segunda-feira, 17 de agosto de 2009

HONDURAS - Sozinhos e cercados em Honduras.

Paramilitares, vestidos em trajes civis e portando armas de guerra, se aproximam da entrada de um povoado do norte de Honduras para exigir que lhes entreguem os supostos militares venezuelanos.

A reportagem é de María Laura Carpineta, publicada no jornal Página/12, 16-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Estão sozinhos e cercados. Os carros da polícia hondurenha e os caminhões do exército dão voltas dia e noite ao redor da comunidade agrícola de Guadalupe Carney. Paramilitares, vestidos em trajes civis e portando armas de guerra, se aproximam da entrada do povoado do norte de Honduras para exigir que lhes entreguem os supostos militares venezuelanos, que, segundo a ditadura, eles escondem. Há algumas semanas, uma missão internacional de direitos humanos visitou as mais de 600 famílias que vivem ali e, nesta semana, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) fará a mesma coisa. "Se ninguém intervir, haverá um massagre com incontáveis perdas de vidas humanas", advertiu a missão em seu relatório.

Na semana do golpe de Estado que derrubou o presidente constitucional Manuel Zelaya, a Câmara de Comércio do departamento de Colón, ao qual Guadalupe Carney pertence, difundiu pelas emissores locais de rádio e de televisão um pronunciamento em que pedia, imediatamente, a intervenção militar da comunidade agrícola. Conforme a missão internacional confirmou, os empresários defendiam que era um "bastião da resistência" ao regime de fato e que devia ser controlado. "Se as autoridades não o fizerem, nós o faremos", foi a ameaça que o relatório, lido na semana passada diante da CIDH, registrou.

Os vizinhos de Guadalupe Carney estão acostumados com as ameaças dos fazendeiros da região e sabem que não são só palavras vazias. A história dessa comunidade campesina, imersa nos montes e nos vales frondosos e desertos do norte hondurenho, é uma história de luta e de mártires. É, como explicou por telefone o dirigente campesino Lorenzo Cruz, a história da inalcançável reforma agrária.

Durante os violentos anos 80, o Estado utilizou esses 5.700 hectares para instalar o Centro Regional de Treinamento Militar, em que as forças norte-americanas preparavam os soldados hondurenhos para combater os grupos guerrilheiros dos países vizinhos, a Frente Sandinista na Nicarágua e o Farabundo Martí em El Salvador.

O campo de treinamento durou apenas alguns anos. O governo hondurenho o fechou e entregou as terras ao Instituto Nacional Agrário para distribuir entre os agricultores da região. Os hectares, ao lado do rio Aguán, são as mais produtivas da região. No ano 2000, 700 agricultores tomaram as terras, ocupadas ilegalmente por proprietários de terra em Trujillo, a capital do departamento de Colón, e as batizaram em honra ao padre Guadalupe Carney, um jesuíta norte-americano que foi assassinado pelos militares em 1983 por liderar o movimento rural.

Algumas famílias proprietárias de terra foram embora, mas outras ficaram para brigar por ela. Mais de uma dezena de agricultores morreram em conflitos com os criadores de gado ao longo dos anos. O mais recente foi na última véspera de Natal. Dois homens invadiram a rua principal da comunidade, onde centenas de pessoas festejavam e atiraram em dois vizinhos. "Depois disso, o presidente Zelaya mandou o exército para nos proteger", contou Cruz, membro da Central Nacional dos Trabalhadores do Campo. "O presidente nos ajudou muito", lembra.

No ano passado, Zelaya conseguiu que o Congresso nacional aprovasse finalmente a lei de expropriação para os 5.700 hectares e entregou os primeiros títulos de propriedade aos vizinhos da comunidade. Além disso, escolheu-os para os subsídios para desenvolvimento agrário da Alba, o bloco regional liderado por Venezuela e Cuba, ao qual Zelaya aderiu no ano passado. Entregaram-lhes tratores, adubo e sementes, tudo comprado com petrodólares venezuelanos.

"Agora os mesmos militares que estiveram nos cuidando durante seis meses e que conhecem a comunidade dizem que temos soldados e armas venezuelanas escondidos", assegurou Cruz, que, apesar de sua raiva, não perde sua voz doce e calma. "Estamos em um lugar estratégico para os militares, os empresários e os narcotraficantes", acrescentou.

A comunidade está a poucos passos da rodovia que leva ao Porto Castilla. Dali saem os carregamentos de banana da norte-americana Standard Fruit Company e, segundo os sucessivos governos hondurenhos denunciaram, essa é uma das principais rotas do narcotráfico do país. Desde o golpe de Estado, no dia 28 de junho, os vizinhos da comunidade bloquearam essa rota nacional e, consequentemente, o comércio, durante dois ou três dias durante quase todas as semanas.

Podem sair da comunidade, mas só em grupos grandes e, salvo que seja urgente, não de noite. "Colocaram reforços na rodovia, e os carros da polícia passam a toda hora pela entrada da comunidade. Com toda a atenção que as organizações internacionais atraíram não se animaram a entrar, mas nos maltratam constantemente", relatou o dirigente agrícola de 54 anos e pai de 11 filhos.

Cruz fala todos os dias com seus companheiros em Tegucigalpa e espera com ansiedade a visita da Corte Interamericana, mas sabe que apesar de sua solidariedade eles estão sozinhos, nas lonjuras dos vales do norte, sem governo nem justiça aos quais recorrer.
Fonte:IHU

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