"O Capitalismo: Uma História de Amor", do veterano realizador de documentários cinematográficos, Michael Moore, propõe-se examinar o recente colapso financeiro. Por sugestão dele, é uma crítica à situação económica agora existente.
Este texto é um guia do espectador de filmes de Michael Moore.
Joanne Laurier e David Walsh* - 16.10.09
«O Capitalismo: Uma História de Amor», do veterano realizador de documentários cinematográficos, Michael Moore, propõe-se examinar o recente colapso financeiro. Por sugestão dele, é uma crítica à situação económica agora existente.
«Desta vez, a responsabilidade é muito maior daquela que poderia ter a General Motors, e a cena do crime é mais extensa do que a de Flint, em Michigan», anota a produção do filme, numa referência ao primeiro documentário de Moore, "Roger & Me", feito há 20 anos.
Este novo filme é o quinto maior documentário de Moore, três dos quais, «Bowling for Columbine», «Fahrenheit 9/11» e «Sicko» se incluem entre os maiores filmes documentais. Moore decidiu-se por uma continuação, em consequência da preocupação que ele tem pela classe trabalhadora e pelas suas dificuldades. Sem dúvida que será uma resposta popular ao Capitalismo.
Quando um filme que critica o sistema de lucro se estreia em aproximadamente mil salas de cinema nos Estados Unidos, é, obviamente, um acontecimento invulgar e digno de registo. Há, certamente, uma relação entre este filme e uma radicalização popular crescente das condições de devastação económica. Mas qual é, precisamente, essa relação? Os maiores admiradores de Moore consideram-no como vanguarda de um certo movimento oposicionista (cujos princípios, contudo, são extraordinariamente vagos). É esta a realidade?
O realizador, conserva uma certa independência dos media, onde assenta a desinformação dominante. E tem evidenciado alguma firmeza em diversas ocasiões. O Capitalismo preocupa-se apenas com o «impacto desastroso da dominação das empresas sobre a vida diária dos americanos ( e, por defeito, do resto do mundo)», de acordo com os press realeases do filme. Por outras palavras, Moore apresenta-se à sua audiência como um político que tem alguma coisa para dizer e nós iremos julgá-lo e ao seu filme, em primeiro lugar, a essa luz.
Muitos elementos no filme são de louvar. Em primeiro lugar, como se disse em cima, uma simpatia genuína por uma população sofredora.
O documentário, por exemplo, rebate as alegações dos especialistas dos media e da administração Obama, de que as vítimas dos empréstimos predatórios pelos bancos são, em parte, culpados pelo colapso económico. Em vez disso, Moore demonstra como os salários, pensões e os serviços de saúde dos trabalhadores foram dizimados no último quarto de século, quando tomou lugar a transferência colossal de riqueza para a elite financeira.
O filme começa por comparar jocosamente Roma antiga à América dos nossos dias – grande desigualdade social, escravatura, um regime que aplica a tortura (uma imagem do antigo Vice Presidente Dick Cheney aparece no ecrã). A configuração global do filme é-nos familiar, talvez demasiado familiar. Moore faz a narração, assim como as entrevistas e a provocação. Algumas vezes, através da inteligente utilização da televisão e de filme clipes ele afirma os seus pontos de vista e dos seus entrevistados.
E realça alguns dos crimes do sistema. No começo do filme, uma família de Lexington, Carolina do Norte, assiste ao seu próprio despejo da casa por uma força policial de número excessivo. próxima cena, passa-se em Detroit. Um carpinteiro prega tábuas ao redor da residência de uma família, zangada e angustiada - a casa que fora deles durante 41 anos. «isto é o capitalismo – um sistema de dar e tirar – a maior parte das vezes de tirar,» diz Moore num comentário em voz off.
«Num país governado como uma empresa», há outros incidentes realçados no filme.
A família de um trabalhador deficiente dos caminhos-de-ferro em Peoria, Illinois, perde a sua casa de 20 anos. Com mais uma humilhação, o banco contrata a família para desocupar e limpar a execução da hipoteca da propriedade por mil dólares.
Em Dezembro de 2008, a firma «Republic Windows and Doors» de Chicago, é ocupada por trabalhadores devido a dinheiros que lhes são devidos pela colocação de persianas numa companhia. Eventualmente, conseguem obter uma média de 6.000 dólares cada um, mas a firma fecha as suas portas.
Pilotos de companhias aéreas de voos regionais e regulares ganham tão pouco que os seus patrões avisam-nos a não pedirem senhas de comida quando estão uniformizados.
O co-piloto do voo 3407 da «Continental Connection», que caiu em Fevereiro de 2009, ganhou tão pouco como 16.000 dólares o ano passado.
Bancos e empresas fazem as chamadas «campónio morto», apólices de seguros de vida para o seu pessoal, sendo as indemnizações pagas às empresas e não às famílias sobreviventes dos empregados.
Milhares de jovens foram encarcerados injustamente num centro de detenção juvenil privado em Wilkes-Barre, Pennsylvania, por ordem de dois juízes, que estavam a receber milhões em subornos dos donos do centro.
As imagens reais destes acontecimentos e os comentários emocionados dos que participaram neles, são de longe as características mais marcantes do Capitalismo. Moore assinala o ponto legítimo de que grande parte do país assemelha-se agora às condições miseráveis em Flint, Michigan, que ele apresentou em «Roger & Me».
Sem querer ser indevidamente duro para com Moore, devemos dizer que os seus filmes destacam-se em larga medida por defeito: por que as mais elementar verdades que ele aponta são sistemática e desgraçadamente ocultadas pelos noticiários dos media – e, por Hollywood também.
