Nos anos 60 se chamou Laso (Operação Latino Americana de Segurança, sigla em inglês) o que hoje é o Plano Colômbia.
Javier Darío Restrepo
Interpress Service
Nos anos 60 se chamou Laso (Operação Latino Americana de Segurança, sigla em inglês) o que hoje é o Plano Colômbia. Era então uma forma de extirpar, como uma erva daninha, o comunismo; hoje, trata-se de combater o narcotráfico e, como efeito colateral, golpear a guerrilha colombiana.
Ontem ou hoje, são os interessas dos Estados Unidos que estão em jogo, ainda que as baixas se limitem ao território colombiano, seja no combate aos comunistas, aos guerrilheiros, aos narcotraficantes ou a todos eles juntos.
Em maio de 1964, os jornais fizeram soar a campainha de "urgente" com a notícia de um grupo de assessores de táticas especiais do Exército estadunidense enviados por Washington para a Colômbia, "a fim de instruir soldados e policiais colombianos em técnicas anti-guerrilha". Era parte de uma campanha iniciada pelo presidente Alberto Lleras Camargo (1945-1946 e1958-1962) e continuada pelo seu sucessor Guillermo León Valencia (1962-1966). Um dos aspectos dessa tática contra-insurgente foi "uma guerra psicológica entre os camponeses para obter deles informações sobre esconderijos dos delinquentes", informava uma nota da agência UPI.
As táticas utilizadas em 6 de junho de 1964 no ataque a Marquetalia, um ignorado povoado de camponeses no centro da Colômbia, não deixaram dúvida sobre o ensino e os professores militares que, a mando do coronel José Joaquín Matallana, iniciaram uma ofensiva com uma chuva de papéis impressos convocando a população civil a lutar contra a ameaça vermelha.
Ao mesmo tempo, de um helicóptero, uma voz amplificada por um poderoso alto-falante repetia chamados, oferecendo apoio ao exército e anunciava aiminente queda dos líderes comunistas estabelecidos na região, que dariam origem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Dias depois começaram os bombardeios e tiros de metralhadoras sobre as serras de Atá e Iquira, onde estariam, supostamente, os guerrilheiros comunistas. Pouco mais tarde apareceram os helicópteros: "Oitocentos homens ocuparam os dois cumes das montanhas e em 55 minutos começaram a dominar as planícies, juntando-se com as tropas que avançavam por terra", recorda o líder "Jacobo Arenas", fundador das FARC.
Foram táticas similares às da Guerra de Vietnã (1964-1975), coordenadas a partir de Neiva, a capital departamental mais próxima, pelos assessores militares dos Estados Unidos que já operavam em território colombiano. Segundo o então ex-presidente Lleras, era una ajuda necessária para o país, dada a deficiente preparação das forças nacionais e a magnitude da ameaça comunista. Hoje, a Colômbia é o terceiro país, depois de Israel e Egito, que recebe maior ajuda militar dos Estados Unidos.
Com objetivo de diminuir a importância da decisão de permitir a operação dos Estados Unidos em três ou cinco bases militares - a quantidade não está clara - os porta-vozes oficiais disseram este mês que não se trata de uma continuação do Plano Colômbia, financiado por Washington desde 2000 para combater o narcotráfico e a guerrilha, o que é parcialmente verdade.
Ao longo dos últimos 50 anos a presença militar dos Estados Unidos no país tem assumido distintas formas e fases que se sucederam sem interrupção.
Do batalhão da Colômbia na Coreia
Depois da participação do Batalhão Colômbia na Guerra de Coreia (1950-1953), o compromisso colombiano na luta contra o comunismo foi irreversível. Os governos e o Exército se viram na missão de defender o continente, tudo com apoio dos Estados Unidos, até que um novo perigo apareceu: o narcotráfico, e com a mesma obstinação, iniciaram a guerra contra os grandes cartéis. A Colômbia tornou-se ainda mais um objetivo militar dos EUA quando diversos fatos se confluíram.
Um deles foi o memorando Bourne, nome do conselheiro especial do presidente Jimmy Carter (1977-1981), Peter Bourne, que apontou relações do mandatário eleito colombiano Julio César Turbay (1978-1982) com grupos de narcotraficantes. A revista de esquerda Alternativa apresentou Turbay com a aparência de chefe mafioso.
