segunda-feira, 14 de setembro de 2009

ECONOMIA - A lição que a crise deu aos sábios.

E o BC manteve a taxa selic. Quando é que o Lula vai demitir esse Meirelles?

Por Rodrigo de Almeida

A análise do desfiladeiro que separa a realidade econômica e as interpretações publicadas nos últimos meses, feita neste espaço há sete dias, ganhou ontem um reforço inestimável. Em artigo publicado no Jornal do Brasil, o professor João Sicsú, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou como os descrentes da ideia da “marolinha” escolhem bem seus alvos.

Ao citar vários trechos das atas do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, Sicsú fez uma interessante radiografia de como, antes e durante a crise, o BC enxergou um cenário muito mais cor-de-rosa do que o presidente Lula – e nem por isso foi galhofado pela turma do papelório. Ao contrário.

Peço licença ao leitor para reproduzir algumas informações do artigo de Sicsú – também professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Destaco três momentos-chave de atas do Copom detectados por ele. Primeiro, em setembro (portanto, dias antes de o Brasil mergulhar na crise), o BC elevou a taxa de juros de 13% para 13,75%. A ata daquele mês dizia que “o ritmo de expansão da demanda doméstica” continuaria sustentado, “colocando riscos importantes para a dinâmica inflacionária”.

No mês seguinte, o Copom manteve a taxa no mesmo nível elevado. A ata falava que continuava “bastante robusto” o ritmo de expansão da demanda doméstica. No terceiro momento, tem-se dezembro. O Brasil já enfrentava os problemas com a crise e, especialmente, com o pavor de um tsunami (com desemprego, recuo na produção, freio no consumo). Nova reunião do Copom e nova manutenção dos juros. Explicação da ata? “Sinais de acomodação da demanda doméstica”.

Em bom português, mesmo com a crise já se instalando e o medo se espalhando pelos empresários – graças, em boa parte, às sombrias previsões dos economistas e colunistas públicos em geral – o Copom enxergava expansão da demanda doméstica e aceleração das pressões inflacionárias. Clarividência a dar com o pé!

De todos os sábios expostos no teste da crise, os diretores do Banco Central parecem ser os mais singulares. Ali se adota uma cosmologia que faz muito mal ao país. O PIB do segundo trimestre, anunciado na última sexta-feira, ganhou robustez pelo consumo das famílias. Mas, ao menor vestígio, o Copom vê o diabo adiante – pelos seus integrantes, você, caro leitor, no fim das contas não passa de um visigodo ignóbil ou um ostrogodo inconseqüente a aquecer o consumo e abrir alas para um surto inflacionário. Contra tais espécies, só há um remédio: juros.

Um sábio amigo da coluna já comparou a ação do presidente do BC, Henrique Meirelles, à do ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Se este determina o aumento da produção de vacinas frente ao aumento de casos de febre amarela, a decisão é neutra. Vai ao posto quem quer; quem não precisa não vai. Ninguém ganha dinheiro com isso. No caso do BC, Meirelles, no papel de xamã, costumeiramente ameaça com a propagação de uma epidemia que termina por fazer a felicidade da turma do papelório, muito bem remunerada com a expansão da moléstia.

O Brasil tem muitos problemas. Um deles, como mostrou o professor Sicsú, é o Banco Central. Outro são o tamanho e a qualidade dos palpiteiros. Há quem ganhe muito dinheiro com tal contribuição. O engodo, porém, está menos na prática dos sábios propagadores de previsões econômicas (sombrias ou cor-de-rosa, fique claro) e muito mais no vício da imprensa de ouvi-los em excesso.

Na dúvida, tome-se o que diz o professor Paulo Nogueira Batista Jr. (hoje em Washington, como diretor-executivo no Fundo Monetário Internacional onde representa o Brasil e mais oito países da América Latina e Caribe) sobre os economistas: “A nossa utilidade é bastante limitada. Raramente ajudamos a resolver problemas de ordem prática. Às vezes, até atrapalhamos”. Disse isso pela tendência geral dos economistas ao fatalismo e à capacidade de encarar “os piores desastres com equanimidade e uma resignação quase budista”.

Uma exemplar semelhança ao que, no fundo, somos os jornalistas.

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