Mais um formado pela Escola dos Ditadores.
Carlos Dória
O general que derrubou o presidente democraticamente eleito de Honduras possui duas graduações pela Escola das Américas do Exército dos EUA [SOA, na sua sigla em inglês], uma instituição que treinou centenas de líderes de golpes de Estado e reconhecidos por abusar dos direitos humanos na América Latina.
A análise é de Linda Cooper e James Hodge, autores de "Disturbing the Peace: The Story of Father Roy Bourgeois and the Movement to Close the School of the Américas" [Perturbando a paz: A história do Pe. Roy Bourgeois e o movimento para fechar a Escola das Américas, em tradução livre]. O texto foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 29-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Gen. Romeo Orlando Vásquez Velásquez , formado pela SOA
O Gen. Romeo Orlando Vásquez Velásquez derrubou o presidente Manuel Zelaya em um golpe de Estado antes do amanhecer no domingo, 28, cercando o palácio presidencial com mais de 200 soldados e tanques e usando gás de pimenta contra a multidão do lado de fora. O presidente foi sequestrado e levado a uma base da Força Aérea antes de voar para a Costa Rica.
A derrubada do presidente foi seguida de um enfrentamento por causa de um controverso referendo sobre a reeleição que deveria ocorrer no dia do golpe.
Os militares se movimentaram rapidamente contra as informações da imprensa, em uma tentativa de parar o fluxo de notícias sobre a expulsão e os protestos que se seguiram.
O padre jesuíta Joe Mulligan forneceu ao National Catholic Reporter uma cópia de um e-mail que recebeu do companheiro jesuíta Pe. Ismael Moreno, diretor da Rádio Progreso, a estação de rádio da ordem em Honduras, sobre as medidas repressivas contra a imprensa.
A rádio estava transmitindo notícias sobre o golpe no domingo pela manhã quando cerca de 25 militares invadiram o prédio e ordenaram que cancelassem sua programação, diz o e-mail. Enquanto os soldados estavam dentro da estação, um grande número de pessoas se reuniu do lado de fora para apoiar os funcionários da rádio. A questão se resolveu aparentemente sem violência, mas a estação ainda não havia retomado suas operações na segunda-feira à noite. Enquanto isso, os protestos cresciam na capital Tegucigalpa, e apoiadores de Zelaya estavam planejando ataques.
Os eventos não causaram surpresa ao padre maryknoll Roy Bourgeois, fundador da SOA Watch, que durante anos tentou fechar a escola militar, o que ocorreu no ano 2000, mas que foi reaberta como Western Hemisphere Institute for Security Cooperation (WHINSEC) [Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança]. "Não estamos surpresos. Vásquez é uma das peças centrais, formado pela SOA", que está mantendo vivo o apelido da instituição, "Escola de Golpes de Estado".
O golpe está inflamando novamente o último esforço dos ativistas da paz norte-americanos para fechar a escola de uma vez por todas. Eric LeCompte, organizador nacional do SOA Watch, disse que há duas partes da legislação norte-americana que estão ganhando apoio.
Uma delas é a o projeto de lei 2567 do senador republicano Jim McGovern, que pede a suspensão das operações na SOA/WHINSEC e a investigação dos manuais de tortura e de abusos de direitos humanos associados à escola.
A segunda é uma emenda ao National Defense Authorization Act for FY 2010, que forçaria a divulgação dos nomes dos graduados da escola, incluindo sua patente, país de origem e os cursos que fizeram.
Enquanto o Departamento de Defesa prometeu transparência ao reabrir a SOA como WHINSEC, LeCompte disse que se recusaram a divulgar os nomes dos instrutores e dos graduados desde 2005 – depois foi revelado que a escola possuía abusadores dos direitos humanos muito conhecidos em suas turmas. Um deles – o salvadorenho Cel. Francisco del Cid Diaz, formado em 2003 – foi citado pela Comissão da Verdade da ONU de 1993 por comandar uma unidade que arrancava pessoas de suas casas e as fuzilava a queima-roupa.
Na semana passada, o Congresso norte-americano aprovou a emenda, mas a medida ainda precisa passar pelo comitê de conferência do Congresso e do Senado antes do final do ano.
Ao derrubar o governo neste domingo, Vásquez Velásquez se une a outros dois hondurenhos graduados pela SOA que depuseram chefes de Estado, os generais Juan Melgar Castro e Policarpo Paz Garcia.
Melgar Castro dirigiu o país de 1975 a 1978, os anos em que dois de seus subordinados na SOA – o Maj. Jose Enrique Chinchilla e o Ten. Benjamin Plata – conduziram uma operação que torturou e executou dois padres, Michael Cypher e Ivan Betancur. Os corpos dos sacerdotes foram jogados em um poço junto com duas mulheres e cinco agricultores que foram cozidos vivos em fornos de pão. O massacre ocorreu na fazenda de Los Horcones, que era de propriedade do pai de Manuel Zelaya, o presidente hondurenho deposto no domingo.
