É muito oportuna e educativa uma nova leitura do artigo `Leilões do petróleo e outros mistérios`, do saudoso jornalista Aloysio Biondi (foto), que atuou em diversos jornais, notadamente na Folha de S.Paulo, bem como é autor da obra `Brasil Privatizado: Um balanço do desmonte do Estado`, que teve o patrocínio do Sindipetro-RJ e da CUT. Biondi foi o editor da Fundação Perseu Abramo, na qual é possível ter acesso às publicações de Biondi. Confira a seguir o artigo alusivo aos fatídicos leilões de nossas áreas petrolíferas iniciados na gestão FHC, publicado na Folha de S.Paulo (19/06/1999). Biondi demonstrou que o governo FHC, ao programar os leilões, havia concordado em receber preços mínimos de R$ 50 mil a R$ 150 mil por elas. Após a realização dos leilões, foram fechados negócios com ágio de até R$ 50 milhões por uma das áreas. E o jornalista destacou: `Alguns mistérios precisam ser investigados pelo Congresso Nacional, nesse episódio, a partir de algumas perguntas simples, baseadas em um breve retrospecto de todo o processo: nos últimos meses, o presidente da ANP, David Zylbertsztajn, disse que os preços pedidos realmente eram uma ninharia, `simbólicos``. Assim, nada mais oportuno reler o presente artigo, sobretudo no momento em que a sociedade brasileira luta para que o Brasil retome sua soberania no setor petrolífero, notadamente com a descoberta do Pré-Sal pela Petrobrás. Os lobistas, como Zylbertsztajn e o próprio FHC, estão empenhados para que o País não se reveja a atual legislação [Lei 9478/97], com prosseguimentos dos leilões e seus efeitos maléficos à economia brasileira. Boa leitura.
Leilões do petróleo e outros mistérios
Aloysio Biondi
(Folha de São Paulo - em 19/06/1999)
Ao programar os leilões de áreas para a exploração de petróleo, o governo havia concordado em receber preços mínimos de R$ 50 mil a R$ 150 mil por elas. Realizados os leilões, foram fechados negócios com ágio de até 53.565%, com o pagamento de até R$ 150 milhões por uma das áreas.
Alguns mistérios precisam ser investigados pelo Congresso Nacional, nesse episódio, a partir de algumas perguntas simples, baseadas em um breve retrospecto de todo o processo: nos últimos meses, o presidente da Agência Nacional de Petróleo, David Zylbersztajn, disse que os preços pedidos realmente eram uma ninharia, `simbólicos`. Mas, argumentava, não havia como aumentá-los, porque o petróleo estava a preços baixíssimos no mercado internacional, dando a entender que as empresas multinacionais não estavam interessadas em investir no Brasil, a não ser que ganhassem as áreas `grátis`, isto é, a preços simbólicos.
Desde janeiro, porém, os preços do petróleo já haviam começado a subir no mercado mundial, chegando aos 40% de alta em março/abril e aos 60% a 80%, para US$ 16 a US$ 18 o barril, em abril/maio. Aqui, surgem as perguntas sobre o comportamento misterioso do sr. Zylbersztajn: ele continuou defendendo os preços `simbólicos`, em lugar de providenciar o seu reajuste, com base na nova situação internacional. Por quê? Alguém pode acreditar que nesses meses todos o sr. Zylbersztajn nunca, nunca mesmo, conversou com representantes das multinacionais e grupos brasileiros que participariam dos leilões, para perguntar-lhes sobre sua disposição de pagar preços mais altos? Como explicar, e está aí o grande mistério, que o sr. Zylbersztajn nunca, nunca tenha deixado de defender os preços simbólicos como necessários? Ele não sabia que havia grupos dispostos a oferecer ágios? E, atenção, nada de ágios também `simbólicos`, de poucos milhares de reais, mas ágios de 1.000%, 10.000%, 55.000%?
As decisões do sr. Zylbersztajn precisam ser investigadas por dois motivos, um deles assustador. Primeiro: mesmo que tenha havido a oferta de `ágios`, nada garante que o preço obtido não deveria ser mais alto, mesmo porque (atenção) para algumas áreas houve apenas um concorrente, isto é, ele `ganhou` com um lance fixado a seu bel-prazer.
Ora, a história mostra que não é tão raro assim que, em leilões e concorrências, os interessados façam acordos de bastidores, decidindo previamente quem vai ficar com determinadas partes do contrato e combinando os preços a pagar. Portanto o fato de o governo não ter fixado `preço real`, só o `simbólico`, impede que se tenha uma base para avaliar se o lance foi justo e deixa margem a dúvidas, que o sr. Zylbersztajn certamente terá prazer em esclarecer, ao Congresso, que certamente desejará informações sobre outra dúvida, a assustadora. Sobre o ágio.
O Tesouro paga
Em seu recente depoimento no Senado, o secretário da Receita Federal provocou estupor, com duas informações sobre as privatizações. Segundo Everardo Maciel, o Tesouro acaba pagando, ao `comprador`, uma parte do preço anunciado nos leilões. Esse pagamento é feito de duas formas: se a empresa ou banco `comprado` tem prejuízos acumulados no balanço, o comprador pode `descontar` esses prejuízos dos lucros que ele, o grupo `comprador`, tiver nos anos seguintes, reduzindo portanto o pagamento do Imposto de Renda. Isto é: na prática, é o próprio Tesouro que paga a compra da estatal vendida...
Essa vantagem absurda não era nenhum segredo. Mas o secretário da Receita revelou outra aberração: quando o governo pede um preço de, digamos, R$ 1 bilhão para vender uma estatal e o `comprador` oferece R$ 2 bilhões no leilão, essa diferença, que é o tal ágio, também é `devolvida` ao comprador, nos anos seguintes, pelo mesmo mecanismo de redução do Imposto de Renda. Vale dizer: isto é: o tal `ágio` é uma invencionice, o dinheiro acaba saindo do Tesouro no futuro... Ou mais claramente ainda: no final das contas, com a devolução do ágio, o preço realmente pago pelo comprador é aquele que foi pedido pelo governo.
Chega-se aqui ao ponto central e assustador do mistério dos leilões das áreas de petróleo, que o sr. Zylbersztajn deve esclarecer ao Congresso: esse sistema de devolução do ágio (ou qualquer outra vantagem equivalente) vai valer também para essas operações? Se valer, isso significa que no final das contas o Tesouro vai receber mesmo somente aqueles ridículos preços simbólicos? Se for verdade, como explicar que os preços não tenham sido reajustados quando a situação do mercado mundial de petróleo mudou, para assim evitar que os ágios fossem tão grandes e depois devolvidos pelo governo? A repetição dos argumentos contra esse reajuste foi uma farsa que durou meses, para garantir que os `compradores` receberiam o dinheiro de volta, à custa do Tesouro? Mais `privadoações`?
Fonte:AEPET
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