Marina Silva
De Brasília (DF)
Li numa publicação da Pro Teste, a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, que o registro mais antigo relacionado aos direitos dos consumidores está num dos escritos de Platão, onde ele diz que os comerciantes não deveriam deixar Atenas durante setenta dias após terem vendido suas mercadorias, para que os compradores tivessem a oportunidade de se queixar de possíveis defeitos encontrados.
Isso foi no século IV a.C, quando viveu Platão. Hoje, no século 21 d.C, ainda se trava um embate diário para esses direitos serem reconhecidos, mesmo tendo crescido enormemente a organização dos consumidores e o espaço de acolhimento de suas demandas nas leis e nas instituições.
Temos até mesmo o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, comemorado em 15 de março, numa referência à data do discurso feito pelo então presidente John Kennedy ao Congresso americano, em 1962, no qual criticou o fato de "o mais importante grupo econômico" (o dos consumidores, composto de todas as pessoas) não ser ouvido e propôs quatro direitos fundamentais: o direito à segurança contra a comercialização de produtos perigosos à saúde e à vida; o direito à informação sobre o produto e seu uso; o direito à escolha, pela concorrência e contra os monopólios; e o direito a ser ouvido, inclusive na elaboração de políticas governamentais e de regras para o comércio e serviços.
Mas, como a experiência de cada um de nós demonstra fartamente, a luta dos consumidores por esses direitos deve ser incessante, até porque a oferta é altamente dinâmica e muitas vezes de difícil enquadramento nas normas vigentes, pela introdução de novos materiais, processos e serviços. E, principalmente, ainda é dominante a mentalidade, por parte dos fornecedores, de que obter vantagens indevidas do consumidor, ou não informá-lo a respeito de características potencialmente indesejáveis do produto, faz parte do negócio.
As organizações dedicadas à defesa do consumidor têm crescido, se especializado, e muitas delas são verdadeiros exemplos de ação independente da sociedade. O que falta é maior engajamento da população na defesa dos seus direitos, pois muitas vezes a atitude de "deixar pra lá" pode levar a sérios prejuízos pessoais e coletivos, sobretudo quando colocam sob risco a saúde pública.
Dois aspectos dos direitos dos consumidores, a escolha e a informação, são particularmente importantes e interligados. Eles estão na base de uma polêmica que se arrasta há tempos no Brasil: a rotulagem dos produtos transgênicos.
Segundo o professor Luiz Eduardo Carvalho, da UFRJ, especialista em Tecnologia de Alimentos, "a rotulagem de um alimento, os critérios para decisão de um consumidor, não são unicamente de natureza toxicológica, ou sequer unicamente nutricional." Escolher alimentos, ele diz, é uma opção cultural e mesmo uma atitude política. E é um direito legítimo e legal do consumidor: "Um consumidor pode simplesmente não querer comer "transgênicos", ou alimentos derivados de "transgênicos", por uma questão ideológica. E esse direito vai ser viabilizado pela adoção de uma rotulagem visível, objetiva e inteligível."
A rotulagem, de maneira geral, preserva o direito a ter uma fonte de informação não vinculada à propaganda, para exercer o seu direito de escolha. O que cada um fará com essa informação dependerá de inúmeras variáveis, desde questões culturais, religiosas até nutricionais ou de risco a saúde específicos, no caso de grupos sociais que devem seguir restrições alimentares, a exemplo dos diabéticos ou fenilcetonúricos. No caso dos transgênicos, entra em questão também o princípipo da precaução. Ou seja, quem julgar relevantes os avisos feitos pela ciência sobre prováveis efeitos negativos de alimentos transgênicos à saúde humana e ao meio ambiente, mesmo que não estejam ainda cabalmente comprovados, deve ter respeitado seu direito de não utilizá-los. E a única maneira de assegurá-lo é a informação clara na embalagem dos produtos.
Desde 2003, o Decreto 4680 obriga à informação sobre presença de organismos geneticamente modificados, em alimentos para consumo humano e animal, acima do limite de um por cento do produto.
Em 2004, foram estabelecidos os procedimentos complementares para sua aplicação. Contudo, a falta de fiscalização e a resistência das empresas a informar tem sido uma combinação nefasta, que faz com que o decreto seja acintosamente descumprido. Isso sem falar na burla e na má fé de fabricantes que usam dos mais diversos expedientes para disfarçar, na embalagem do produto, o simbolo (um T maiúsculo em preto, dentro de um triângulo de fundo amarelo) da existência de organismo transgênico.
Essa situação afronta os cidadãos, sejam ou não consumidores conscientes de produtos transgênicos. O que se nega, a todos, é a opção de que Kennedy falava há 47 anos. E o direito a ser respeitado, que Platão pregava há muitos séculos.
Fonte:Terra Magazine.
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