Lessa: "Fiz uma hecatombe para evitar privatização do BNDES"
Hélvio Romero/Agência Estado O ex-presidente do BNDES Carlos Lessa avalia que o PSDB "não vai ficar outra vez acuado" no debate sobre as privatizações. "Lula continuou privatizando" |
Claudio Leal
Ponto incômodo e decisivo no segundo turno da eleição presidencial de 2006, vencida por Lula (PT), as privatizações da era Fernando Henrique Cardoso persistem como um tema a crispar lideranças tucanas no debate político.
Neste abril de 2010, no lançamento da pré-candidatura de José Serra (PSDB) à presidência, o ex-governador mineiro Aécio Neves pisou no recalque ao defender o legado de FHC, não por coincidência sentado a seu lado no evento: "Privatizamos, sim, setores que precisavam ser, como a telefonia (...), que negaram espaço à eficiência".
No mesmo 10 de abril, em São Bernardo do Campo (SP), o presidente Lula reanimou o discurso que emparedou Geraldo Alckmin (PSDB) em 2006. "Sou um homem de boa índole, mas em um momento auspicioso, o ex-governador de Minas (Aécio) disse que eles reforçariam as privatizações e foi muito aplaudido. Foi o momento de maior aplauso na festa dele. Eu não quero esses aplausos", Lula refugou.
Mas há incertezas sobre o retorno (e a eficácia) dessa estratégia. Para o economista Carlos Lessa, "o PSDB não vai ficar outra vez acuado".
- Acho que eles vão dizer que o Lula continuou privatizando. Houve as concessões ferroviárias, o processo do pré-sal, a proposta de privatizar a Infraero, as ações do Banco do Brasil na Bolsa de Nova York. O discurso de Dilma na reforma do setor de energia é rigorosamente o de Fernando Henrique.
Dos arquivos implacáveis dos petistas, começa a ser desempoeirado o "Memorando de Política Econômica", de 8 de março de 1999, texto-compromisso do governo brasileiro com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial - no jargão tecnocrático, "os desenvolvimentos econômicos que levaram à formulação do programa do governo brasileiro apoiado pelo FMI Banco Mundial BID BIS".
O Jornal da CUT (Central Única dos Trabalhadores), no número 24, remoeu a promessa de privatizar os bancos federais, feita pelo PSDB. No item 18, a equipe econômica de FHC afirmou: "com determinação o governo dará continuidade à sua política de modernização e redução do papel dos bancos públicos na economia".
No trecho mais polêmico, o itinerário a ser traçado: "o Governo solicitou à comissão de alto nível encarregada do exame dos demais bancos federais (Banco do Brasil Caixa Econômica Federal BNDES BNB e BASA) a apresentação até o final de outubro de 1999 de recomendações sobre o papel futuro dessas instituições tratando de questões como possíveis alienações de participações nessas instituições fusões vendas de componentes estratégicos ou transformação em agências de desenvolvimento ou bancos de segunda linha (...)".
Ações não-votantes da Petrobras foram empenhadas: "O Governo pretende acelerar e ampliar o escopo do programa de privatização - que já se configura como um dos mais ambiciosos do mundo (...) O Governo também anunciou que planeja vender ainda em 1999 o restante de sua participação em empresas já privatizadas (tais como a Light e a CVRD) bem como o restantes de suas ações não-votantes na PETROBRAS."
- Isso daí (memorando) é o chamado poropopó. Concordam com a orientação do FMI pra tomar o empréstimo. O FMI sempre quis desmantelar o BNDES, porque é um instrumento de soberania nacional - sustenta Carlos Lessa.
A economista Maria da Conceição Tavares, 80 anos, ex-deputada federal do PT, foi uma das principais críticas do programa de privatizações. Agora, acredita que a desestatização não está em pauta, "a não ser que seja para defender Fernando Henrique".
- Quando Fernando Henrique pediu dinheiro ao Fundo, eles recomendaram privatizar tudo, inclusive o Banco do Brasil e a Petrobras. Mas o Fernando não privatizou. Tentaram privatizar por dentro. Naquela época o Fundo era a favor. Não sei o que acha hoje. Como o neoliberalismo deu mau resultado...
Primeiro presidente do BNDES do governo Lula (2003), Carlos Lessa rememora, em entrevista a Terra Magazine, a existência de um processo de desmonte do banco, iniciado nos anos 90.
- Meus dois antecessores no BNDES estavam preparando o banco para morrer. Queriam convertê-lo em banco de investimento, para depois dizerem: não precisamos de um banco de investimento. Expliquei tudo isso a Lula. Tanto que Lula me deu uma carta branca. Demiti todos os quadros, não sobrou um. Fiz logo uma hecatombe! Demiti cento e tantos. Aí a Miriam Leitão me atacou, não é? - ironiza Lessa.
Lessa: "Aécio fez discurso de ultradireita"
Padrinho de casamento do ex-governador paulista, Lessa ressalta que José Serra "não tem uma cabeça privatista". O economista revela uma teoria para explicar o discurso desabrido de Aécio Neves em defesa das privatizações, uma temática espinhosa para os serristas.
- O Lula fez a campanha de reeleição atacando o 'picolé de chuchu' (Geraldo Alckmin) como privatizante. Acredito que os tucanos criaram uma defesa contra esse argumento que o Lula pode lançar. O Aécio saiu com um discurso de ultradireita pra conquistar os conservadores, pegar o apoio dos bancos e encurralar o Serra.
