quinta-feira, 12 de março de 2009

OS SÓIS DO INFERNO E A MÚSICA DE BACH

Mauro Santayana

Pequeno país asiático, de economia precária, submetido a uma caricata dinastia que se identifica como marxista – em irritante contradição com as ideias do filósofo de Trier – a Coréia do Norte assusta os norte-americanos e alguns vizinhos com suas experiências nucleares. Ninguém lhe pode negar o direito de buscar a mais poderosa das armas para a defesa de sua autonomia. É também senhor do mesmo direito o Irã, que realiza experiências, não obstante as pressões externas. Todos os Estados estão autorizados a pesquisar e a desenvolver os conhecimentos obtidos no campo da energia nuclear, como em qualquer outro setor da ciência, e também a produzir suas bombas. São muitos os benefícios obtidos pelo conhecimento da física atômica (que se desenvolvia à margem da guerra), na medicina, na engenharia, nas comunicações, na exploração do espaço, mas os grandes monopolizam o saber nesse campo e em todos os outros, a fim de manter o condomínio do poder sobre o mundo.

A vida seria mais segura, e menos angustiante, sem a explosão daquela madrugada de 16 de julho de 1945, em Alamogordo, no Novo México. Às 5h30 da manhã, no local deserto a que deram o nome de Trinity, o sol do inferno brilhou por alguns segundos e nos abriu a senda do pavor. Na véspera, na excitante e angustiosa expectativa, sabendo que desafiavam o Absoluto, os físicos aguardavam o parto do monstro. Enrico Fermi apostou se o incêndio da atmosfera destruiria só o Novo México ou acabaria com o mundo. Quando todos se acomodavam, dentro das trincheiras espessas de concreto, Oppenheimer desabafou com o militar a seu lado: `Meu Deus, como essas coisas fazem mal ao coração!`.

Em 16 de julho de 1945, a bomba não era mais necessária. Einstein a propusera a Roosevelt porque soubera que os alemães estavam próximos do segredo. Naquele dia de julho, de verão no Hemisfério Norte, os representantes dos três grandes vencedores da guerra na Europa – Stalin, Truman e Churchill – decidiam sobre o futuro do continente no castelo de Cecilienhof, em Potsdam – a poucos quilômetros de Berlim, onde ainda se podia sentir o fedor dos cadáveres. Era madrugada no Novo México, mas em Potsdam os senhores do mundo iniciavam nova reunião, depois do intervalo do almoço. Só à noite um telegrama secreto levou a notícia a Truman, que a recebeu exultante. Não havia mais o que fazer com a bomba, a não ser usá-la contra o Japão, que já enviara a Moscou sinais de rendição. Mas, se Washington a tinha, por que não mostrar ao mundo – principalmente a Moscou – a sua superioridade? Stalin, quando soube, não demonstrou qualquer sentimento: em sua visão estratégica, o que assegura a vitória é o pé do soldado ocupante – e soldados para ocupar a Europa ele os tinha. Não obstante, tratou de fazer logo a sua. Os outros vieram em seguida: Inglaterra, França, China, Israel, Paquistão e Índia. A frenética construção dos artefatos nucleares e dos foguetes-vetores fez com que se acumulasse nos silos atômicos potencial várias vezes superior ao suficiente para eliminar a vida na Terra.

Os japoneses foram vítimas da arrogância de Truman e do sonho imperialista de seus dirigentes. Na verdade, ao atingir Hiroxima, em 6 de agosto – 21 dias depois da experiência de Alamogordo – o alvo do Enola Gay era a União Soviética. Meses depois, em março de 1946, os americanos prosseguiram suas experiências no atol de Bikini, no norte do Pacífico. Ao ver o filme sobre a primeira explosão, o historiador Giorgio Santillana a descreveria como o nascimento de Afrodite, tal a alucinadora beleza de um sol nascendo na superfície do mar.

O que podem fazer os grandes do mundo contra os pequenos que buscam armar-se? Destruí-los antes, como pretende outro pequeno, o Estado de Israel, com sua cruzada contra o Irã? Não parece provável. A atual crise – de que a economia é manifestação menor – está nos mostrando que o tempo dos impérios está em declínio. Talvez essa seja a grande oportunidade que a história concede aos homens, a fim de que se entendam, preservem o planeta e encontrem, enfim, a paz sempre desejada e sempre negada. Muitos anos depois, Oppenheimer diria que, `em um sentido rude, que nenhuma vulgaridade, humor ou exagero podem apagar, os físicos pecaram`.

Será uma pena se não houver, dentro de certo tempo – não sabemos quanto – ouvidos para uma tocata de Bach, olhos para uma tela de Da Vinci e uma escultura de Michelangelo. Se não houver olhos que sorriam em direção a outros olhos.
Fonte:JB

Nenhum comentário: