segunda-feira, 19 de outubro de 2009

MST - Terras públicas invadidas.

Por Dalmo Dallari*

Uma vez mais, a imprensa dá notícia de um conflito de terras, desta vez informando sobre violências que teriam sido cometidas por integrantes do Movimento dos Sem Terra, no oeste do estado de São Paulo, incluindo destruição de laranjais e danificação de máquinas agrícolas, em área utilizada pela empresa Cutrale, uma das maiores produtoras de suco de laranja do Brasil. Algumas fotos de árvores derrubadas e de máquinas agrícolas danificadas foram divulgadas pela imprensa, causando revolta na população a exibição e a notícia da prática de tanta violência em nome da justiça social e da reforma agrária.

Dirigentes do MST negam que os autores das violências sejam efetivamente integrantes do movimento, aventando a hipótese de que sejam agitadores profissionais, pagos para agir daquela forma com o objetivo de justificar ações de autoridades públicas contra os verdadeiros trabalhadores rurais. A hipótese de uma infiltração maliciosa não é desprovida de lógica, sobretudo tendo em conta muitas iniciativas já conhecidas visando a criminalização dos movimentos sociais, apresentando o Movimento dos Sem Terra como um bando de criminosos, uma quadrilha que atenta contra os direitos dos proprietários de terras, perturbando a paz social e prejudicando a economia brasileira.

Embora apresentando imagem absolutamente negativa do Movimento dos Sem Terra, ao fazer a localização e caracterização dessas violências, a imprensa acaba por divulgar informações que deixam evidente o tratamento diferenciado dado por governos e autoridades segundo a categoria social dos invasores de terras. Com efeito, noticiou-se que haveria a intenção de implantar na região agora invadida a mesma luta que se desenvolve no Pontal.

O que se menciona aí é a região do estado de São Paulo denominada Pontal do Paranapanema, onde, segundo levantamento feito Instituto de terras do Estado de São Paulo durante o governo Mário Covas, os ocupantes de vastas extensões de terras são, na grande maioria, invasores de terras devolutas, que são áreas públicas. Protegidos por muitos dos que deveriam tomar a iniciativa de expulsá-los, aqueles invasores conseguiram inverter a situação, provocando a criminalização dos trabalhadores rurais pobres que reivindicam a distribuição das áreas públicas mediante os preceitos da reforma agrária, conforme determina a Constituição no artigo 184.

Relativamente à área agora objeto do novo conflito, informou o Instituto Nacional da Reforma Agrária que, além de outras áreas públicas invadidas, ali se localiza uma grande área, denominada Grupo Colonial Monção, que o governo da União comprou em 1909 com o objetivo de promover a colonização, o que acabou não sendo feito, permanecendo as terras desocupadas até que foram invadidas por fazendeiros ricos. Já existe um grande número de ações judiciais buscando a recuperação das áreas pelo verdadeiro dono, que é o patrimônio da União, mas, assim como ocorre em vários outros estados brasileiros, os invasores conseguem retardar as decisões e assim vão permanecendo nas terras e tirando proveito delas, impedindo que sejam distribuídas a famílias de trabalhadores rurais pobres, segundo o critério previsto na Constituição.

Não há dúvida de que o Brasil evoluiu muito nos últimos anos, em termos de redução de grande injustiças legalizadas e da concepção e aplicação dos princípios e normas de direito como instrumentos da Justiça. Mas a proteção dada, ainda em grande escala, a privilégios ilegais e injustos, bloqueando a plena aplicação dos preceitos constitucionais de inspiração humanista, deixa evidente a necessidade de empenho decidido e permanente de todos os que têm consciência de que sem a Justiça não haverá Paz.

*Professor e jurista.
Publicado originalmente no Jornal do Brasil

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