Blog do Argemiro Ferreira
Circulam versões desencontradas, desde o primeiro momento, sobre a posição dos EUA frente ao golpe militar que derrubou e sequestrou o presidente legítimo de Honduras, Manuel (Mel) Zelaya, suspendeu as garantias constitucionais e instalou no poder o oligarca Roberto Micheletti. O presidente Obama foi explícito e enfático na reação inicial, o Departamento de Estado não.
Ambígua desde sua declaração inicial, a secretária Hillary Clinton (foto acima) tenta a mágica duvidosa de transferir ao presidente Oscar Arias, da Costa Rica, uma mediação que deveria caber à OEA. Paralelamente, surgem informações das habituais fontes anônimas do Departamento de Estado para alimentar a alegação golpista que atribui culpa à Venezuela – ou países simpáticos ao presidente Hugo Chávez.
Mais sensato, no entanto, seria revisitar o papel recente de diplomatas herdados pelo governo Obama do antecessor Bush, cuja obsessão pela derrubada de Chávez encorajava golpes – como o de abril de 2002, que depôs o presidente da Venezuela mas foi revertido 48 horas depois pela reação popular. Pois a secretária Hillary ainda mantém bushistas fora de controle em cargos sensíveis.
Um daqueles diplomatas, Thomas A. Shannon (foto à direita), atualmente espera que o Senado confirme seu nome para chefiar a missão dos EUA no Brasil. Mas ainda ocupa o cargo de escalão superior para o qual Bush o nomeou: secretário de Estado assistente para assuntos do hemisfério ocidental. Nele supervisiona, entre outros, o estranho embaixador dos EUA em Honduras, Hugo Llorens, cubano de nascimento (leia AQUI uma violenta crítica aos dois feita pela resistência hondurenha ao golpe).
Os americanos no complô do golpe.
Para substituir Shannon o presidente já indicara (e ainda espera a confirmação do Senado) o chileno de nascimento Arturo Valenzuela (saiba mais sobre ele AQUI), qualificado por sua carreira acadêmica e passagens anteriores (no governo Clinton) pelo Departamento de Estado e Casa Branca (Conselho de Segurança Nacional). O golpe hondurenho atropelou Obama sem Valenzuela, com Shannon em posto chave e Llorens (foto ao lado) em Tegucigalpa, enviado um ano antes por Bush. E vale a pena ler ainda (AQUI) a biografia oficial do adjunto de Llorens, Simon Henshaw, que cursou o National War College (Escola Superior de Guerra) e serviu no setor de assuntos cubanos do Departamento de Estado.
Remanescentes do governo passado, ambos acompanharam na intimidade a marcha do golpe de Honduras. Como relatou o New York Times a 30 de junho (AQUI), eles falaram antes com os chefes militares e líderes da oposição que preparavam o golpe, supostamente para encontrar uma “saída para a crise”. Antes do golpe! Não se sabe o que os dois disseram. Mas depois de o dizerem os golpistas, confiantes, tiraram o presidente da cama, de pijama, e o enfiaram num avião para fora do país.
O cientista político Valenzuela (foto abaixo, à direita), democrata e autor de livros críticos dos golpes militares no continente, apoiaria isso? Dificilmente. Shannon ainda reza pelo catecismo de Bush. E Llorens, subordinado a ele, foi uma das 14 mil crianças mandadas de avião de Cuba para Miami pelos pais entre 1960 e 1962 na infame operação Peter Pan da CIA (muitas delas ficaram marcadas o resto da vida pelo trauma).
Como impor na Casa Branca uma política externa contrária ao golpismo militar na América Latina? Obama até começou bem. Na reunião da OEA em Trinidad ele afirmou seu compromisso com a democracia, declarando-se ainda pronto a aprovar a volta de Cuba à organização – da qual a ilha fora expulsa 50 anos antes pelos EUA (não por falta de democracia, pois votos de dois ou mais ditadores tiveram então de ser comprados com suborno).
