terça-feira, 20 de outubro de 2009

AFEGANISTÃO - Ex- deputada afegã critica política belicista de Obama.

Em uma entrevista ao diário basco Gara, Malalai Joya, parlamentar e ativista afegã de 31 anos critica a continuação da polítíca belicista da administração Bush pelo atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e faz um apelo: "Meu povo está cansado de perdões, quer o fim de tanto drama". Leia a íntegra da entrevista, concedida pela ativista em uma recente visita à península ibérica.
Malalai Joya foi eleita parlamentar em 2005, mas dois anos mais tarde foi expulsa e suspensa das suas funções por "dizer a verdade, que é a primeira vítima no Afeganistão". Mas nem as tentativas para matá-la têm esmorecido a sua luta para mudar o trágico destino do seu país.

Por Ainara Lertxundi, para o jornal basco Gara

Com apenas 16 anos, Malalai Joya abandonou o campo de refugiados do Paquistão para criar uma escola secreta para meninas no seu Afeganistão natal. A tarefa não foi nada fácil. A clandestinidade e os pequenos gestos solidários dos seus compatriotas foram essenciais para manter o projecto. Em 2005, conseguiu ocupar o assento número 249 no Parlamento, mas em 2007 foi expulsa por denunciar que a Câmara estava e está composta por criminosos de guerra. A expulsão não foi a única sanção. Tentaram matar Joya em quatro ocasiões porque "nunca fiz o que eles querem e sempre digo a verdade, esses são os meus delitos".

Paradoxalmente, a burca transformou-se para ela numa espécie de colete salva-vidas quando está no Afeganistão. Com voz firme, sublinha que o seu país está armadilhado por dois poderosos inimigos: "as tropas de ocupação, por um lado, e os fundamentalistas, por outro". Com a mesma firmeza e segurança, condena o regime "misógino e de marionetas" do presidente Hamid Karzai, que "nomeou dois criminosos de guerra como vice-presidentes".

Um dos "poderosos inimigos" a que se refere são as forças estrangeiras de ocupação. Como avalia o envio de mais tropas anunciado por Barack Obama e Gordon Brown?

Infelizmente, quando Barack Obama tomou o poder, a sua primeira decisão a respeito do Afeganistão foi de mais conflito, mais guerra. A sua política externa para o país e o Paquistão é similar à da Administração Bush. É impossível conseguir uma democracia com bombardeios, com bombas de fragmentação, com armas, com tropas estrangeiras. Depois do 11 de setembro, o governo dos Estados Unidos e a Otan substituíram os talibã pelos fundamentalistas. Só mudou o aspecto físico. Falavam de democracia, de direitos das mulheres… mas ninguém acreditava neles. Dia após dia, demonstraram quão próximo estão ideologicamente dos talibãs.

A política de Obama não é a correta; o Afeganistão é um crime de guerra. Mas, quanto mais tempo passa, mais se incrementa a resistência da minha gente; estão a matar a inocentes, a lançar bombas do céu. Em maio, com Obama no poder, mais de 150 civis morreram num bombardeio na província de Farah, a maioria mulheres e crianças. Em 9 de setembro, mataram mais de 200 em Cunduz. Bombardeiam-nos inclusive quando celebramos casamentos. A Casa Branca desculpa-se e Karzai diz-lhe “obrigado”. Mas o meu povo está cansado de perdões, quer o fim de tanto drama. Estão a jogar com o destino do povo.

É risível e insultuoso para a paz que tenham outorgado o Prêmio Nobel da Paz a uma pessoa como Obama, que quer iniciar outra guerra no Paquistão, que já mantém uma no Iraque e que guarda silêncio em relação ao criminoso regime de Israel. O que fez nestes nove meses? Enganar.

Os talibãs foram expulsos, mas aqueles que ocupam agora o poder não são melhores. Como definiria a situação atual?

É catastrófica. Em contraste com a época talibã, os crimes de agora cometem-se em nome da democracia, dos direitos humanos e dos direitos da mulher. É a única diferença.

Ainda que os EUA tenha mandado centenas de soldados, o principal problema é a segurança. Se não a temos, como podemos falar de democracia, de direitos humanos? A violência contra as mulheres aumenta a cada dia. Matar uma mulher é tão fácil como matar um pássaro. Cortam-lhes o nariz, as orelhas, em pedaços ou atiram-lhes água a ferver. É como se não tivessem vida. A vida da mulher hoje em dia é um verdadeiro inferno. Há três dias, raptaram e mataram uma menina de cinco anos quando ia para a escola. Outra de catorze foi violada por três homens, um deles filho de um deputado, que mudou a idade do seu filho para o livrar. Como vão mandar os seus filhos para a escola nessas condições?

Tudo indica que Karzai continuará no poder depois de eleições nas quais a própria ONU reconheceu que houve "uma fraude generalizada".

As eleições foram simplesmente uma vitrine. Estiveram comandadas pela droga, pelas armas e pelas forças de ocupação. Milhões de pessoas não foram votar porque não tinham um candidato. Era claro para elas que o vencedor ia ser o escolhido pela Casa Branca. Como dizemos, não importa quem vota, mas quem conta os votos. A população não tem o que comer. Como ir votar com fome? Tudo está nas mãos da máfia. Nestes oito anos, aumentou o consumo e a produção de droga. Até o irmão de Karzai é um reconhecido narcotraficante, mas o seu nome não sai na imprensa. O presidente nomeou dois criminosos de guerra, Karim Khalili e Mohamad Qasim Fahim, como vice-presidentes. E se o mulá Omar for incorporado no Governo como quer Obama, a situação ainda será mais sangrenta.

É possível sair desta espiral de violência?

Nenhuma nação pode libertar outra nação. É nossa responsabilidade dotar a nação de valores como os direitos humanos e a democracia. Precisamos de apoio à educação, que é fundamental para a emancipação. A primeira vítima no Afeganistão é a verdade. Todo aquele que a diz, sofre represálias, é executado ou tem que ir embora. Os EUA e os países da Otan estão a gastar sangue e dinheiro para apoiar uma máfia. O Governo recebe mais de US$ 18 bilhões e grande parte desse dinheiro acaba nos bolsos dos senhores da guerra, traficantes e funcionários. Ao mesmo tempo, 18 milhões de afegãos vivem com menos de dois dólares por dia.

O que significa a burca?

É o símbolo da opressão, mas não é o problema principal das mulheres. Ainda que seja um insulto, também dá vida. Muitas mulheres, incluída eu, usámo-lo para estarmos vivas. O problema não é a burca, mas o regime não democrático de Karzai e a falta de democracia.
Site: O Vermelho.

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