quinta-feira, 22 de outubro de 2009

AGÊNCIAS REGULADORAS - geram déficit democrático por atender interesses privados.

Advogado Pedro Estevam Serrano afirma que debate apontado pelo governo – em tramitação há cinco anos no Congresso – é necessário após a crise econômica forjada pelo modelo neoliberal

Por: Anselmo Massad

Publicado em 22/10/2009

A legislação a respeito das agências reguladoras precisa mudar para se recuperar o patamar republicano na gestão pública, avalia o advogado constitucionalista Pedro Estevam Serrano. O professor da PUC-SP acredita que a fórmula empregada é segue princípios privatistas, fruto de uma visão neoliberal do mundo em voga no peíodo de sua definição.

Na segunda-feira (19), o ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha declarou que o governo pretende, até o fim do mandato, aprovar a revisão do modelo de agências reguladoras. Em tramitação no Congresso há cinco anos, a proposta do governo enfrenta fortes resistências da oposição.
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Em diferentes momentos, a legislação que define o papel das agências foi questionado. Em 2006, em meio à crise nos aeroportos, a Agência Nacional de Aviação (Anac) foi duramente criticada por atender apenas aos interesses das empresas aéreas. Avaliação semelhante tem a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Desde a privatização do setor em 1998, houve uma grande concentração, com fusões e aquisições e redução de competitividade, fenômenos convenientes apenas ao capital e não ao público.

Para Serrano, o modelo atual de agências reguladoras foi formado em um período histórico de expansão da globalização pautada pelo modelo neoliberal, quando houve um avanço do interesse privado sobre o público. "Aproveitando a deterioração da política no período, a força do capital se apropriou do interesse público, e foram criados instrumentos públicos para isso", lamenta.

Esse fato faz com que haja uma análise equivocada, na visão do constitucionalista, de que a expansão econômica vista nos últimos anos, fruto do período de crédito e recursos de fundos de pensão dos Estados Unidos disponíveis. Essa combinação favoreceu investimentos que poderiam ter sido mais bem aproveitados em um ambiente em que a preservação do interesse público fosse assegurada.
Agências reguladoras nacionais
A partir de 1996, diferentes agências foram constituídas como autarquias ou ente de administração direta. Esse tipo de estrutura existe nos níveis federal, estadual e municipal. Confira algumas das agências subordinadas à União:

* Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) - criada em 1997
* Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - criada em 1996
* Agência Nacional do Cinema (Ancine) - criada em 2003
* Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - criada em 2005
* Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) - criada em 2001
* Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) - criada em 2001
* Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) - criada em 1998
* Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criada em 1999
* Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) - criada em 2000
* Agência Nacional de Águas (ANA) - criada em 2000

As agências reguladoras são o principal exemplo da intenção de se substituir os poderes Legislativo e Judiciário por quadros de técnicos formados em empresas do mercado. "O mecanismo reduz o papel do ambiente político, ao criar um pequeno Estado para alguns setores da economia, para empresas e investidores estrangeiros", diagnostica. Embora a intenção não tenha sido plenamente concretizada por ter sido parcialmente frustrada no Congresso, o caráter privatista foi mantido.

Para o constitucionalista, qualquer inovação primária da ordem jurídica deve ser atribuição exclusiva do Legislativo, assim como a jurisprudência é definição do Judiciário. "Arbitragem só pode valer para entes privados, não em questões que envolvem o serviço público, porque nessas, o interesse público deve prevalecer", explica.

"É preciso voltar ao patamar republicano simplesmente para reduzir o déficit democrático criado pelas agências", afirma. "Seria devolver aos representantes da sociedade (parlamentares) a definição da legislação", esclarece.

Serrano considera que o contexto de crise econômica internacional mostra que, sob o argumento de que as agências trariam eficiência à gestão pública, houve problemas. "A sobreposição do interesse privado sobre o público potencializa crises", afirma.

Na visão de Serrano, a política precisa ser resgatada como atividade, ela não pode ser suprimida da gestão por uma visão empresarial. "Cabe à sociedade gerenciar a atividade pública e a forma para isso acontecer é a política. E política não são os problemas da representação e questões éticas que eventualmente surgem no noticiário."

Longe de ser favorável à volta do modelo anterior de empresas estatizadas, Serrano acredita que os empresários devem ter seu papel reduzido ao de conduzir suas atividades para ter lucro e não exagerar na função. Um modelo com concessão de serviços públicos mais bem controlados em que o Estado mantenha sua força.
Mandatos

Um dos principais problemas das agências, segundo Serrano, é o fato de os mandatos de diretores de agências não coincidirem com os do presidente da República. "A correspondência dos mandatos é necessária para haver correspondência de natureza política", explica.

Um dos princípios republicanos é o da periodicidade dos mandatos. Enquanto as burocracias profissionais de Estado, formadas pelo quadro de servidores públicos, precisam ser estáveis, os corpos de direção e formulação de políticas tem de ser trocados conforme a mudança de eleitos para cargos majoritários.

Essa correspondência é necessária justamente para garantir que o presidente, escolhido pelo voto da população, tenha instrumentos para implantar as políticas para as quais foi eleito.

"O modelo atual é inconstitucional por inviabilizar o regime republicano no sentido pleno, mas como o Judiciário brasileiro não está disposto a julgar discutir a questão, é necessário redefinir a legislação", propõe Serrano.

No modelo atual das agências reguladoras, o mandato dos diretores vencem no meio do mandato do presidente. Assim, enquanto o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de conviver com os nomes definidos por Fernando Henrique Cardoso, seu sucessor terá de um a três anos com os escolhidos por Lula.
Fonte:Rede Brasil Atual

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