Ricardo Kotscho
Censura no Estadão e o reencontro da turma dos anos 70
São hoje todos senhores e senhoras entre 60 e 70 anos, um pouco mais, um pouco menos, mas as risadas e conversas em voz alta na mesa do restaurante Gigetto, madrugada adentro, mais lembravam uma turma de estudantes se encontrando depois das férias, cada um querendo contar suas histórias.
Um quarto de século depois do fim do regime militar, bem no momento em que o jornal novamente é vítima de censura _ desta vez, por parte do Poder Judiciário, que o proibiu de publicar notícias sobre Fernando Sarney, filho do presidente do Senado _ a turma dos anos 1970 do Estadão se reencontrou na noite desta segunda-feira, sem nenhum motivo, apenas para matar a saudade um do outro.
Éramos uns vinte jornalistas à mesa do velho restaurante da rua Avanhandava, perto da antiga sede do Estadão na Major Quedinho _ todos já com direito à aposentadoria, mas ainda em plena atividade, até porque ninguém consegue sobreviver de INSS.
Nenhum deles trabalha mais no jornal, que estes dias publicou matérias lembrando como foi a resistência à censura do AI-5, quando era perigoso ganhar a vida como jornalista _ nada que se possa comparar com os tempos de plenas liberdades que vivemos agora, em que a decisão isolada de um desembargador de Brasília, amigo de Sarney, resolveu ressuscitar esta praga da censura que parecia sepultada.
Na enfieirada de discursos emocionados, todos eles, até os mais tímidos, falaram do orgulho de ter pertencido àquela equipe, que lhes ensinou não apenas o ofício mas a importância do caráter na formação do jornalista, com ou sem diploma, que os marcou para o resto de suas vidas.
Estavam lá os antigos chefes da redação _ Clóvis Rossi, Ludenbergue Teixeira de Góes e Raul Martins Bastos _, mas a iniciativa do reencontro foi da turma mais jovem, liderada por três moças (na época), num tempo em que mulheres na redação não eram bem vistas pelos donos do jornal.
Das ”três cajazeiras” (como eu as chamava, referência a uma novela de sucesso na época, o “Bem Amado”, que não era eu…), duas delas, Lia Ribeiro Dias e Selma Santa Cruz (junto com o marido, Sergio Motta Mello), são hoje prósperas empresárias na área de comunicação, e outra, Adélia Borges, é uma respeitada curadora de artes plásticas.
O mais curioso destes tempos é que, apesar das proibições, das ameaças, dos censores na redação e nas oficinas, tínhamos toda a liberdade do mundo dada pela direção para fazer o jornal dos nossos sonhos. A gente escrevia e os censores cortavam, cada um na sua.
Havia um inimigo comum, a ditadura militar, que o Estadão ajudou a implantar, e com a qual romperia com a edição do AI-5, o golpe dentro do golpe, em 1968.
Quando os censores foram embora, começaram as divergências entre a redação e a direção e, em meio a uma grande crise em 1977, a maioria de nós deixou o jornal ou foi saído.
Cada um tomou seu rumo na vida, vários deles foram trabalhar no Jornal do Brasil, em Brasília, e eu fui parar na Alemanha, como correspondente do mesmo jornal. Alguns criaram seus próprios veículos, outros mudaram de ramo, e só Reginaldo Leme continua fazendo exatamente a mesma coisa _ a cobertura da Fórmula-1, há décadas na TV Globo.
E nunca mais se formou uma equipe como aquela em nenhuma redação do país. Outro dia, quando lhe contaram quem trabalhava no Estadão naquela época, Roberto Civita, o dono da Editora Abril, tomou um susto. “Todos eles trabalhavam lá juntos? Mas isto era um dream team…“.
Pois eu posso garantir a vocês, modéstia à parte, que era mesmo.
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