Cesar Fonseca
O que sempre apavorou as elites latino-americanas, ao longo da história, foi a livre manifestação popular. Por isso - na velha linha da carcomida UDN lacerdista, da qual origina-se, por exemplo, o presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney, em plena bancarrota - elas sempre cuidaram de sustentar golpes anti-democráticos ou modelos eleitorais, permanentemente, restritivos, para garantir o nível de acumulação do capital em detrimento do trabalho em terras sul-americanas e centro-americanas. Caso contrário, podendo manifestar-se contra a exploração do capital sobre o trabalho, que impõe privilégios à produção, enquanto trata o consumo como algo marginal, eliminando o real concreto em movimento, que é a equivalência produção-consumo, expresso na máxima de que consumo é produção e produção é consumo, as elites estariam fora do poder há muito tempo.
O golpe das elites udenistas lacerdistas de Honduras contra o presidente constitucionalmente eleito Manuel Zelaya é mais um capítulo dessa triste e horrenda história. História de medo do povo, pelas elites, em sua livre manifestação política, que, consequentemente, leva à organização social politicamente consciente em pleno movimento dialético.
O que aconteceu? Simples. A sociedade, no ambiente da evolução científica e tecnológica, que eleva a capacidade de produção, possibilitando rompimendo definitivo da miséria social, quer melhor distribuição da renda, equivalência produção-consumo.
Como, no ambiente democrático, alcançar tal objetivo? Pela participação, pela organização e pela decisão da maioria em benefício de uma institucionalidade mais abrangente, configurando sistema político-eleitoral capaz de alterar as contradições produzidas pelo desenvolvimento das forças produtivas, amplas, de um lado, e as relações sociais da produção, restritivas, de outro. Implosão histórica.
Roberto Micheletti, presidente do Legislativo de Honduras, o Carlos Lacerda golpista hondurenho, errou o time histórico, ao aliar-se aos militares, para detonar governo constitucional de José Manuel Zelaya, que propôs referendo constitucional para respaldar nova Constituinte, que, entre outras determinações, suprimiria limite para mandatos presidenciais, como ocorre nas democracias européias.
O gorila hondurenho, respaldado pela Corte Suprema de Honduras - vergonha total - sofreu imediata resistência do presidente da OEA, José Miguel Insulza, sob pressão da totalidade dos governos sul-americanos, centro-americanos e norte-americano. A ONU, comandada por Miguel D’Escoto, foi na mesma linha, condenando o golpe.
Haverá banho de sangue, nessa quinta feira, quando Zelaya, acompanhado os membros da OEA, da ONU e dos presidente da Argentina e Equador , Cristina Kirchner e Rafael Correia, desembarcam em Tegucigalpa, para reassumir o poder? Eis o grande drama latino-americano
Papel fundamental da Telesur
As relações sociais da produção, na América do Sul e na América Central, indiscutivelmente, fixaram, sob comando de elites políticas, historicamente, golpistas, condições macroeconômicas, essencialmente, restritivas ao pleno desenvolvimento das forças políticas da sociedade de modo a ampliar o potencial econômico dos países sul-americanos e centroamericanos, ricos em matérias primas, eternos doadores de sangue aos exploradores.
Durante todo o século 20, foi a mesma ladaínha. Getúlio Vargas, em 1954, caiu por que? Por que nacionalizou o petróleo e sinalizou reformas econômicas que romperiam com o domínio das elites que sempre se eternizaram no poder por meio de modelos eleitorais elitistas, reacionários. Perón, na Argentina, idem. Em 1955, o líder peronista, em Bandung, Indonésia - reunião histórica que as elites reacionárias resistem em colocar nos livros de história - , pregou a “Tercera Posicion”, equidistante entre capitalismo e socialismo, no calor da guerra fria, ao mesmo tempo em que implementava política social de ampla redistribuição da renda nacional. Tratava-se de algo inaceitável para Washington, que considerava a América do Sul seu eterno quintal.
Depois da segunda guerra mundial, os Estados Unidos, de posse do dólar saído poderoso do Acordo de Bretton Woods, em 1944, responsável por fixar nova divisão internacional do trabalho, impuseram seu jogo à América do Sul e América Central. Os latinoa-americanos passaram a penar sob as elites golpistas que arregimentaram militares obedientes a Washington, para tentar eternizar o mando político ditatorial, impedindo a democratização da renda nos países latino-americanos.
A deterioração dos termos das relações de troca, imposta pelo dólar, que garantia superavit financeiro nas contas correntes americanas, de modo a compensar deficits comerciais crescentes dos Estados Unidos para com o mundo, tornando-se locomotiva econômica global keynesiana guerreira, favorecia, amplamente, as elites conservadoras, aliadas aos militares golpistas, capacitados nas escolas militares do norte. Bloquearam , a ferro e fogo, a materialização da liberdade de ação econômica e política na América Latina.
Roberto Micheletti, comandando as elites políticas conservadoras hondurenhas, resistentes à renovação institucional, que permitiria o povo de Honduras manifestar-se livremente por mudanças políticas fundamentais, não avaliou bem o novo tempo em que o dólar não é mais aquele de outrora, avalista dos golpistas. O novo tempo coloca em xeque as democracias representativas que Micheletti e asseclas gerenciam, para travar o avanço popular, dominando, principalmente, os meios de comunicação. As novas correlações de forças latino-americanas, no entanto, estão permitindo alterações no quadro midiático.
