segunda-feira, 17 de agosto de 2009

POLÍTICA - O PS permanece sendo o único partido da alternância na Europa.

“Todas as esquerdas europeias enfrentam um imperativo de redefinição doutrinal em uma configuração globalmente desfavorável aos partidos de esquerda. Nós vivemos um deslocamento radical das referências intelectuais. A direita tornou-se ao mesmo tempo o partido do movimento e da realidade política”, afirma Marcel Gauchet.

A esquerda “quer aumentar o papel do Estado na economia, sem compreender a sua função mais fundamental na sociedade. Esse é o seu maior ponto cego e ela pode pagar caro por isso”, completa.

Segue a entrevista que concedeu a Elisabeth Lévy e que está publicada na revista Le Point, 30-07-2009. A tradução é do Cepat.

Os partidos políticos são mortais e estamos assistindo à agonia do Partido Socialista?

Mais devagar! Os grandes partidos não morrem assim. A democracia necessita de um partido de oposição capaz de encarnar uma alternância em relação ao partido no poder. Na França, este lugar é ocupado há algum tempo pelo Partido Socialista. Este poderia morrer somente se um outro partido de esquerda ganhasse importância. Vimos o desaparecimento do Partido Radical, mas em seu lugar surgiu o PS e o PC, segundo uma evolução “sinistriste”, como dizem os cientistas políticos, que caiu quando o PS depenou o comunismo. No PS, por mais que este tenha perdido a sua soberba, suas inclinações suicidárias são contrabalançadas com ausência da alternativa credível para a esquerda. Seus dirigentes sabem que não têm grande coisa a temer.

Mesmo os Verdes? Estes não poderiam depenar o socialismo?

O sucesso dos Verdes nas eleições europeias deve-se a um homem. Cohn-Bendit soube remediar as falhas do grupinho político que ele dirigiu na campanha, mas de maneira muito temporária. Estamos muito contentes em ver os Verdes na oposição, mas ninguém deseja ver Cécile Duflot no Ministério do Interior. A rigor, Nicolas Hulot suprirá as necessidades para substituir Kouchner como ministro dos bons sentimentos, mas as coisas terminam por aí. O PS, apesar dos seus erros, permanece sendo o único partido na corrida como candidato ao governo.

Faz-se necessário um governo e uma oposição; mas necessita-se de uma direita e de uma esquerda? Essas pertenças ainda são as bases para as identidades políticas?

Eu não acredito no desaparecimento total da clivagem entre direita e esquerda. Certamente, as confusões são grandes, as evoluções enormes e a confusão intelectual considerável, mas a divisão permanece viva. Se hoje é difícil definir a direita e a esquerda em termos substanciais, a repulsão mútua a que se condenam os dois campos ideológicos está intacta. Em primeiro lugar, é-se de esquerda porque se detesta a direita. E o contrário também é verdadeiro. Nicolas Sarkozy encarna maravilhosamente bem esta repulsa existencial pela esquerda. Ele não suporta as pessoas que detestam aqueles que ganham dinheiro. Mas ele é político até a medula. Ótimo na arte de detectar as fraquezas do adversário, ele compreendeu que o que afunda a esquerda é o sectarismo. Portanto, para ele seria uma questão de honra não ser sectário, sem dificuldade, porque ele é pragmático de temperamento. Mas a pulsão está aí. Em outro sentido, o sentimento de superioridade moral associado à condenação da riqueza está bem viva na esquerda, inclusive entre pessoas ricas!

O fato é que muitas pessoas não sabem mais muito bem o que significam as palavras “esquerda” e “direita”, o que resulta em um sentimento de desorientação muito difundido, especialmente na esquerda.

Todas as esquerdas europeias enfrentam um imperativo de redefinição doutrinal em uma configuração globalmente desfavorável aos partidos de esquerda. Nós vivemos um deslocamento radical das referências intelectuais. A direita tornou-se ao mesmo tempo o partido do movimento e da realidade política. Por um lado, ela não é mais conservadora no sentido de que ela não está mais encarregada da defesa do altar e do trono, do Exército e da Igreja. Ela se tornou reformista a torto e a direito. E ela está prestes a integrar elementos de proteção social em seu programa. Resultado: a esquerda perdeu o monopólio da mudança.

Por outro lado, e essa é uma novidade fundamental em relação à época em que a direita era amplamente católica na França ou cristã em outro lugar, ela tornou-se o partido materialista, o partido da economia. Resultado: a esquerda, que outrora reivindicava seu materialismo face ao falso idealismo da direita, perdeu seu instrumento favorito de desmistificação e se vê acusada, por sua vez, do idealismo ingênuo.

Enfim, a mundialização oferece paradoxalmente à direita uma renda de situação política. Porque, diante das desordens que a acompanham, face aos fluxos migratórios que ela engendra, a direita encarna o realismo e a firmeza, ao passo que a esquerda se deixou enclausurar no registro único da generosidade e do angelismo.

Precisamente, não foi abandonando a segurança e a proteção para a direita que a esquerda perdeu uma parte das classes populares?

