segunda-feira, 9 de novembro de 2009

EL SALVADOR RECONHECE RESPONSABILIDADE NO ASSASSINATO DE DOM ROMERO.

O arcebispo salvadorenho Óscar Arnulfo Romero foi assassinado no dia 24 de março de 1980. Suas últimas palavras, pronunciadas um dia antes na catedral de San Salvador, foram dirigidas aos militares: "Estão matando seus próprios irmãos agricultores. Nenhum soldado tem que obedecer a ordem de matar. Já é tempo de que recuperem sua consciência. Em nome de Deus e em nome desse povo sofrido, suplico-lhes, rogo-lhes, ordeno-lhes, cesse a repressão". Só um disparo no peito, exatamente no momento de erguer o cálice na capela de um hospital, pôde calar sua voz. Mas ao disparou uniu-se a guerra civil (1980-1992) e, mais tarde, os longos anos que um partido de direita, a Aliança Republicana Nacionalista (Arena), governou o El Salvador, partido cujo fundador, Roberto D'Aubuisson, foi também o autor intelectual do assassinato, segundo determinou a Comissão da Verdade. Mas a história já está mudando.

A reportagem é de Pablo Ordaz, publicada no jornal El País, 07-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Começou-se a notar isso na noite do último dia 15 de março. Mauricio Funes (foto), o candidato da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), acabava de ganhar as eleições. Pela primeira vez, a esquerda ia governar El Salvador. Funes tirou o terno e a gravata, pôs-se uma guayabera branca [camisa típica da América Central] – sob a qual aparecia um colete à prova de balas – e se dirigiu com toda pressa a uma praça onde uma multidão vestida de vermelho o esperava. Ali, como se estivesse levantando uma bandeira, o candidato dos velhos guerrilheiros convocou a memória de Dom Romero: "Ele disse que a Igreja tinha uma opção preferencial pelos pobres. Eu farei isso. Favorecer os pobres e os excluídos".

Não tinha sentido que Funes, já presidente, iniciasse um trabalho tão ingente sem começar reconhecendo o que até agora os sucessivos presidentes de El Salvador – todos muito católicos – haviam negado: a responsabilidade do Estado no assassinato de quem foi chamado de "a voz dos sem voz". Na última sexta-feira, em Washington, uma representação do governo salvadorenho se comprometeu diante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), a realizar uma investigação judicial completa para "identificar, julgar e sancionar" todos os autores, materiais e intelectuais, do assassinato. Dessa forma, o governo de El Salvador reconhece, pela primeira vez e de forma plena, a autoridade do órgão e o caráter vinculante de suas recomendações.

O passo é grande, mas inicia um caminho cheio de obstáculos. Para começar, existe desde 1993 no El Salvador uma Lei da Anistia que bloqueia qualquer investigação sobre os crimes cometidos durante a guerra. Sua anulação, como lembrou Juan José Figueroa, porta-voz da chancelaria salvadorenha, não depende do governo, mas sim da Assembleia Legislativa. Porém, a FMLN já tem representação suficiente na Assembleia para propôr, com certas garantias de êxito, a derogação da lei.

Segundo Figueroa, o governo de Mauricio Funes se comprometeu desde já a levar a cabo as outras recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: "Uma é batizar uma praça com o nome de Dom Óscar Arnulfo Romero. A outra consiste em realizar um vídeo para resgatar o legado moral e espiritual do arcebispo".

Já que não em vida, pelo menos devolver a voz àquele que levantou a sua pelos que não a tinham... e que ainda não a têm.
Fonte:IHU

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