A foto do presidente Lula, publicada aqui em matéria de Saul Leblon, dá o que pensar. O ponto da foto é o Brasil em movimento, de novo em direção ao futuro que nos fora roubado. Mover-se em direção ao futuro é incômodo, dói, exige debate e escolhas.
Flávio Aguiar
A foto do Presidente Lula estampada no alto da matéria de meu amigo Saul Leblon, “O ponto de saturação”, aqui na CM, dá o que pensar. O presidente, de camisa vermelha e a bordo de uma das gigantescas calhas da transposição do Rio São Francisco, está sorridente, caminha para a lente e abana o elmo protetor. A bordo? Sim, porque aquela calha não é só uma calha inerte, parada: é uma torrente em direção ao século XXI.
Sim, eu sei: o projeto é contraditório. O debate é bom, pois levanta obrigações ambientais e sociais indispensáveis. Mas até agora, ouvidas, tanto quanto possível as partes, ouvi mais argumentos consistentes a favor do que contra. Assim como no caso da hidrelétricas da Amazônia. Quando era Editor Chefe da Carta, já fui acusado de tudo, de “verdinho” a “traidor das causas ambientais”, por querer ouvir as partes com equanimidade.
Mas o ponto da foto não é o debate, nem mesmo o projeto em si. O ponto da foto é o Brasil em movimento, de novo em direção ao futuro que nos fora roubado. Mover-se em direção ao futuro é incômodo, dói, exige debate e escolhas.
Vários futuros nos foram roubados. No século XIX a manutenção da escravidão depois da independência roubou-nos um, apesar da figura benemérita de D. Pedro II. Com a proclamação da República, a república dos coronéis e da oligarquia do café com leite nos roubou outro. E qualquer pessoa de bom senso sabe que a maioria dos oligarcas de S. Paulo, na década de 20, era contrária à industrialização do país. Industrialização na época: siderurgia, não apenas de vestuário ou afins.
Foi preciso a Revolução de 30 e o governo Vargas, contraditório, autoritário, para que o futuro se abrisse. Abrisse? Foi uma dessas aberturas paradoxais: estávamos na década de 30, e a impressão que se tem hoje é a de que “o Brasil chegava no século XX”. Ou seja, houve uma espécie de “atualização retardada”.
A ditadura de 1964 nos roubou mais um. E a hegemonia neoliberal de 1985 a 2003 nos roubou mais um. Há mais em comum entre a ditadura de 64 e a hegemonia neoliberal do que sonha a nossa vã filosofia. Porque o tema comum entre ambos não se refere “ao papel do Estado na economia”.
Refere-se ao papel do Estado na sociedade: excludente, não inclusivo.
Essa foi a “modernização” do “autoritário”, “populista”, “caudilho”, ou simplesmente “Xuxu”, como o chamavam seus adversários nos anos 30: incluir na vida política da nação os que dela estavam alijados. Foi de modo autoritário? Foi. Foi inspirado no fascismo? Não. Foi inspirado sim na cartilha positivista que trouxera do sul com o trem que o levou ao Rio de Janeiro. Quem quiser se informar mais a respeito, é só ler a entrevista do prof. Alfredo Bosi à Revista do Brasil n° 12, maio 2007, sobre a CLT e seu papel na sociedade brasileira.
Agora acontece o mesmo. A questão da foto acima descrita e levantada vai além do projeto em tela: vai ao projeto que está por trás da tela, que é um projeto inclusivo para a sociedade brasileira. Contraditório? Contraditório. Autoritário como o de Vargas? Não. É tudo isso que dói na consciência dos ideólogos e escribas do Brasil desigual, do Brasil-atraso, disfarçado de “modernoso”. Esse Brasil dessa nossa “élite” já não é nem mais “para inglês ver” como se dizia desde o tempo do Império. No dia 19/10 o editor de “special reports” do vetusto e conservador Financial Times, o jornalista sul-africano Michael Skapinker, definiu, no título, que “O Brasil é o poder do século XXI a se observar”. A matéria está longe de ser eufórica, e aponta nossos problemas, inclusive o da violência, com visão abrangente e aguda.
Mas o suco da matéria é o de que o Brasil se transformou numa democracia e ao mesmo tempo está pondo o dedo na ferida da desigualdade social – numa época em que a desigualdade aumenta em outros continentes – inclusive na União Européia, de modo assustador. O Brasil cresce em todas as direções, para fora, para cima, para os lados, para dentro, para o futuro, só não cresce para trás e para baixo, como seria o caso se mantivéssemos o pregão e o sermão neoliberais nas nossas receitas públicas de administração. O que voltará a ocorrer se a dupla PSDB – DEM[PFL] voltar a correr e vencer na maratona de Brasília. Mas isso é assunto para outro artigo, que esse já vai longo.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior/Agência Carta Maior
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