Cinco minutos para salvar a Terra. Entrevista com Jean-Pierre Dupuy
Por um catastrofismo esclarecido, escrito há cinco anos, faz dele um profeta da desgraça. E, depois que publicou, este ano, A Marca do Sagrado, viu-se nisso uma defesa do sagrado, “mesmo que a dessacralização do mundo seja irreversível”. Ex-aluno da Escola Politécnica que se tornou filósofo, cristão intelectual e racionalista, Jean-Pierre Dupuy não se deixa facilmente delimitar. É com uma convivialidade impregnada de modéstia que ele conversou conosco por duas horas em seu apartamento em Paris. A conversa girou em torno de duas questões centrais: a espécie humana corre ao encontro de uma catástrofe que ameaça inclusive a sua própria sobrevivência? E como pode escapar dela?
Jean-Pierre Dupuy (1941), matemático e filósofo, encontrou-se, em 1971, com Ivan Illich, cujo pensamento ajudou a difundir na França. Em 1982, funda o CREA (Centro de Pesquisa em Epistemologia Aplicada). É autor de Pour un catastrophisme éclairé [Por um catastrofismo esclarecido] (Seuil, 2002), Retour de Tchernobyl, journal d’un homme en colère [Volta de Tchernobyl, diário de um homem irado] (Seuil, 2006) e La Marque du Sacré [A Marca do Sagrado] (Carnets Nord, 2009), entre outros livros.
Eis a entrevista que Jean-Pierre Dupuy concedeu a Philippe Merlant e que está publicada na revista francesa La Vie, 02-07-2009. A tradução é do Cepat.
Você disse que a catástrofe é iminente. Quais são os sinais mais tangíveis?
Em 1947, cientistas atômicos criaram em Washington um “relógio do apocalipse”, que indica os minutos que nos separam da meia-noite, hora que simbolizaria o fim do mundo. Na época, um pouco depois do lançamento das bombas sobre o Japão, faltavam sete minutos para a meia-noite. A queda do Muro de Berlim, em 1991, recuou o pêndulo para 17 minutos antes da meia-noite. Em seguida, a última mudança de posição, no começo de 2007, o relógio foi adiantado – 5 minutos para a meia-noite. Os cientistas, entre os quais estão o físico inglês Stephen Hawking, justificam seu pessimismo por conta do agravamento da ameaça nuclear (proliferação e terrorismo), mas sobretudo a atribuem à mudança climática. Só eles acreditam em uma possível catástrofe: todos os financistas que eu conheço têm na cabeça um cenário de derrocada total do capitalismo.
Você fala de A catástrofe, mas são antes catástrofeS de naturezas diversas que ameaçam a humanidade...
As manifestações disso são diversas, mas elas formam um sistema. Um exemplo: são evocadas duas ameaças simultâneas, uma tão grave quanto a outra: a mudança climática e a o fim dos recursos fósseis. Ao menor exame da segunda à luz da primeira, muda-se de perspectiva: se quisermos evitar um aquecimento superior a 2,5º C, devemos extrair do subsolo menos de um terço dos recursos fósseis que ainda estão nele enterrados. Vistos sob este ângulo, estes últimos ainda não são raros, mas superabundantes. Quando os olhamos em conjunto, um desses dois problemas não existe mais! Da mesma maneira, o aumento das violências humanas e as ameaças sobre o ambiente são interdependentes. Com efeito, as migrações climáticas vão produzir novos conflitos. Reciprocamente, se nós destruímos a natureza, não é porque nós a odiamos, mas porque nós nos odiamos uns aos outros: a rivalidade entre os homens está na origem das degradações ecológicas. Nós estamos em um círculo.
Em que a presente crise lhe parece apocalíptica?
Eu não emprego o termo apocalipse em seu uso comum, isto é, a extinção da humanidade. Mas antes em seu sentido grego: o retorno final que dá sentido ao relato. O Apocalipse de São João é, por sua vez, traduzido para o inglês por Livro das Revelações. Os Evangelhos nos mostram também o Cristo tentando desmistificar o catastrofismo. Depois de ter predito a destruição do Templo, ele precisa que não saberemos o momento, e dá um único conselho: vigiar. Hoje, estamos confrontados com o mesmo desafio. E a via entre a negação da catástrofe, que nos imobiliza, e o fascínio por ela, que nos confirma na mesma paralisia, é estreita.
Por que não chegamos a acreditar na catástrofe?
Em primeiro lugar, porque nós desfrutamos de um conforto a que esta crença nos obrigaria a renunciar. Em segundo lugar, diante das ameaças ecológica e nuclear, nós não chegamos a ter medo, porque o futuro é muito abstrato para nós: só há “futuros possíveis” entre os quais a humanidade deverá escolher como num supermercado. Enquanto o futuro é possível, ele não nos envia nenhum sinal e não possui o nível de realidade necessário para nos incitar a agir.
