terça-feira, 27 de outubro de 2009

MEIO AMBIENTE - O dia em que o rio Paraná protestou, mas foi vencido.

Como forma de manter viva a memória das Sete Quedas do Rio Paraná, cobertas por água em outubro de 1982, o sítio SopaBrasiguaia.com reproduz a primeira parte do especial “A Saga de Sete Quedas”, que relembra um dos episódios mais tristes de nossa história.

Através de relatos de brasileiros e paraguaios que presenciaram a morte dos maiores saltos do mundo (em volume d’água), bem como consultas a fontes bibliografias e jornalísticas, o objetivo desta saga é resgatar histórias esquecidas de um dos episódios mais tensos da fronteira entre Brasil e Paraguai.

A morte. O rio vira lago

Em 13 de outubro de 1982, o rio Paraná comecçou o seu protesto e depois de muita luta foi vencido no dia 26 de outubro do mesmo ano. Barrado pelas comportas do canal de desvio da usina de Itaipu, o caudaloso curso d’água era interrompido e represado por prepotentes “homens-formiga”, que julgavam-se no direito de violentá-lo e removê-lo de sua natureza milenar.

Barragem abaixo, o rio era apenas um filete, deixando à mostra rochas e terras que, desde tempos imemoriais, não saíam à superfície. Barragem acima, o rio juntava forças e tentava, a todo custo, romper a barreira de concreto, aço e terra comprimida que o represava.

Durante 14 dias, o Paranazão bravamente lutou para recuperar sua liberdade, usurpada por uma barreira de 196 metros de altura e oito quilômetros de extensão. Para vencê-la, o rio precisava subir, deixando-se levar pela premeditada e engenhosa armadilha do homem.

A “brincadeira”, como costumava dizer o General Costa Cavalcanti, diretor-presidente de Itaipu, chegava ao seu gran finale. O que era rio, virava lago. O que era terra, virava água. O que era beleza, estaria pronta para ser "aproveitada" e vendida como eletricidade.

“Quando o rio Paraná foi bloqueado, provocou um ruído tão estranho, dando a entender que ele estava reclamando, porque tinham tirado-o de seu percurso, como se tivesse parado um fluxo de milhares de anos”, relembra o barrageiro Silvino Schuroff, em entrevista gravada para o Memorial do Trabalhador da Usina de Itaipu.

Dois anos antes, no entanto, a maior do mundo já começava a demonstrar a que viera. Em 20 de outubro de 1978, o rio Paraná era desviado de seu leito e encaixado em um canal artificial. Tal mudança, comemorada com festa (e dinamite), foi a primeira mostra do holocausto que se seguiria.

Os sinais de que algo não estava bem foram percebidos, logo de cara, pelos pescadores, que dependiam das 129 variedades de peixes para extrair seu sustento diário. Repelidos pelo novo trajeto, dezenas de espécies deixaram de subir o rio, desovar e se reproduzir.

Em 1982, mais de 180 quilômetros de corredeiras e águas rápidas eram rapidamente substituídas por um lago de águas paradas, com profundidades de até 100 metros acima do nível original, ao qual não apenas os peixes, mas todas as espécies do ecossistema, já haviam se habituado e moldado.

Mais do que isso, o enchimento do lago alterava o ciclo subaquático. Sem o divisor natural formado pelas Sete Quedas de Guaíra, as espécies do Alto Rio Paraná, acima das quedas, ganhavam 180 quilômetros a mais de território; as espécies do Baixo Paraná, abaixo da usina, perdiam.

Para “minimizar” estes prejuízos e justificar seu papel de “protetora do meio ambiente”, ratificada nas décadas seguintes, em alienantes campanhas publicitárias, Itaipu mobilizava 200 homens, a bordo de lanchas e helicópteros, para resgatar os animais que ficavam ilhados enquanto as águas subiam.

O resultado da operação, batizada de Mymba-Kuera (pega-bicho), foi o resgate de 11 mil animais na margem brasileira e 10 mil na margem paraguaia do lago em formação. As cenas captadas pelas câmeras, exibidas à exaustão, transformaram o esforço em um verdadeiro show de mídia.

Enquanto isso, auxiliada pelas chuvas e pela abertura dos vertedouros das represas de São Paulo e Minas Gerais, a água subia. No sétimo dia, Santa Helena Velha e Itacorá já eram apenas história. Em todo o trajeto, árvores agonizavam, cobertas por uma lâmina de água cada vez mais espessa. A noite de 25 de outubro de 1982, 12º dia do dilúvio, ficaria para sempre na memória dos moradores de Guaíra e Salto del Guaíra. O lago se aproximava e, com ele, a desilusão. Contudo, ainda era possível ouvir o barulho das quedas, antes de dormir, e torcer para que tudo não passasse de um pesadelo.

Em 26 de outubro de 1982, há exatos 27 anos, as águas do lago chegavam aos saltos. No dia seguinte, às dez horas da manhã, o último centímetro de rocha era coberto pelo charco barrento, vermelho, manchado de “sangue” devido ao covarde crime cometido pelo homem.

Em Itaipu, o rio Paraná atingia a cota de 220 metros acima do nível do mar, tocava o vertedouro e retomava seu curso em direção ao sul, reencontrando o Iguaçu e partindo em direção a terras argentinas. Em Guaíra, um estranho silêncio oprimia a tudo e a todos.

Sete Quedas? Não mais havia. Corredeiras? Não mais havia. Em seu lugar, apenas um lago, silencioso, estancado, alheio, indesejado. “Pior do que Itaipu, só mesmo o apocalipse”, exclamava o ambientalista Cláudio Araújo. E com razão.

Na batalha entre homem e natureza, como se este não fizesse parte dela, o homem vencera. Itaipu, a pedra que canta, silenciara o canto das águas. Itaipu, a represa binacional, assassinara as Sete Quedas.
Fonte:IHU

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