Por Mauro Santayana
Os sucessivos casos de suicídio na France-Telecom provocam, como é natural, além dos protestos crescentes, novas reflexões sobre o trabalho. A etimologia do termo não é boa: trabalho vem do vocábulo latino trepalium, que significava instrumento de tortura. Trabalhar nem sempre é uma tortura. Em algumas empresas capitalistas modernas, os percalços do emprego são amenizados, pela visão humanística de seus dirigentes, e a liberalidade conduz a melhores resultados econômicos. A produção do trabalhador é sempre menor quando ele se encontra aflito, seja pelas dificuldades familiares, ou pelas pressões e constrangimentos que sofre em seu emprego.
A sociedade industrial herdou, dos beneditinos, o controle do tempo. Os monges estabeleceram horários rígidos para as preces coletivas e para os trabalhos manuais a que estavam sujeitos, entre eles os de copistas. Antes do surgimento das empresas capitalistas de produção, os artesãos obedeciam ao prazo das encomendas, não aos horários estritos de trabalho. Podiam trabalhar mais, ou menos, e criavam em cada peça que faziam, o que lhes dava satisfação. No sistema de servidão das glebas, os trabalhadores não estavam sob a vigilância dos nobres; tinham suas obrigações, e as cumpriam, em troca da hipotética proteção de que se valiam.
Os escravos trabalhavam de sol a sol, mas os feitores eram atentos para que a demasiada exaustão não significasse a perda da saúde do cativo, que era um bem de capital. Com o desenvolvimento do capitalismo, principalmente no século 19, o trabalho se tornou maldição. A lógica seria a de que, com o surgimento dos motores a vapor, o aumento de produção viesse a aliviar o trabalho. A exacerbação da busca do lucro estendeu a jornada, nas minas e nas fábricas, até 16 horas diárias, de domingo a domingo na Inglaterra do século 19.
O que se passou na etapa de acumulação capitalista repetiu-se, nestes últimos 30 anos, com o neoliberalismo. Os novos processos de produção, resultados da tecnologia, conquista da inteligência histórica do homem, deveriam resultar em menor tempo de trabalho ou em aumento proporcional de salários, o que manteria o mercado em equilíbrio. As pressões e constrangimentos a que estavam submetidos os operários braçais se estendem hoje aos trabalhadores de colarinho branco. Os executivos médios das empresas sofrem o acosso permanente dos diretores, e os diretores, por sua vez, são pressionados pelos controladores – geralmente grandes instituições financeiras, que administram o dinheiro dos acionistas anônimos, e de vez em quando o desviam, como se viu em Wall Street.
Os serviços públicos foram particularmente atingidos, com a privatização. Como a moral do novo liberalismo é obter o máximo no mínimo de tempo, a competição entre os operadores, principalmente os dos serviços de telefonia, é enlouquecedora. O neoliberalismo entrou em declínio, mas os seus efeitos mais perversos, como os das relações de trabalho, continuam matando, como as gangrenas incuráveis. O sistema financeiro é avassalador e insaciável. Agora mesmo isso se evidencia, com a grita geral dos bancos brasileiros e dos chamados consultores econômicos, contra a taxação dos capitais estrangeiros especulativos, que estão jogando com a valorização do real, e prejudicando a economia brasileira. A medida é ainda tímida: para o saneamento da economia nacional é preciso ir além. Na Europa já se propõe a taxação forte dos bancos, a fim de que paguem pela ajuda recebida durante a crise que provocaram.
Fonte:JB
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