sábado, 15 de agosto de 2009

MÍDIA - É positivo Record expor "relações promíscuas da Globo.

by Nonato Viegas

Globo e Record não deveriam usar o espaço público, que não é delas mas da sociedade, para resolver pendências comerciais e empresariais. Essa é a opinião de Laurindo Leal Filho, doutor em ciências da comunicação e professor da Escola de Comunicação da USP.
A Globo desde que assumiu a liderança nunca sofreu um baque tão grande na audiência, diz Laurindo Leal Filho

A Globo desde que assumiu a liderança nunca sofreu um baque tão grande na audiência, diz Laurindo Leal Filho

Em entrevista a Diego Salmen, do Terra Magazine, Leal Filho diz ver, no entanto, pontos positivos: a exposição de “relações promíscuas” da Rede Globo e evidenciar a defesagem e a falta de legislação para o setor de telecomunicações. Mas mesmo assim, critica: “O que o cidadão em casa tem a ver com a briga entre a empresa Record e a empresa Globo? Ele não tem nada a ver com isso”.

Do TERRA MAGAZINE

TERRA MAGAZINE – Como o senhor avalia o embate entre Globo e Record observado nos últimos dias?
LAURINDO LEAL FILHO – Sem dúvida é uma luta pela audiência. o fato de a Record a cada momento subir mais aceleradamente no Ibope, com resultados que nunca foram obtidos desde o surgimento da Globo. Desde que ela assumiu a liderança, nunca sofreu um abalo de audiência tão grande. Essa, sem dúvida alguma, é a razão central da investida da Globo contra a Record, ampliando e amplificando a manifestação do Ministério Público contra os proprietários da Record. Essa é a realidade. Agora, o problema que me parece mais grave para o Brasil e para o setor de comunicações é o fato de que duas empresas se utilizam do espaço público, já que ambas são concessões públicas, para fazerem trocarem acusações e fazerem ataques em defesas de seus interesses empesariais.

TM – Sim…
LLF – Ou seja: são duas empresas comerciais que se utilizam do espaço público – que não é delas, é da sociedade – para resolver pendências comerciais e empresariais. Isso é absolutamente incompatível com o Estado democrático, onde o espaço público de rádio e televisão tem de ser organizado em função dos interesses da sociedade, e não dos interesses particulares e comerciais de Globo e Record. Esse é o grande problema que não está sendo discutido. O que o cidadão em casa tem a ver com a briga entre a empresa Record e a empresa Globo? Ele não tem nada a ver com isso. Ele tem que receber um serviço público correto de rádio e TV, que atenda aos seus interesses e as suas necessidades.

TM – A Record diz que, por conta do domínio da Globo, o Brasil hoje vive um “monopólio” na TV… Isso é real? Essa disputa não dá sinais de que estejamos caminhando para uma espécie de duopólio?
LLF – É verdade. Se há algo positivo nessa crise, é o fato de o monopólio da Globo estar sendo arranhado. Isso acontece tanto do ponto de vista da audiência… O fato de o reality show A Fazenda estar derrotando a Globo no domingo mostra que o monopólio está abalado. Esse é um fato importante, embora eu acredite que poderia ter sido abalado com outras armas, não com instrumentos semelhantes aos da Globo. O outro aspecto positivo é o fato de que a Record esta colocando no ar, para milhoes de brasileiros, informações sobre a história da Rede Globo que poucas pessoas conheciam. Todos nós na área de comunicação e na Universidade sabíamos desses fatos, mas a grande maioria da população com certeza não sabia quais eram as relações promíscuas que marcaram toda a história da Globo com todos os governos da República. Esse é um fato positivo: colocar para o grande público a história real da Globo.

TM – A Record também acusa a Globo de estar com medo da concorrência; no entanto, em que medida há uma concorrência real? A programação dos dois canais é muito semelhante…
LLF – A concorrência existe. Basta ver os números do Ibope, eles mostram que a Record está roubando a audiência (da Globo). Ela rouba tendo como base a estrutura de programação da TV Globo, mas ela adiciona elementos novos e mais sofisticados até do que os da Globo. Na verdade a Record até aproveita um certo cansaço da fórmula global e dá a ela um novo dinamismo, algumas novas características. Quer dizer: a base é a mesma, mas a Record consegue, em alguns momentos, fazer um produto um pouco mais sofisticado e atraente do que o da Globo.

TM – É um processo “antropofágico”…
LLF – É isso, é isso.

TM – O que se tem no horizonte para equacionar esse problema? Qual seria a vantagem de a Record empatar com a Globo ou até mesmo superá-la na audiência?
LLF – Para o telespectador, nenhuma. Haja vista o que está acontecendo agora na disputa pelo segundo lugar na audiência com a troca de jornalistas entre o SBT e a Record. Para o telespectador continua exatamente a mesma coisa. Essas grandes emissoras têm um temos muito grande em investir em qualquer experimentação, e apostam naquilo em que, com quase plena certeza, dará audiência. Isso é muito ruim para a o cenário da televisão e da cultura brasileira.

TM – Há um conservadorismo enorme…
LLF - Claro, porque são sempre os mesmos padrões, as mesmas fórmulas, e isso acaba inibindo uma grande produção cultural que existe pelo Brasil afora e que não tem canais para se manifestar para todo o público brasileiro. Essa disputa, para o telespectador, não traz nenhum benefício.

TM – E por que o governo não consegue fazer valer a concessão pública às emissoras de TV como algo público de fato?
LLF – Porque todos os governos têm temor de mexer com a comunicação, especialmente a comunicação eletrônica. E, infelizmente, nós não temos no Brasil uma legislação que dê conta da situação atual. Basta ver que a lei que regula a rádiodifusão é de 1982, e continua em vigor. Essa área vira uma selva, uma terra de ninguém. Seria absolutamente impossível ocorrer esta guerra pública nos telejornais da Record e da Globo se houvesse por aqui o que há nos países democráticos: órgãos reguladores. É absolutamente incocebível que, num país sério, uma emissora coloque sete, oito, dez minutos de reportagem para falar mal da concorrente. Isso um órgão regulador jamais permitiria.

TM – Só para deixar claro: órgão regulador não significa restrições à liberdade de expressão, como os proprietários de mídia alegam.
LLF – Não, são órgãos reguladores desse tipo de serviço público fundamentados na lei. É o que tem na Inglaterra, na França, em Portugal, na Espanha, nos Estados Unidos… O que é um espaço público precisa ser regulado pelo Estado em nome do público. Não tem nada a ver com censura. Mas estabelece parâmetros de funcionamento. Isso não existe no Brasil, e é isso que permite esse fenômeno que está ocorrendo agora.

TM – A internet pode pressionar por uma mudança nesse panorama, não?
LLF – É, ela ajuda bastante, sem dúvida. Ela diversifica as fontes de informação e oferece algum tipo de alternativa. Mas ainda tem um poder muito reduzido se comparado ao da televisão aberta.

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