A influente revista estadunidense Esquire foi mais concreta: segundo o artigo, o contrabando de maconha havia chegado aos altos funcionários de Colômbia. Ao mesmo tempo se soube que os Estados Unidos, graças a investigações de inteligência da Operação Stopgap, confiscava em alto mar embarcações colombianas carregadas de maconha.
A isso se agregou a pressão de Carter e do então administrador da agência antidrogas dos Estados Unidos (DEA), Peter Bensinger, que em nome da "segurança nacional" da Colômbia, colocaram a necessidade de uma ação militar para enfrentar o narcotráfico.
A presença militar, policial ou legal dos Estados Unidos tem sido constantemente um motivo para que o exército colombiano se envolva na luta antidrogas. Também se manifestou nas campanhas para a erradicação de cultivos de coca e papoula com pulverização aérea de químicos e no combate, por todos os meios, dos prejuízos nacionalistas contra a extradição de colombianos para ser jugados nos Estados Unidos, até chegar a cifra recorde de 800 extraditados no atual governo de Álvaro Uribe.
Em outros momentos, a presença militar estadunidense teve a ver com a instalação de radares para vigiar o voo de naves com transportes de narcóticos. Isso oficialmente, na prática, o objetivo era controlar o espaço aéreo de um local geopoliticamente estratégico.
As ações diretas
A essas formas de influência se somam distintas operações, como as manobras militares com que a armada e a aviação dos Estados Unidos se fazem presentes também em outros lugares do mundo, vigilância constante. Ao presidente Virgílio Barco (1986-1990) lhe foi dada a tarefa de desautorizar uma patrulha marítima que incluía a mobilização dos porta-aviões "John F. Kennedy" e da fragata "Virginia" para uma operação antinarcóticos.
O então secretário (ministro) de Defesa, Richard Cheney declarou o combate às drogas "missão prioritária de segurança nacional", e o fiscal geral Dick Thornburgh apontou que os Estados Unidos estavam dispostos a enviar tropas a Colômbia, si o governo de Barco solicitasse.
O jornal El Espectador informou no dia 10 de fevereiro de 1989 que a Agência Central de Inteligencia (CIA) criaria comandos especializados antidrogas. Ainda pior, o ex-fiscal de Los Angeles, Vincent Bugliosi, escreveu: "A invasão não só é um direito como um dever porque o narcotráfico ameaça a soberania dos Estados Unidos". O presidente da Câmara de Representantes Newt Gingrich, reiterou a ideia: "é hora de mirar em alternativas como a invasão desses países".
A Colômbia "é um dos principais perigos para nossa segurança", disse o diretor da Oficina de Política Nacional de Controle de Drogas, William Bennett.
Diante de todos esses fatos, o escândalo que explodiu anos depois, quando um marine (infantes da Marinha americana) desembarcaram e destruíram uma escola em Juanchaco, uma aldeia de pescadores no oceano Pacífico, foi no mínimo desproporcional. De fato, quando o objetivo deixou de ser combater o tráfico e passou a ser a perseguição de guerrilheiros, a presença militar dos Estados Unidos na Colômbia teve outra conotação. Disse o chanceler Alfredo Vásquez Carrizosa em 1991: "A assistência militar se destina ao combate à guerrilha".
Mais dramática foi a comprovação desse fato quando guerrilheiros das Farc derrubaram, em fevereiro de 2003, um pequeno avião em que mercenários militares estadunidenses vigilavam uma zona da guerrilha. Os três militares foram feitos prisioneiros até a liberação na Operação Jaque do Exército, em julho do ano passado.
A ação militar estadunidense na Colômbia extrapola mais limites do que parece. Pediu imunidades judiciais para seu pessoal, obteve informações que não divulga para mais ninguém, propiciou erros como um bombardeio na Candelária, norte do país, sobre civis, e agora põe em risco as relações deste país com os governos vizinhos.
A reação negativa do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, após a notícia do acesso estadunidense às bases colombianas não recebeu uma resposta convincente com a vaga promessa de seu par Uribe de que somente serão utilizadas para perseguir narcotraficantes e terroristas.
Ao dar seu informe ao Congresso, o presidente colombiano quis ser o tranquilizador sobre a decisão sobre a decisão tomada. O mesmo não ocorre com os vizinhos, nem com os colombianos que têm seguido preocupados com a presença estrangeira no território nacional durante 50 anos.
Fonte:Brasil de Fato.
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