sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ELEIÇÕES - Eleição de 2010 não mudará hegemonia do agronegócio, bancos e indústria.

“A expansão brasileira, a projeção da economia do país no mercado interno e no mercado externo é monopólio de um grupelho, dos poderosos do agronegócio, das finanças, da grande indústria. A hegemonia é desses grandes potentados”. A afirmação é do sociólogo Luiz Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) em entrevista à Gilberto Costa e publicada pela Agência Brasil, 29-20-2oo9.

Eis a entrevista.

Qual será a agenda política da campanha eleitoral e dos próximos anos?

O tema do desenvolvimento será uma questão forte. A mobilização do Estado como indutor desse desenvolvimento certamente será discutida por Dilma [Rousseff], [José] Serra e Ciro [Gomes], mas não deverá ser discutida na agenda de Marina [Silva]. Isso não é um tema de Marina. Ela é uma candidatura interessante, pode vir a crescer, provavelmente não terá condições de vitória, mas poderá interferir na agenda dos outros. A sua presença na disputa faz com que já pese mais a questão ambiental. Com ela, o tema da ética na política aparece com mais força e isso deve contaminar também a agenda dos candidatos.

A candidatura de Marina, mesmo que não esteja destinada a cumprir uma trajetória brilhante, irá exercer uma certa influência sobre as demais. Quanto ao Ciro, é difícil falar. Sobretudo é difícil diferenciar o Ciro das candidaturas da Dilma e do Serra. Os três têm o perfil muito semelhante. Serra e Dilma ainda mais semelhante. São executivos, pessoas treinadas na administração, vocacionadas para esse tipo de mando. O território deles não é propriamente o da política e das eleições, como o de Lula é. O presidente é um animal político, assim como Fernando Henrique Cardoso também é. Mas esse não é o caso nem da Dilma nem do Serra, que construíram suas pré-candidaturas como bons administradores. A eleição vai ser uma obra de químicos especializados em campanhas.

Vai ser uma campanha sisuda e menos emocional?

Acho que sim. A entrada da Marina e do Ciro atenua um pouco isso. Só com Serra e Dilma, seria uma coisa muito monocórdica, os mesmos temas, os mesmos discursos, sem mudar a inflexão.

É possível distingui-los ideologicamente com nitidez? O governador José Serra diz estar hoje à esquerda do PT.

O Serra tem uma história na esquerda, sem dúvida: foi presidente da UNE [União Nacional dos Estudantes], foi da Ação Popular, mas depois ele foi estabelecendo aliança com os poderosos de São Paulo, da indústria e das finanças. Como a Dilma será candidata da situação e tem os poderosos também na coalizão governamental , inclusive em posição de mando político como ministros, as diferenças não vão se estabelecer por aí. O esforço todo do presidente Lula vai ser comunicar quem é sua candidata e tentar transferir o seu prestígio eleitoral. Essa não é uma operação fácil de fazer, mas é o que ele irá fazer e pode ter sucesso nisso. Não podemos esquecer que ainda tem uma questão embaraçosa no PSDB: se é Serra ou se é Aécio. Isso ainda não foi definido. Não dá para prever nada. Uma coisa é fazer o retrato, a outra será quando isso entrar em movimento. Quem sabe se o Ciro vai cometer mais um destempero verbal na televisão? Quem sabe se um acidente ambiental não possa tornar a candidatura de Marina mais popular e mais visível? Há tantos imponderáveis nessas lutas.

Teremos, então, a agenda que já está aí.

Sem dúvida. A expansão brasileira, a projeção da economia do país no mercado interno e no mercado externo é monopólio de um grupelho, dos poderosos do agronegócio, das finanças, da grande indústria. Esses é que estão com as cordas. Quando se falava da questão nacional das décadas de 1950 e 1960, se falava da questão do nacional-popular, havia tensão entre o nacional e o popular. Havia luta pela hegemonia na condução da questão nacional. Hoje, a questão nacional está posta sem que o tema da hegemonia seja debatido. A hegemonia é desses grandes potentados. É claro que tudo isso extraordinariamente manobrado de maneira inteligente, ardilosa e sutil pelo presidente Lula, que tem capacidade de empregar todos no mesmo governo, impondo condições. Por exemplo, impõe ao agronegócio a questão ambiental e o convívio com a agricultura familiar. O Lula tem demonstrado uma enorme capacidade de harmonizar contrários e de que a obra desses contrários seja vista como a serviço da nação na sua totalidade. Isso não se faz por muito tempo, nem se consegue criar a ilusão em todos de que aquilo que está sendo feito fundamentalmente para atender alguns esteja atendendo a todos.

O senhor diz que o PT declinou do papel de herói providencial e se adaptou às circunstâncias. Mas há mudanças, como a subida de 30 milhões de pessoas a um novo patamar de consumo, não?

Sem dúvida, e é uma outra questão. De fato, esse governo foi muito dedicado ao enfrentamento da questão social, mas em determinados limites. Essa harmonização entre os contrários, realizada pelo Lula, é obra que não persistirá no tempo, inclusive porque o tempo do Lula acabou e a Dilma não é vocacionada para realizar isso. O meu ponto principal não é esse, mas de que o desenvolvimento e a questão nacional estão sendo pensados de forma tecnocrática, vertical, de modo assimétrico em relação à vontade da sociedade. A sociedade civil está desmobilizada, e os movimentos sociais foram cooptados. Esse é meu ponto. É político, não é uma questão técnica ou de economia. Os movimentos sociais foram todos trazidos para dentro do Estado.

O senhor fala da linha de continuidade entre o governo Lula e FHC e de um “abraço” de Lula em Getúlio Vargas. Com quem o governo atual guarda mais coincidências?

Um pouco de cada coisa. Ele foi trazendo tudo para si. O que eu digo é que o repertório da história brasileira, da tradição da República brasileira, foi sendo selecionado e incorporado pelo governo acriticamente. A questão nacional é importante, mas isoladamente, sem a chave democrática e popular, ela pode ser uma questão perigosa. Ela fortalece um Estado isolado da sociedade, uma burguesia dominante e dominadora, a sociedade conhecendo apenas uma vontade. Esse é que o ponto.;
Fonte:IHU

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