Por Cristian Klein
Apesar da polarização, do Fla-Flu, que se tornou a política brasileira, entre o PT e o PSDB, ou da competição em sentido mais amplo, com o G-4 que inclui ainda o PMDB e o DEM, um dos partidos mais interessantes de se observar nos últimos anos é o PSB. Por várias razões, ele tem se revelado um retrato do sistema partidário brasileiro e de suas contradições.
O Partido Socialista Brasileiro é a legenda que abriga, desde o fim do ano passado, um dos nomes mais representativos do capitalismo no país, o empresário e presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Trata-se da entidade patronal mais associada aos interesses do capital no Brasil. Por mais que muitos ainda considerem o quadro partidário brasileiro um amontoado de siglas sem consistência ideológica – o que, diga-se, não é comprovado por estudos sobre o assunto – a filiação de Skaf causou surpresa.
Um empresário socialista não faz sentido. Tudo bem que nos primórdios do socialismo houve quem tentasse encontrar uma síntese, como Robert Owen (1771-1858) e Charles Fourier (1772-1837), com experiências de comunidades, cooperativas, rotuladas mais tarde por Marx e Engels de socialismo utópico. Mas a tradição que prevaleceu foi a do conflito. Entre as regras mais básicas de qualquer manual de sociologia política, se houvesse algum, é que as preferências políticas de um cidadão mudam de acordo com seu posicionamento no sistema de produção. Um operário que deixa de ser empregado, monta seu próprio negócio e contrata funcionários tem uma altíssima probabilidade de rever sua visão política. Seus interesses, como patrão, agora serão diferentes, contraditórios, aos do trabalhador. Os programas, os discursos dos partidos refletem essas diferenças.
Obviamente, o comportamento político nem sempre é egoísta ou se reduz a essa dimensão econômica. Cada vez mais partidos e líderes surgiram ao longo do tempo para dar conta ou ativar outros tipos de causas, interesses, identidades – religiosas, étnicas, de gênero etc. A bandeira do meio ambiente, por exemplo, é a que mais avançou dentro do movimento que se convencionou chamar de pós-materialismo. Mas a disputa política sempre se dará em torno do conflito de classes ou de estratos sociais.
Voltando às características do PSB, a filiação de Paulo Skaf foi uma demonstração de quanto as siglas brasileiras podem ceder em questões que lidam com a imagem, a marca partidária. De fato, nenhuma legenda no país – e talvez no mundo – é tão rigorosa a ponto de recrutar membros com perfis homogêneos. Uma das explicações mais plausíveis para o que ocorre no PSB é o fato de o partido estar aproveitando seu recente crescimento, notado sobretudo pelo aumento de sua bancada na Câmara. No estável quadro do Legislativo nacional, eleição após eleição, o que mais sobressai é a queda do DEM e a subida dos socialistas. Ao crescer mais, o PSB vai virando um partido catch-all, ou seja, que dilui seu programa em troca de mais apoio eleitoral. É um fenômeno que também atingiu o PT. A eleição, em 2000, de Jorge Babu (hoje filiado ao PTN), figura sem qualquer relação com o perfil dos petistas, para a Câmara Municipal, foi um sintoma da estratégia do partido.
O PSB, além de abrir as portas para o empresário Skaf, numa possível candidatura ao governo de São Paulo, “contratou”, para a disputa a deputado federal, no Rio, o ex-jogador de futebol Romário, que chegou a trocar o nome do partido no discurso durante a cerimônia de filiação, em setembro do ano passado. “Estou contente em me filiar ao PSDB”, disse. Após ser corrigido, passou a decorar em voz baixa a sigla correta: “PSB, PSB, PSB...”
Por outro lado, o PSB também tem sido exemplo de uma maior dose de partidarismo em detrimento do tão criticado personalismo. Nunca se viu um político enfatizar tanto a força do partido quanto Ciro Gomes na luta que trava para emplacar sua candidatura presidencial. Logo ele, o político nacionalmente mais conhecido do PSB. No recente artigo/desabafo, escreveu: “Eu cumprirei com disciplina e respeito democrático o que decidir meu partido. Respeito suas lideranças. Mas, tenham meus companheiros clareza: eu não desisto!” Ciro também poderia ter dito: “Meu partido é um coração partido“.
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