha professora primária, que sabe escolher do seu catálogo pedagógico as medidas repressivas apropriadas, capazes de endireitar o caráter quando ainda há tempo. Dessa forma, a lista de compositores que forneceu ao transgressor, para o seu bem, estava destinada a purgar os seus gostos, como se fosse um laxante que faria com que as suas tripas ficassem transparentes.

A magistrada do meu relato chama-se Susan Fornof-Lippencott, e deve ter uns 60 anos, e o condenado uns 24 e se chama Andrew Vactor, ambos os nomes complexos, adequados para um romance de Vladimir Nabokov. Vactor, resignado a cumprir a pena alternativa para livrar o seu bolso das conseqüências dos seus atos, foi posto sob estrita vigilância do fiador designado pela juíza, que, com base em um prévio juramento, se comprometeu a fazer cumprir fielmente o castigo imposto, nem um minuto a menos.

Foi programado um horário de execuções musicais ao longo de uma semana, uma média de três horas por dia, para uma pena de 20 horas. Não sei se foram programados intervalos entre as sessões. Assim, com tudo registrado nos respectivos autos judiciais, o condenado sentou-se frente ao aparelho de som, instalado em uma sala do tribunal, disposto a começar a primeira sessão do seu castigo. Suponho que não foi acorrentado, como os condenados à cadeira elétrica. Temos que reconhecer que a piedosa juíza não lhe impôs os mesmos escandalosos decibéis com que Vactor agredia os pacíficos vizinhos de Champaign, e decretou que a sessão fosse administrada em volume mais suave. Sempre há algo de piedoso nas condenações mais severas por parte de quem as aplica no sentido da retidão e da boa justiça, esse era o caso da senhora Fornof-Lippencott, como sabemos, mãe e professora, enfim.

Primeiro, Johann Sebastian Bach. Tocata e Fuga em ré menor. No final, muito no final do programa, estava o Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner; mas pensar naquela meta, naquele momento, seria ir muito longe. Para completar uma maratona é necessário correr 42 km e 195 m, e Vactor apenas estava se colocando, sozinho, na reta de partida. O fiador judicial colocou o disco no aparelho, o que fazia parte das suas obrigações legais, e a sala se encheu com os insistentes acordes da harmonia, uma cachoeira fantasmagórica que parecia cair pelas paredes em incessantes cortinas, água sonora desbordada que começava a inundar o recinto. No início, Vactor pareceu sereno. Mas em menos de três minutos começou a mexer-se na dura cadeira e, de repente, pareceu sufocado por aquela enchente que entrava pelos seus ouvidos, e também pelo nariz e pela boca, no seu rosto via-se a angústia do afogado. E aconteceu o que tinha que acontecer. Não fugiu, pressionando pelas Fugas, mas voltou a se apresentar perante a juíza e pagou a multa completa, desperdiçando, dessa forma, a grande oportunidade que tinha recebido de compensar o dano sofrido pela paz social e, ao mesmo tempo, educar o seu gosto musical.

Apesar do caráter pedagógico que a senhor juíza Fornof-Lippencott, da primeira vara do condado de Champaign, quis dar a sua sentença, resta a dúvida de se essa sentença não era punitiva por natureza, e apenas pretendia equilibrar as cargas, como se dizia antigamente com a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente - obrigar o arruaceiro a ouvir aquilo de que não gosta, assim como ele tinha imposto o seu gosto aos outros. O rap, que um dia, talvez, soará impressionante e majestoso aos ouvidos de outros séculos, tal como as Fugas de Bach, impressionantes e majestosas como cachoeiras infinitas soam na harmonia colossal das catedrais.
Fonte:Terra Magazine.

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