terça-feira, 20 de abril de 2010

EUA - Um Afeganistão no Quintal.

Do blog REDAÇÃO DA NOVAE.

(Chico Villela) A revista semanal Carta Capital, remanescente da dignidade e da confiabilidade da imprensa num mar de Vejas, Folhas e outros detritos editoriais, titula assim a notícia da guerra mexicana.

A Carta cita o general McCaffrey, “chefe do combate ao narcotráfico no governo Clinton”: “Ciudad Juarez é imensamente mais perigosa que Bagdá ou Cabul”. A nota abre com a informação de o chefe do Comando Norte, um dos seis centros de comando das forças armadas dos EUA, ter declarado estar treinando mexicanos “em operações muito parecidas às que executamos no Afeganistão e no Iraque”.

A mexicana Ciudade Juarez faz fronteira com a texana El Paso e é um dos centros do narcotráfico mundial. Seus números são exponenciais: 18 mil assassinatos nos últimos três anos, 2.253 só neste 2010 ainda no início.

Mas o mais interessante da nota da p. 21 da última edição, de 31 de março, é a notícia da visita ao país de uma comitiva raramente registrada: reuniu a secretária de Estado Hillary Clinton, a secretária de Segurança Nacional (interna) Janet Napolitano, o secretário de Defesa Robert Gates e o chefe do Estado-Maior Mike Mullen. Só faltou BHObama.

Todo esse aparato tem um objetivo: os EUA a partir de agora assumem o controle da guerra mexicana (que, em maior parte, envolve o narcotráfico, mas apresenta facetas sociais de aguda gravidade) e a aplicação de técnicas militares de Inteligência ao país. Ao presidente Felipe Calderón resta dizer sim, senhor.

A nota sugere reflexão. Parece ser natural que se apliquem técnicas militares de Inteligência após o fracasso das tentativas do governo mexicano de combater o poder paralelo do crime organizado. Parece ser natural que, num mundo em guerra dominado por estratégias e métodos militares, haja a sua extensão ao país latino-americano que há tempos vem se tornando cada vez mais um Estado vassalo da federação euamericana.

Há episódios que podem iluminar a cena; um deles ocorreu há alguns anos. A cidade musical e alegre de New Orleans foi castigada por um furacão anunciado meses antes e seguido por satélites e outros meios em seu caminho até a cidade do golfo do México. A previsível devastação foi seguida por cenas de desespero de uma maioria pobre, quase toda composta por negros, à qual faltaram meios de fuga, alimentos, água e assistência humanitária. No quinto dia o governo da dupla Cheney-Bush enviou à cidade contingentes da Blackwater, maior empresa de mercenários do mundo.

Na mesma ocasião, a Blackwater era a maior presença além do Pentágono nas guerras do Iraque e do Afeganistão. (Terminou por ser expulsa do Iraque após o escândalo do assassinato de 17 cidadãos sem qualquer justificativa que a mentira.) Em New Orleans, sua função básica foi proteger as propriedades de saques e depredação. Muitos moradores que se recusaram a retirar-se foram mortos, confundidos com ameaças à ordem. Milhares foram alojados em locais vizinhos, em condições de acampamento precário.

New Orleans e os acontecimentos recentes do Haiti, ocupado após um severo terremoto por cerca de 20 mil tropas e boa parte do poderio naval dedicado ao continente, revelam uma face do império em decadência contemporâneo que parece ser irreversível: a militarização da política externa dos EUA e o fortalecimento de um Estado policial interno.

Mas essa face decorre de outros fatores que se somam para conferir poder crescente às forças militares. O orçamento militar do país já ultrapassa 1 trilhão de dólares e é maior que os de todos os países somados do mundo. Esse cálculo inclui também os programas que não aparecem no orçamento aprovado pelo Congresso, mas que expressam aplicações e interesses militares.

A maioria das maiores universidades dos EUA mantém pesquisas financiadas pelo Pentágono, a ponto de analistas falarem hoje abertamente em militarização da pesquisa nacional. Após a exportação de boa parte das empresas industriais para países que propiciam mão-de-obra baratata e lucros maiores, como a China, a produção industrial interna (apenas cerca de 10% do PIB) é hoje apoiada na indústria de guerra e na crescente militarização da economia.

A ação e a presença militar dos EUA e da sua Inteligência em New Orleans, no Haiti e agora no México mostram dois fatos de simples compreensão. Um: é exatamente o que eles sabem fazer; desaprenderam e perderam o caminho de saber fazer algo além de ocupação militar, guerra e violência. Dois: combatem o que chamam inimigos, a exemplo do crime organizado, sempre no exterior. Mas deixam seus banksters do crime organizado financeiro, por exemplo, de mãos livres e cheios de capital subtraído ao contribuinte, preencherem cargos sem conta na administração do país.

Pobre México.

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