Otto Reich e os cubanos de Miami
Shannon e Llorens viveram situação semelhante à atual em 2002, no golpe contra Chávez. Um tratava então de questões andinas (Venezuela entre elas) no Departamento de Estado, como adjunto do secretário assistente Otto Reich, lobista anti-Cuba e padrinho do golpe; o outro cuidava do mesmo assunto no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, junto com Elliot Abrams (do escândalo Irã-Contras).
Como a nomeação de Reich era precária (se fosse submetida ao Senado, teria sido rejeitada devido às travessuras dele também no escândalo Irã-Contras), depois do fracasso do golpe seu cargo de secretário assistente para assuntos hemisféricos ficou para o subordinado Shannon, diplomata de carreira que já fora conselheiro político na embaixada de Caracas. E Llorens seguiria depois para Honduras.
Não se deve personalizar a dupla Shannon-Llorens, pois há outro complicador – o conspícuo NED (National Endowment for Democracy: Dotação Nacional para a Democracia). Essa organização (mais sobre ela AQUI e visite seu site, AQUI) foi criada no governo Reagan, em meio aos banhos de sangue “em defesa da democracia”. Tem o faculdade de injetar dinheiro público (da USAID) e privado na política interna de outros países do hemisfério. Que o diga o piedoso cardeal Oscar Andrés Rodrigues (foto): em troca dos dólares do NED vocifera hoje contra Zelaya e Chávez.
O expediente resultou das dificuldades no Congresso (de maioria democrata) para o presidente Reagan financiar suas aventuras sangrentas, em especial na América Central. A guerra secreta da CIA (que recrutava, vestia e armava os mercenários “contras” para atacar a Nicarágua) a partir do território de Honduras (tudo pago com os lucros da venda clandestina de armas ao Irã) foi o modelo conspícuo.
O vocabulário novo dos golpistas.
O NED ainda sobrevive, paradoxalmente graças a favores aos dois partidos (leia dura crítica a ele e ao IRI AQUI). Através de seu IRI (International Republican Institute – vá ao seu site AQUI), os republicanos – cuja corrupção tem alarmado os EUA – acumulam dinheiro e recorrem a vocabulário orwelliano do tipo “promoção da democracia”, “combate à corrupção”, “boa governança”, etc. O propósito real é patrocinar golpes como o da Venezuela em 2002 e o de Honduras mas há uma nova OEA, atenta (na foto, a argentina Cristina Kirschner com Zelaya na sua sede em Wasshington).
Com abundância de recursos o republicano IRI e o democrata NDI (National Democratic Institute for International Affairs – AQUI) criam ONGs com programas próprios. Como o CIPE (Center for International Private Enterprise), de empresários republicanos; e o ACILS (American Center for International Labor Solidarity), de sindicatos democratas. Com eles infiltram-se metas da política externa dos EUA na sociedade civil de outros países (como fazia a CIA na guerra fria). Desta vez a nova OEA, com o chileno José Miguel Insulza (foto abaixo) à frente, agiu prontamente, mas foi paralisada por uma diplomacia americana minada pela herança sinistra de Bush e cubanos de Miami.
O papel do NED (mais IRI, NDI & penduricalhos) e da USAID ficou fartamente exposto na investigação do Inspetor Geral do Departamento de Estado sobre a ingerência no golpe de 2002 na Venezuela (leia AQUI a íntegra). O erro do relatório foi absolver a-priori a ação – ilegítima por corromper políticos a pretexto de “combater a corrupção” e patrocinar golpes em nome da “democracia” e “boa governança”.
Uma frase que confessa tudo isso foi dita em 1991 pelo notório intelectual de direita Allen Weinstein (mais sobre ele AQUI), um dos fundadores do NED: “Boa parte das coisas que estamos fazendo hoje eram feitas clandestinamente, há 25 anos atrás, pela CIA, Agência Central de Espionagem”. De fato: ontem, a derrubada de governantes eleitos no Irã, Guatemala, etc; hoje, a mesma coisa no Haiti, Venezuela, Honduras – e os que ainda virão se o golpismo ficar impune.
Fonte:Blog do Argemiro.
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