Maria da Conceição concorda com o ex-aluno: "O Lessa está certo. Não custa nada ao Aécio chatear o Serra. Ele não é o candidato".
Na contracorrente de boa parte dos economistas, Lessa não considera "impossível" a privatização do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do BNDES - "Eles fazem qualquer coisa".
- No BNDES, sofri pressões intensas. A imprensa me demitiu 73 vezes. Claro, eu não gastava dinheiro com propaganda. Nunca achei necessário o BNDES fazer propaganda. Resultado: na 74ª vez, Lula me demitiu.
Lessa reconhece, no entanto, que o primeiro governo de Lula modificou os planos privatistas no setor bancário. Naufragaram os propósitos do "Memorando de Política Econômica" de FHC.
A pré-candidata Dilma Rousseff (PT) tomou aulas com Carlos Lessa na Unicamp. O ex-professor avalia que ela se comportou "direitinho" na Casa Civil. "Só implodiu a Varig", ressalva. "Dilma tem uma enorme abertura para o que dê certo pra carreira dela. Se for pra direita, vai de choque de privatização."
Apesar das investidas desestatizadoras em outros setores, a gestão petista pode incluir um dado a mais no seu memorando de robustecimento dos bancos federais. Ontem, o argentino Patagonia anunciou a venda de 51% do seu capital votante ao Banco do Brasil. A compra do controle está orçada em US$ 479,66 milhões.
Berzoini: "PSDB vendeu tudo em SP"
Entre as privatizações traumáticas do governo do PSDB, lideram as da Telebras e da Companhia Vale do Rio Doce. Numa entrevista ao repórter Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, em 5 de novembro 2006, o publicitário da campanha de Dilma Rousseff, João Santana Filho, expôs o uso da isca privatista na reeleição de Lula, a partir de sondagens sobre o imaginário brasileiro:
- Nós tínhamos alinhado alguns dos temas de intensa fragilidade e de imensa comoção política. Estava em primeiro lugar a privatização... Primeiro, há um eixo profundo, histórico. Um eixo cívico-épico-estatizante que vem de Getúlio Vargas, com a campanha "o petróleo é nosso". O outro eixo são "as tramas obscuras". Não quero questionar como foram feitas as privatizações no governo FHC, mas o fato é que o processo ficou na cabeça das pessoas como se algo obscuro tivesse ocorrido.
Alckmin negou a pecha de privatista, mas, em debates e comícios, Lula mordia: "O que eles querem? Vender o restante das coisas que não venderam no governo passado. Querem privatizar o que resta neste país. Coisas importantes, como a Petrobras, o BB e a CEF. Como eles nunca trabalharam, querem vender o que têm", discursou em Duque de Caxias (RJ), em 11 de outubro de 2006.
Ex-presidente do PT, o deputado federal Ricardo Berzoini aposta que o "tema mais forte" da campanha será o "papel do Estado na América do Sul". Formado no movimento sindical dos bancários, ele identifica uma polarização entre os que priorizam o Estado reduzido e os que acreditam que ele pode cumprir um papel de execução na área econômica e social".
Berzoini defende a pertinência da questão, em 2010, principalmente com os desdobramentos da crise financeira. E não descarta um flerte desestatizador dos tucanos contra o Banco do Brasil:
- No Estado de São Paulo, o PSDB vendeu tudo ao longo de 16 anos de governo. A Nossa Caixa só não foi privatizada porque o Banco do Brasil comprou. Não tem mais banco público em São Paulo. Pelo retrospecto, dá pra dizer que o PSDB não gosta de banco público e empresa pública.
Líder tucano: "São mentiras do PT"
Em entrevista ao Terra, o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, garante que José Serra não driblará os cacos de vidro lançados pelos adversários:
- Serra não vai evitar esse assunto. Algumas privatizações foram feitas e não foram desfeitas durante o governo que está aí. O Brasil está bem melhor com as privatizações do que antes. (leia aqui)
O líder do PSDB na Câmara, João Almeida, rejeita as "mentiras e fantasias" do PT. "Para nós, nunca foi delicado", diz.
- Aquilo foi um erro de campanha (Alckmin x Lula). Estamos prontos para debater a qualquer hora . Isso, de fato, nos distingue do PT. Acho bom que o tema apareça, ao invés de ficar na base da mentira.
Almeida afirma que as "pesquisas indicam que os brasileiros gostam de usufruir do sistema privado, mas são contra a organização desse sistema".
- Todo mundo acha o telefone celular uma maravilha, quer ter um, mas não entende que isso só foi possível depois que se privatizou o monstro Telebras. Essas críticas têm um viés patrimonialista - ataca o deputado.
O líder tucano admite que "dado a dificuldade em explicar" o programa de desestatização, o PSDB preferiu "deixar de lado". João Almeida rebate, porém, a insinuação de Berzoini a respeito de uma ameaça contra os bancos públicos:
- É uma especulação que não tem sentido. Privatizamos com respaldo, vencemos no Congresso Nacional. Não tem cabimento fazer essas ilações. São Paulo é uma coisa, o Brasil é outra coisa. Não há que se fazer um paralelo entre a Nossa Caixa e o Banco do Brasil. Eles confundem o debate com mentiras, com sofismas. A Nossa Caixa vendeu a parte do banco comercial, a do desenvolvimento permaneceu. Não tem sentido São Paulo ter um banco comercial. O Banco do Brasil é diferente, tem outra presença e importância para o País. Não é privatização a qualquer custo.
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