José Faria Pinto, de 55 anos, Márcia Cristina Tayt-Sohn, 47 anos, Norival Ferreira da Silva, 39 anos, Sonia Maria de Oliveira, 39 anos. Quatro histórias de vida de agricultores ligadas pelo mesmo drama: a intoxicação por agrotóxicos, que usam desde a infância.
A reportagem é de Cássia Almeida e publicada pelo jornal O Globo, 25-10-2009.
No país que é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, os casos de intoxicação aguda e crônica são pouco registrados.
Mesmo assim, o Censo Agropecuário, divulgado no mês passado, conseguiu identificar, pelo menos, 25.008 casos de intoxicação, número que é 300% superior ao das notificações oficiais.
Em 2006, ano do Censo, o Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz, registrou 6.297 contaminações.
Em 2007, foram 6.260, a maioria ligada ao trabalho. Em 2007, 209 pessoas morreram intoxicadas por agrotóxicos.
Os herbicidas, fungicidas e inseticidas foram usados em 1,396 milhão de fazendas. Número 53% superior ao de 1996, quando foi realizado o Censo Agropecuário anterior.
Foi na aplicação quase diária desses venenos na lavoura de tomates que Márcia Cristina Moore Tayt-Sohn contraiu uma lista de doenças. Moradora na Região Serrana, desde criança trabalha no campo. Aos 47 anos, já perdeu a audição do ouvido direito, tem problemas de visão e nas unhas. No último ano, perdeu cerca de dez quilos. Dores no estômago a acompanham. Depois de passar de médico em médico, sem solução, a verdadeira doença começa a ser tratada por especialistas da UFRJ: intoxicação crônica por venenos usados na lavoura.
— Só consigo dormir tomando calmantes, e as dores me perseguem. Os médicos faziam exames e não achavam nada.
Consumo de agrotóxico cresceu 255% desde 2002 Os casos captados pelo Censo dão conta apenas das intoxicações agudas, quando o agricultor chega ao hospital com vômitos, diarreias e tonturas.
Com esses sintomas, Sônia Maria de Oliveira foi parar no pronto-socorro duas vezes.
— Não consigo sentir o cheiro do veneno que passo mal. O médico me proibiu de usar. Agora, só usamos produtos orgânicos — diz Sônia, que sofre de anemia e hipoglicemia.
No Brasil, o mercado de agrotóxicos foi de US$ 7,1 bilhões em 2008, acima dos US$ 6,6 bilhões dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, e 255% maior que o gasto em 2002, que foi de US$ 2 bilhões.
Elpídio de Freitas, pesquisador da Coordenação de Recursos Naturais e Estudo Ambiental do IBGE, levantou mais números no Censo. O pulverizador costal, usado com o recipiente de veneno preso às costas e que expõe mais o agricultor, foi adotado em 84,7% dos locais onde os produtores rurais informaram casos de intoxicação.
Esse tipo de equipamento foi usado em quase 70% das fazendas que aplicaram agrotóxicos em 2006: — É o equipamento com maior potencial de exposição e o mais usado. Como é colado nas costas, qualquer vazamento atinge o trabalhador.
Darci e Norival da Silva, também agricultores da Região Serrana do Rio, aplicaram agrotóxicos desde a infância. Usavam esse equipamento sem qualquer proteção.
— No fim do dia, a bota já estava cheia do remédio, que encharcava a roupa também.
Não sinto enjoo ou tontura. Só uma fraqueza nos ossos, o corpo fraco. E não consigo mais engordar, quase não sinto fome ou sede — conta Darci, 59 anos, que sofre de artrose avançada a ponto de fazê-lo andar curvado, mas sem deixar o sorriso sumir do rosto.
Dados oficiais não retratam a realidade, diz especialista O irmão Norival tem leucopenia, número baixo de leucócitos no sangue que pode facilitar a presença de infecções.
A exposição a produtos químicos é uma das causas desse tipo de mal. Além disso, uma depressão profunda o atingiu há mais de dez anos. Segundo o médico Armando Meyer, professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFRJ, os inseticidas são neurotóxicos e podem provocar depressão.
José Faria Pinto, aos 54 anos, parou de trabalhar há dois anos. Num dia de sol, que passou com o filho caçando passarinhos, tomou um vidro de chumbinho. Passou quatro dias no CTI. Desde então toma antidepressivos.
— Foi a desgraça da minha vida. Tinha uma vida boa. Sempre apliquei veneno, desde os 15 anos. Meu rosto chegava a ficar branco do veneno. Sinto a cabeça pesada, um zunido que não para. Só me sinto melhor deitado. Não vejo mais televisão e não saio da cama — conta o agricultor, que é pai de quatro filhos e avô de dois netos.
Letícia Nobre, doutora em saúde pública da Universidade Federal da Bahia, lembra que os dados oficiais brasileiros não retratam a realidade do país.
— São insuficientes, parciais, fragmentados, desarticulados e dispersos em várias fontes.
Fonte:IHU
Um comentário:
Fico feliz em ver que pessoas como voce se sensibilizam com assuntos como este. Tambem li a reportagem e sou testemunha da situacao critica desta regiao. Conheço pessoas que vivem da lavoura porem nessas condicoes . Gostaria de mover algum movimento para conseguir apoio do governo ou privado para incentivar esses agricultores a migrarem para o cultivo organico.
Christiane Oliveira
Empresaria
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