O exemplo é a Telesur, criada pelo presidente Hugo Chavez, da Venezuela, para tentar fugir do massacre das informações ideológicas comandadas pelo capital americano no seu outrora quintal. Desde o primeiro instante do golpe, Chavez mobilizou os latino-americanos, colocando no ar, 24 horas, a Telesur, agitando. Se isso tivesse ocorrido em outros tempos, certamente, Getúlio e Peron não teriam caído.
Obama descartou golpismo lacerdista
Historicamente, está acabando, com a grande crise global em curso, o tempo em que o dólar punha e dispunha o poder político a qualquer custo na América do Sul e na América Central. A crise joga o poder monetário dolarizado no chão. Deixa, consequentemente, as elites políticas em desespero e desperta nas massas o desejo irreprimível de liberdade de ampla participação, que os modelos de democracia representativa impedem de forma plena, via modelos eleitorais regados por caixas dois, de forma generalizada.
O golpe contra Manuel Zelaya é estertor desesperado dessas elites que não podem mais se agarrar ao dólar. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sem escada, dependurado na brocha dos grandes deficits, que colocam a América em situação que a torna incapaz de continuar sendo o farol econômico do mundo, cuidou, imediatamente, de tirar o seu da reta. Negou-se a fazer o que outrora presidentes americanos fizeram, ou seja, avalizar os golpistas latino-americanos.
Roberto Micheletti e seus aliados momentâneos nos quarteis militares de Honduras tentam resistir aos avanços da história, expressos em materialização do desejo democrático das massas, organizadas, cada vez mais, em movimentos populares, comunitários - responsáveis, falando nisso, pela eleição de Obama. Simplesmente, Micheletti e comparsas tentam voltar ao útero materno. Nem Freud explica mais. Trata-se de cadáver insepulto que a história repele dialeticamente.
O que queria Zelaya? Referendo popular. O povo diria se deseja ou não supressão do limite para mandatos presidenciais. Pe cado mortal para as elites inseguras. Os gorilas reagiram anti-democraticamente, incomodados, adicionalmente, pelo fato novo que domina a cena política latino-americana, que é pulverização de blocos econ^micos no contexto sul-americano e centro-americano, com suas respectivas cargas político ideológicas sujeitas, naturalmente, aos plebiscitos e referendos.
Essa novidade histórica terrível para os reacionários deixam-nos desesperados, sem chão, levando-os à loucura em face da iminência do desalojamento do poder no qual se situam para servir de barreira ao avanço democrático.
Oportunidade perdida
A queda iminente do senador José Sarney(PMDB-AP) se insere nesse contexto latino-americano conservador reagente às mudanças democráticas. Até as moscas que estão rodeando seu gabinete, nesse instante, já sabiam que sua eleição para o Senado não representaria avanço democrático, mas conservação de forças resistentes a uma alteração no modelo eleitoral que condena a democracia representativa brasileira ao baú da história. Se ele, no primeiro momento , colocasse em discussão a superação da conservação reacionária expressa em tal modelo, criaria ambiente para ampla discussão que anularia as forças que estão derrubando-o, ou seja, aquelas mesmas que o levaram a ficar aonde está, à beira do precipício. Sem discurso de ampla renovação das práticas viciadas de um legislativo comprometido com as forças do atraso, Sarney revela-se, como certa vez disse o ex-presidente FHC, “vanguarda do atraso”. Não teve força suficiente para remover os vícios que o estão derrubando, materializado em práticas executadas por personagens que prontificaram em transformar o Congresso no esgoto nacional da corrupção.
Perdeu oportunidade de democratizar o Legislativo, cuja prioridade não é promover as forças produtivas, mas conservar as relações sociais da produção, tão bem expressas no artigo 166, parágrafo terceiro, ítem II, letra b da Constituição, origem maior da governabilidade eternamente provisória sob MPs que domina a cena nacional, na medida em que a prioridade maior do governo é o interesse dos credores e não os da sociedade em sua formação essencialmente antagônica. Tal artigo proibe contigenciamento dos recursos orçamentários destinados ao pagamento dos juros aos banqueiros, mas mantém livre aperto e arrocho sobre os demais setores como educação, saúde, segurança , infra-estrutura etc. Pura neorepública bancocrática, como diz o senador Lauro Campos.
A bancarrota sarneysista é o sinal do fracasso do modelo político cuja contradição exige superação dialética irreversível. Se o presidente Lula, hoje, colocasse em discussão a supressão do limite para mandato presidencial, como colocou Zelaya, correria perigo de sofrer o mesmo golpe, talvez, quem sabe, sendo substituido pelo próprio Sarney, que poderia exercitar, sob modelo eleitoral golpista vigente, o vergonhoso papel que executa , nesse instante, a caricata figura de Roberto Micheletti? Não assinaríamos embaixo essa possibilidade, dada a história cheia de espertezas e oportunismos do titular do Congresso brasileiro, mas o fato é que ele perdeu excelente oportunidade histórica, para desgarrar-se das suas vestes conservadoras, a fim de dar fecho de ouro na sua carreira política, ao não jogar na lata de lixo sua herança udenista-lacerdista-continuista.
Fonte:Prensa Latina.
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