Melgar foi deposto em 1978 pelo colega graduado na SOA Paz Garcia, que o Exército dos EUA colocou na "Galeria da Fama" da SOA dez anos depois. O mandato de Paz Garcia também foi marcado pela brutal repressão militar e pela formação do Batalhão 3-16, um esquadrão da morte que trabalhou muito proximamente à CIA para atingir esquerdistas suspeitos nos anos 80. O comando militar de Paz Garcia era de outro graduado da SOA, o Gen. Gustavo Alvarez Martinez, que dirigiu o Batalhão 3-16 e ordenou a execução do Pe. James Carney, um missionário norte-americano em Honduras.
Os três generais hondurenhos encaixam-se no quadro mais amplo de chefes de golpes de Estado treinados pela escola militar dos EUA, que costumava se vangloriar de quantos graduados da escola haviam se tornado chefes de seus países.
A ostentação, que terminou depois que os caminhos antidemocráticos dos graduados para chegar ao poder se tornaram mais conhecidos, celebrava figuras como:
* O general argentino Leopoldo Galtieri, que chegou ao poder por meio de um sangrento golpe, derrubando outro graduado da SOA, o Gen. Roberto Viola, que conquistou o poder durante a Guerra Suja argentina.
* O ditador guatemalteco Gen. Efrain Rios Montt, que assumiu o poder em um golpe em 1982 e chefiou uma campanha arrasadora contra os índios maias.
* Os ditadores panamenhos Gen. Omar Torrijos, que derrubou o governo civil em um golpe em 1968, e o Gen. Manuel Noriega, que recebeu quatro graduações pela SOA e que dirigiu o país e traficou drogas enquanto esteve associado à CIA.
* O ditador equatoriano Gen. Guillermo Rodriguez, que derrubou o governo civil eleito em 1972.
* Os ditadores bolivianos Gen. Hugo Banzer Suarez, que tomou o poder em um violento golpe em 1971, e o Gen. Guido Vildoso Calderon, que assumiu o poder em 1982.
* O influente general peruano Juan Velasco Alvarado, que, em 1968, derrubou o governo civil eleito.
Para derrubar o presidente hondurenho no domingo, Vásquez Velásquez teve a ajuda de outros graduados da SOA, incluindo o Gen. Luis Javier Prince Suazo, chefe da Força Aérea hondurenha.
Outro graduado por duas vezes na SOA, o general aposentado Daniel López Carballo, contou à CNN que o golpe foi justificado, porque o presidente venezuelano Hugo Chávez poderia estar liderando Honduras por substituição se os militares não tivessem agido.
Gravações mostram que Vásquez Velásquez fez um curso básico de combate armado na SOA em 1976 e outro curso sobre pequenas unidades militares em 1984, enquanto Prince Suazo fez, em 1996, um curso de operações conjuntas.
O presidente Zelaya – que o Congresso hondurenho substituiu no domingo por Roberto Micheletti – era um homem de negócios que se inclinou pela direita ao ser eleito em 2006. Zelaya surpreendeu a muitos quando começou a perder os fortes laços que Honduras tinha com os Estados Unidos, que controlou o país a tal nível que uma vez foi chamado de Estados Unidos de Honduras.
Zelaya contou com um amplo apoio dos pobres e dos líderes de associações, mas atraiu crescentemente a cólera dos poderes que existiam e entrou em conflito com as companhias de petróleo estrangeiras e com a Embaixada norte-americana, quando tentou reduzir o preço do petróleo para os hondurenhos.
Restringido pela lei de quatro anos de mandato, tentou realizar um referendo que perguntaria aos eleitores se queriam mudar a constituição e permitir um segundo mandato presidencial. Zelaya disse que um único mandato torna impossível voltar-se sobre antigas questões de pobreza em um país em que a metade dos residentes vivem com menos de um dólar por dia e que têm muito pouca voz no que se refere às operações do governo.
A controvérsia esquentou quando Zelaya rejeitou uma lei da Suprema Corte que afirmava que o referendo era ilegal. "A corte", disse, "oferece justiça aos ricos, aos poderosos e aos banqueiros, mas só causa problemas para a democracia".
Zelaya também substituiu Vásquez Velásquez como Comandante-em-chefe das Forças Armadas depois que ele se recusou a dar apoio logístico ao referendo.
O golpe recebeu uma ampla condenação de líderes mundiais, e a Organização dos Estados Americanos pediu a reinstalação de Zelaya.
O presidente da Assembléia Geral da ONU, Miguel D'Escoto Brockmann, condenou "categoricamente" o que ele chamou de "ação criminosa do Exército" e pediu que a ONU ache uma forma de restaurar o poder ao presidente.
D'Escoto também pediu que o presidente Obama condene o golpe, indicando que Obama anunciou uma nova política com relação à America Latina na Cúpula das Américas em Trinidad no mês passado. Mas acrescentou: "Muitos estão perguntando agora se esse golpe é parte de uma nova política, já que é bem sabido que o Exército em Honduras tem uma história de total colaboração com os EUA".
Os EUA enviaram sinais confusos sobre o golpe. A secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton, disse que os EUA não estavam insistindo que Zelaya fosse restaurado ao gabinete. Mas depois Obama endureceu sua posição, pedindo seu retorno ao poder. Porém, ele não chegou a pedir sanções nem ameaçou cortar a ajuda norte-americana ao país.
Fonte:IHU
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