Editor da revista Temas desconstrói discurso anti-Cuba do El País
A entrevista ao diretor da prestigiada revista cubana Temas, Rafael Hernández, feita pelo correspondente de El País em Havana é um documento exemplar. A sua leitura ajuda a compreender como os meios de comunicação hegemônicos se posicionam em relação a Cuba, e como os cubanos veem a presente situação na ilha.
Rafael Hernández (RH): "Mercenário (diz a Real Academia) é o que "por um pagamento serve na guerra um poder estrangeiro», e "o que recebe um pagamento pelos seus serviços», a pergunta correta deveria ser: os dissidentes estão a receber um pagamento e a servir os interesses do Governo dos Estados Unidos, o anticomunismo europeu e internacional? O menos, é recebam apoio monetário; o pior é que esse poderes estrangeiros os apoiam. Na política o que importa não são as boas intenções, mas os interesses com que cada um se associa.
MV: - O governo dá a imagem de uma oposição totalmente identificada com os EUA… Assim, como se pode ter legitimidade?
RH: - O que diz o governo cubano é o que menos importa; o que importa é que o Departamento de Estado, os comités do Congresso dos EUA, o exílio cubano-americano os tratem como seus aliados. O que condiciona o seu quefazer é o dizem deles Hillary Clinton, John Kerry ou Jorge Mas Santos.
MV: - Que espaço têm para se expressar os que honestamente se opõem ao regime?
RH: - Mais que qualquer cidadão ou instituição cubana. Tudo o que fazem, dizem ou inclusive pensam todos os dissidentes (honestos, judiciosos, oportunistas, desequilibrados) aparece instantaneamente nos mais poderosos meios de comunicação, as suas imagens popularizam-se no Youtube, e isso ressalta para dentro de Cuba. Supor que não são conhecidos porque as suas fotos não saem no [diário] Granma é subestimar os cubanos.
MV: - A revista Temas é um dos poucos espaços de debate em Cuba, e com limitações. Pode sobreviver a uma sociedade que desconfia e silencia institucionalmente a discrepância?
RH: - O debate que a revista Temas acolhe inclui os intelectuais, os académicos, os escritores, mas também essa sociedade civil que está mais viva que nunca, e qualquer um pode ouvi-la por todo o lado se quiser ouvi-la. Os discursos de Raúl Castro não apelam ao silêncio, mas à discrepância, e qualificam a burocracia como obstáculo à mudança. Aqueles que justificam o seu silêncio com a alegação de uma forçada autocensura, sempre encontrarão desculpas para se calarem.
MV: - Alguns analistas pensam que a pressão internacional depois da morte de Zapata reforça os sectores mais imobilistas…
RH: - Naturalmente que as pressões externas reforçam a ortodoxia, isso não é nenhuma descoberta. O pior é que, apesar do seu efeito contraproducente, essa pressão pode continuar. Seria ingénuo explicá-la a partir do que se passa ou não passa em Cuba; depende das manobras do Parlamento Europeu ou do Comité de Relações Exteriores dos Estados Unidos.
MV: - Os Estados Unidos têm a culpa toda?
RH: - Este seria um país infinitamente mais próspero e democrático se eles deixassem de meter-se nos nossos assuntos. Tem sido assim nos últimos duzentos anos.
MV: - O governo agora está encostado à parede… O que é que encurrala mais, o “caso Zapata” ou a delicadíssima situação económica, a apatia dos jovens, a demora em renovar o modelo?
RH: - Não é caso para ficar apocalíptico. Já houve situações económicas piores, para não falar das tentativas de isolar Cuba. Isto não é uma coisa de jovens ou velhos, sobretudo num país com mais velhos que nunca na sua história. Atribuir a todos os jovens cepticismo e vontade de emigrar é outra simplificação. A maioria dos cubanos, jovens e velhos, querem mudanças, especialmente no seu nível de vida. O recente discurso de Raúl [N. do T.: ver “Cuba não teme a mentira” em http://www.odiario.info/?p=1554] enumera debilidades do modelo: centralização, burocratização, ineficiência, etc. Esses são os nossos problemas reais.
MV: - Já é um lugar-comum dizer que os cubanos estão mais preocupados com a comida que com os direitos humanos, com a prosperidade que com a liberdade. É uma frase feita ou é verdade?
RH: - A política e a economia não estão separadas. A democracia real, isto é, a descentralização do sistema, a participação cidadã, o controle desde baixo, a expressão da discrepância são essenciais para transformar o modelo econômico. Trata-se, naturalmente, da “nossa política”, não da que querem prefabricar-nos.
*Mauricio Vicent, há muitos anos correspondente do El País em Cuba notabilizou-se, mais do que por qualquer outro motivo, pela sua animosidade ao regime cubano.
**Rafael Hernandez, diretor da prestigiada revista cubana Temas (publicação trimestral, www.temas.cult.cu/), é um dos mais prestigiados intelectuais cubanos que não esconde as suas críticas ao regime.
**Rafael Hernandez, diretor da prestigiada revista cubana Temas (publicação trimestral, www.temas.cult.cu/), é um dos mais prestigiados intelectuais cubanos que não esconde as suas críticas ao regime.
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