Escrito por Luiz Eça
Obama foi aplaudido universalmente quando afirmou desejar os Estados Unidos respeitados pela justiça de suas ações, não temidos pela sua força.
Hillary Clinton, sua Secretária de Estado, não está ligando, muito para esse "statement". Confira.
No Irã, ela está pondo em cheque a proposta presidencial de negociar com bons modos o programa nuclear do país asiático. De cara, disse que isso não iria dar certo. Mas valia a tentativa para convencer os demais países que com os iranianos falar macio não resolvia.
Indo além, ela esclareceu que caso Teerã fosse em frente seria inútil, pois seu governo respaldaria os países das vizinhanças, fornecendo-lhes um "escudo protetor" com os mais poderosos engenhos bélicos. Uma "ameaça" bastante discutível.
É certo que alguns países árabes do Golfo Pérsico, particularmente a Arábia Saudita, não se dão muito bem com o Irã. Mas, nem todos. O Catar, por exemplo, é um firme aliado, até mesmo condenou as sanções impostas pela ONU.
De resto, os países da região alinhados com os Estados Unidos já estão supridos de armamentos no nível dos iranianos. Só não tem um sistema de defesa anti-míssil tão eficiente quanto a Rússia acaba de vender a Teerã.
Haveria ainda um terceiro vizinho a considerar: Israel. Aí o "non sense" seria exagerado, pois esse país, com os 4 bilhões em armas e equipamentos anualmente fornecidos pelos Estados Unidos desde a gestão Bush, mais as 200 bombas atômicas do seu estoque, tem mais condições de ameaçar o Irã do que o contrário.
Completando seus pronunciamentos dirigidos aos aiatolás, Hillary afirmou: "Vocês não têm o direito de possuir o ciclo de enriquecimento e reprocessamento de urânio sob seu controle." Afirmação arrogante e imperial, bem no estilo George Bush.
E acrescentou, ainda, que os Estados Unidos não permitiriam esta audácia nem sob "intensa fiscalização da ONU", embora El Baradei (Premio Nobel da Paz), anterior diretor na área de controle da energia nuclear da ONU, a considere exatamente a melhor solução para a questão.
Ora, o Irã é um país de povo orgulhoso, com uma grande história, tendo sido inclusive o maior império do mundo. Com seu povo, intimidações não pegam bem. Particularmente por parte dos Estados Unidos, de quem tem pesadas queixas. Foi um golpe da CIA que derrubou o governo nacionalista e democrático do "premier" Mossadegh, por ter nacionalizado o petróleo. Mais recentemente, o governo Reagan ajudou militarmente Saddam Hussein na guerra que fez 1 milhão de vítimas, a maioria iranianos. Na ocasião, embora por engano, uma belonave americana abateu um jato comercial do Irã, com quase 300 passageiros.
Natural que as ameaças e imposições da Secretária do Estado deixem os iranianos furiosos, nada propensos a negociar com boa vontade e equilíbrio no prazo-limite de setembro, determinado por Barack Obama (outra imposição, aliás).
Em Honduras, Hillary também está fazendo das suas. O presidente Obama condenou veementemente o golpe e exige a volta do presidente Zelaya.
Mas ele passou a condução do "affair" para Hillary, que, rapidamente, baixou a bola. Enquanto o resto do Continente, inclusive os países da América Central dependentes dos Estados Unidos, chamavam diplomatas de volta, cortavam comunicações, suspendiam relações comerciais e acordos com Honduras, os americanos limitaram-se a suspender uma ajuda militar de 16 milhões de dólares. E como o secretário da OEA, o chileno Insulza, insistia em medidas severas contra o governo golpista, Hillary fez saber à presidenta Bachelet que seu país não apoiaria a reeleição dele.
E continuou em cima do muro, trocando a condenação por "mediação". Sob seu patrocínio, Arias, da Costa Rica, apresentou um plano de paz que, que na verdade entrega a rapadura. Zelaya voltaria ao poder, mas num governo dividido com aqueles que o derrubaram; as eleições seriam um mês antes para não dar tempo à consolidação de um candidato ligado ao presidente. E quanto à nova Constituição? Forget it !
Justamente é nela onde a porca torce o rabo: as forças políticas, econômicas e militares do "establishment"a rejeitam totalmente, não por ensejar a reeleição de Zelaya (não era proposto), mas porque traria novas leis, dando mais poder ao povo, um dos mais pobres das Américas. Claro, o preço a ser pago pelos bons ofícios da Secretária de Estado será a saída de Honduras da ALBA. Melhor dizendo, da zona de influência de Chávez.
O governo interino está negaceando, mas vai concordar com esse acordo. Zelaya voltará emasculado.E os Estados Unidos perderão mais uma chance de serem "respeitados pela justiça de suas ações".
Na fraternal Inglaterra, graças à ação de Hillary, vai acontecer o contrário. Mais uma vez os Estados Unidos farão valer sua posição por serem "temidos pela força."
Depois de passar sete anos preso em Guantánamo e outras instalações americanas, o residente inglês Binyam Mohamed foi finalmente solto. Entrou, então, na justiça inglesa pedindo a publicação de um sumário da CIA ,de posse do governo inglês, provando como ele foi torturado.
Embora os juízes ingleses declarassem que nesse sumário nada havia que pudesse comprometer o trabalho da agência americana, Hillary entrou no circuito, proibindo que fosse revelado. Caso contrário, ameaçou, os Estados Unidos interromperiam totalmente a partilha de informações de inteligência com os ingleses. Portanto, seria muito importante esconder as violências cometidas em Guantánamo, mesmo ao preço de reduzir a eficiência dos serviços de inteligência ingleses.
Na formação do seu secretariado, o objetivo do presidente Obama era conseguir uma união nacional. Ao lado de personalidades de sua escolha pessoal, foram contemplados setores do Partido Democrata menos afinados com ele, lideranças do Partido Republicano e até de Wall Street. No afã de tranqüilizar os conservadores, Obama não nomeou um único membro da ala esquerda para cargos de peso.
Esse partido foi adotado numa área particularmente sensível – a política externa –, onde ele colocou Hillary Clinton na Secretaria de Estado e Robert Gates na Secretaria do Exército, cargo que vinha ocupando no governo Bush.
Estranho, porque a idéia dessas pessoas divergia da proposta geral de conciliação de Obama. Questionado, ele replicou que os dois aceitariam suas orientações, acrescentando: "Eles concordam com o meu pragmatismo sobre o uso do poder".
Gates até que tem sido discreto. Mas Hillary... Continuando assim, deixando a sra.Clinton correr com rédeas soltas, a mudança preconizada por Obama tende a ficar mais na retórica.
Luis Eça é jornalista.
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