Nós somos, então, sociedades em que o medo é onipresente?
Absolutamente. É preciso se perguntar por qual razão o que funciona com o roubo de carteiras não funciona em relação às ameaças ambientais, bem mais graves. Todos nós sabemos que uma catástrofe ecológica maior se perfila, mas nós não acreditamos nisso. Sem dúvida, nós não chegamos a ter medo de alguma coisa quando podemos imaginar soluções: elas existem em relação à mudança climática, mas são tão radicais que preferimos nem vê-las.
Você propõe simular intelectualmente este medo que falta?
Para tornar o futuro mais real, eu proponho adotar o modo do futuro anterior, que tem aqui de genial que dá ao futuro a mesma fixidez que ao passado. Nós nos projetamos num depois de amanhã e, voltando para trás a partir deste ponto fixo, jogamos um olhar retrospectivo sobre a nossa época e podemos agir a partir de lá. É dessa maneira que os profetas da Bíblia enunciam o futuro como uma certeza enquanto deixam lugar ao futuro anterior: Jonas anuncia que Nínive será destruída em 40 dias, mas ele suscita então o arrependimento dos seus habitantes, o que faz Deus voltar atrás. Ao tempo da História, que é linear, eu oponho o tempo do projeto, no qual o passado e o futuro se codeterminam.
Você criticou os desvios da técnica, denunciando a tecnofobia: um outro paradoxo?
Eu penso que a ciência e a técnica devem fazer parte da nossa cultura. E eu fui atacado por alguns antinucleares porque lancei a hipótese, em meu livro sobre Tchernobyl, que os nucleocratas são animados de boas intenções. Mas é a tese de Hannah Arendt: não é preciso ser mal intencionado para fazer o mal. Ao mesmo tempo, eu penso como Illich que a técnica, uma vez ultrapassados alguns umbrais, torna-se um sistema autônomo que escapa a qualquer domínio. As nanotecnologias oferecem um bom exemplo, porque elas nos aproximam desse fantasma, necessariamente fascinante, de fabricar seres que escapam do nosso controle. Eu levo os “transumanistas” a sério, porque eles ocupam postos chaves e têm a chave do cofre: um de seus gurus, William Bainbridge, coordenou durante muito tempo o programa sobre as nanotecnologias da Fundação Nacional de Ciência. Mais que os riscos sanitários ou de controle social das nanobiotecnologias, são seus efeitos metafísicos que eu denuncio: a recusa de distinguir a vida da não-vida.
Você não gosta de raciocinar em termos de “riscos”. Por quê?
Um risco é alguma coisa que se toma e que se assume. Mas quem tomou o “risco” da mudança climática? Da mesma maneira, eu recuso a ideia da responsabilidade frente às gerações futuras: salvo no caso de se tratar de nossos próprios filhos, eu não creio que isso seja um motivo suficiente para agir. Eu proponho inverter o raciocínio, de partir de uma posição egoísta: não é o futuro que tem necessidade de nós, mas nós dele. Caso contrário, o próprio sentido da aventura humana, passado e presente, será perdido.
Quais são os cenários prováveis a partir dessa constatação?
René Girard pensa que há apenas dois cenários possíveis: ou uma conversão geral da humanidade, ou o apocalipse no sentido habitual do termo, isto é, a extinção da humanidade. Querendo ser mais político que ele, eu acredito mais nas estratégias da astúcia. Um dos cenários possíveis é, infelizmente, este que nós chamados, com André Gorz e Ivan Illich desde a metade dos anos 1970, de “ecofascismo”: um regime autoritário que toma com urgência as medidas a serem impostas. Ora, não é necessário garantir a sobrevivência da humanidade a qualquer preço. Nós devemos também salvaguardar seus valores e sua alma.
Você evocou a emergência da humanidade como tema: é uma boa notícia?
É porque sua sobrevivência está em questão que a humanidade chega hoje à consciência de si mesma e de sua unidade. Há momentos de graça, de tomadas de consciência quase instantâneos. Eu acabei de voltar dos Estados Unidos, onde eu passo cada ano três meses em Stanford. Eu estou impressionado com a mudança de modo de vida que se inicia: os executivos começam a tomar o trem para ir a São Francisco, a máquina de lavar-louça acaba de ser classificada como “bem de consumo supérfluo”...
Quais são os caminhos abertos para a humanidade para tentar escapar do pior?
As soluções são necessariamente políticas, no sentido nobre do termo. É preciso, diria Edgar Morin, inventar “uma política de civilização”. Mas, não iremos transformar a política sem transformar a ética, e, em primeiro lugar, a metafísica. O catastrofismo esclarecido não é um programa, mas ele produz uma mudança na nossa relação com o tempo, a natureza, o universo e os outros.
FONTE:IHU
Nenhum comentário:
Postar um comentário