Mas que pensa Moore deste factos básicos da vida americana (globalmente, também)? Aqui vemos as suas severas limitações, como pensador e artista. A confusão e o que é impossível entender duma opinião pessoal, fora da crise actual, na base das suas análises.
Pouco se pode acrescentar a um entendimento da situação actual, com mais palhaçadas habituais de Moore; pondo cenas de crimes ao redor da seguradora AIG; levando um camião até ao Citibank, exigindo o reembolso do dinheiro público desembolsado ao abrigo do Plano TARP (Troubled Asset Relief Pragram) do governo federal; tentando entrar na sede da GM em Detroit, uma vez mais. Os estratagemas da tentativa de conseguir uma "prisão de cidadão" para uma empresa saqueadora gastaram-se para um ponto muito difícil.
Algumas piadas, dele ou de outras pessoas, ainda nos divertem. Um apelo de gozo musical a turistas para que visitem Cleveland, confirma o que dissemos: «Vejam o nosso rio que pega fogo...é tão poluído que todos os nossos peixes têm SIDA... vejam o sol quase três vezes por ano... comprem uma casa pelo preço de um gravador de DVD... A nossa principal exportação é uma depressão atroz...Mas, pelo menos, não somos Detroit»!
O filme é desarticulado e confuso. Moore tem grande dificuldade em separar o essencial do que não é essencial. Não faltam atrocidades sociais na América. O realizador introduz-nos, com indignação, junto dos «condo vultures» (conselheiros sobre propriedades) e «bottom feeders» (perdedores que beneficiam do dinheiro dos outros), que por 25 cêntimos se apropriam das propriedades hipotecadas.
Que esperava o realizador?
Com demasiada moralização e sentimentalidade, e até com manipulação, continua Moore com a desagradável tendência a deixar a câmara pairar sobre os rostos angustiados das suas vítimas sociais.
Todavia, as fraquezas mais evidentes estão no seu apoio permanente ao Partido Democrático e a Obama, e a sua falta de habilidade para propor uma alternativa séria para o sistema capitalista.
O seu filme é dominado por uma contradição interna: entre os duros factos sociais que ele apresenta está à mesquinhes das suas soluções políticas. «Capitalism: A love story» advoga disparatadamente a «eliminação» do sistema do lucro, ao mesmo tempo que elogia um dos partidos políticos, e esse partido é uma figura dominante que preside a esse sistema.
Enquanto esfola os óbvios corruptos Democratas (Christopher Dodd, Richard Halbrooke), dá um palco a outros dos seus porta-vozes, especialmente os que se apresentam como «populistas». Por exemplo, à Republicana Marcy Kaptur, do Ohio, é dada larga cobertura no filme. Kaptur, como um Dennis Cucinich (pré-candidato às eleições de 2004 e 2008, pelo Partido Democrático), é capaz de grandes quantidades de demagogia acerca de Wall Street e Goldman Sachs (Banco de investimentos), mas é uma acérrima defensora da política militar, uma proteccionista, uma feroz anti- comunista e uma oponente do aborto.
Quanto a Obama, Moore é obrigado a mencionar de passagem, que o Goldman Sachs deu o maior contributo para a sua campanha presidencial em 2008. Robert Rubin, Lawrance Summers e Timothy Geithner, o «Brain Trust» do Governo «Goldman» de Obama, é alvo de suspeitas - mas sem qualquer menção ao próprio presidente. O Capitalismo menciona acontecimentos que ocorreram na Primavera de 2009, na altura em que o carácter de direita da administração Obama se havia denunciado, quer nas frentes nacionais quer no estrangeiro, e Moore ficou silencioso sobre isso.
Ele é um daqueles que invariavelmente evoca Franklin D. Roosevelt como derradeiro reformista, mas Roosevelt, um astucioso representante da burguesia americana, viveu noutro tempo. O que resta da herança do Partido Democrático sobre reforma social, em particular sob a forma de «reforma» dos cuidados de saúde, está hoje a ser atacada por um presidente a quem Moore se refere como - possível - Roosevelt do século XXI.
O realizador, apresenta-se como uma espécie de «socialista cristão», e oferece um fórum a vários bispos e padres em áreas devastadas, como em Detroit e Chicago, onde a Igreja explora o sofrimento e as ilusões de alguns dos mais pobres entre os pobres, para pontificar sobre os males sociais. O bispo de Chicago é filmado a pregar sermões e a dar a comunhão a trabalhadores da «Republic» durante a ocupação.
O seu argumento, repetido várias vezes, de que o capitalismo é perverso, é falso. É um sistema socioeconómico que surgiu sob certas condições objectivas e era inteiramente revolucionário e progressista quando apareceu. O carácter parasitário do capitalismo contemporâneo está atado ao seu declínio histórico, e não, em primeiro lugar, à depravação moral das suas figuras principais.
No momento culminar do filme, Moore reclama a substituição do capitalismo...pela «democracia». Que significa isso? Significa mais do que qualquer outra coisa, de que ele não tem a coragem política de mencionar socialismo.
Até ao ponto em que Moore acredita nas ideias ecléticas e não-históricas, ele defende Capitalism: A Love Story, mas está a iludir-se a si próprio. Ao ponto que ele tenta vender tais ideias a uma grande audiência, está a iludir os outros.
* Joanne Laurier e David Walsh são colaboradores assíduos de Worl Socialis Web Site
Este texto foi publicado no World Socialist Web Site no dia 6 de Outubro de 2009: www.wsws.org/articles/2009/oct2009/capi-o06.shtml
Tradução de João Manuel Pinheiro
Fonte:Site O Diário Info
Nenhum comentário:
Postar um comentário