Em grande parte, sim. Nesse campo, a esquerda é vítima de sua herança marxista e internacionalista. Ela não sabe pensar a ordem política de que as pessoas têm necessidade. Esta cegueira em relação ao político explica a sua incapacidade de dar seriamente lugar ao tema da nação e, o que é o cúmulo, às funções protetoras do Estado desde que não se trate de Segurança Social. Ela quer aumentar o papel do Estado na economia, sem compreender a sua função mais fundamental na sociedade. Esse é o seu maior ponto cego e ela pode pagar caro por isso.

Diante do consternante espetáculo do PS, a direita pode ficar tranquila até 2012?

Ninguém pode dizer o que vai acontecer. Antes de tudo, os 28% dos votos do UMP nas eleições europeias não são um escore muito glorioso. O sarkozysmo repousa sobre uma base sólida muito estreita.

O presidente não conseguiu “fixar” a fração das classes populares que passou para a FN nos anos 1990?

Eu penso que as coisas são mais ambíguas. O que o eleitorado popular aprecia nele é que ele é um homem político que sabe o que é a política e não tem medo de assumi-la. Neste campo, Sarkozy marcou pontos, é inegável. Mas há um bemol: é que era e continua sendo o único capaz de fazê-lo no seu campo. Ele reina num deserto. Não foi a direita que venceu em 2007, foi ele, graças a uma equação puramente pessoal. Ele acreditava manifestamente que preenchia todas as lacunas, mas poderia ter saído errado.

Dito de outra maneira, não se trata de um deslizamento para a direita da sociedade francesa?

Na cabeça do eleitorado, o match se joga na ordem das prioridades. A situação econômica criada pela crise entranha uma deslegitimação da promessa capitalista tal como havia sido formulada por Nicolas Sarkozy – “trabalhar mais para ganhar mais”. O neoliberalismo mundializado não coloca apenas um problema de justiça social, ele ameaça a sobrevivência das sociedades como tais. As pessoas não têm medo somente do desemprego deles e de seus filhos, elas têm medo da sociedade que fabrica a dinâmica desencadeada pelas trocas. Uma sociedade aceitável é uma sociedade em que todos podem encontrar seu lugar sendo utilmente empregados. Um país composto de uma fração de pessoas muito ricas, de classes médias pauperizadas e de desempregados consumidores que vivem com muita dificuldade da alocação não faz uma sociedade aceitável.

Mas, de fato, a direita não tem nem o monopólio do materialismo nem o da ilusão neoliberal.

É verdade que a esquerda não tem resposta consistente para a mundialização. Mais profundamente, ela não tem nenhuma imagem da “sociedade decente”, como disse Michéa depois de Orwell, na qual convirá trabalhar. Uma vez mais, seu velho economicismo lhe esconde a importância do quadro político. Os chineses não trabalham como loucos apenas para um dia vir a dirigir uma Ferrari, mas para reforçar o poder chinês e fazer brilhar a nação chinesa. A mesma coisa acontece com os indianos e outros mais. Mas nós, pobres europeus, estamos afundados no pântano bruxelense.

A partir do momento em que o soberanismo político afundou ou quase, a “questão nacional” não está abandonada?

Se o soberanismo desapareceu é porque ele repousava sobre uma visão nostálgica e caricatural de nação e, por outro lado, de ideia de soberania em si. É preciso voltar a dar a isso uma significação consoante com o mundo e a época em que vivemos. A salutar pacificação do continente enclaustrou os europeus no eurocentrismo. Ora, hoje, o sistema de referência é mundial, e o mundial é feito de nações. De grandes nações, o que legitima em um sentido a marcha europeia, mas de nações que se comportam como nações, mesmo quando é no quadro de uma competição pacífica. É o que nós desaprendemos a fazer em todos os níveis. Esta evolução demanda rever radicalmente as nossas lutas.

No alto da pilha de livros que se encontram em seu escritório estão “L’insurrection qui vient”, atribuído a Julien Coupat, e “L’hypothèse communiste”, de Alain Badiou. Você está se preparando para a revolução? O que você pensa do sucesso dos “intelectuais radicais”?

Eu tenho pena de Badiou, mas sou obrigado a reconhecer que o seu sucesso prova a persistência da identidade francesa. Ele mostra que esse país continua a viver sobre as experiências de sua história. O que é o Badiou? O comunismo sem Lênin e Marx. Sua proposta reativa a promessa da igualdade radical que constituiu a ponta extrema da Revolução Francesa e que permaneceu depois disso nos genes políticos do país. O caso da célula terrorista de Coupat é ainda mais divertido. A mescla da ultraradicalidade subversiva e do desprezo aristocrático cultivado pelo “comitê invisível” sofrem de um dandismo muito francês. É um de seus charmes, a França é esse país onde as relíquias de um Guy Debord, grande mestre do gênero, podem ser consagradas como um “tesouro nacional”. Eu dou um conselho à juventude: para vencer, sejam sempre mais radicais que os seus vizinhos, é um nicho futuro.
Fonte:IHU

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