Pedro do Coutto
Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 numa dependência do II Exército em São Paulo, tem total razão em rejeitar a resposta do governo brasileiro à OEA que, acionada pela família, pediu informações sobre a morte do pai. Reportagem de Daniel Roncaglia, Folha de São Paulo de 22, focalizou a nova face do drama que aconteceu há 37 anos, mas vive na memória nacional.
Episódio que, inclusive, levou o presidente Ernesto Geisel a demitir o general Ednardo da Silva Melo daquele comando, substituindo-o pelo general Dilermando Monteiro. Num porão do II Exército funcionava o DOI-CODI, onde morreu também o operário Manoel Fiel Filho na mesma época. Começavam a desmoronar a ditadura militar e a tortura, como escreveu Élio Gáspari na obra que tornou histórica.
Voltando ao processo Herzog, a Organização dos Estados Americanos perguntou uma coisa e o Itamarati respondeu outra. Disse o Ministério das Relações Exteriores: não é possível abrir nova ação criminal para apurar a morte do jornalista Vladimir Herzog, por causa da lei de anistia. Nova ação criminal? – Não foi aberta nenhuma. E o que tem a anistia com isso? Se houve anistia, é porque há culpados. Caso contrário não teria sentido alegar o esquecimento legal.
Mas, através de Ivo, aliás presidente do Instituto que leva o nome do jornalista, a família Herzog não falou em reabrir coisa alguma. Busca somente a verdade, não a condenação. Para esse objetivo, a presidente Dilma Rousseff instituiu uma Comissão Especial. O Itamarati errou. Sobretudo porque o médico Harry Shibata, que emitiu o atestado de óbito (falso) já se dispôs, pelos jornais, a contar a verdade. Se deseja narrar a verdade, claro, é porque ela ainda não apareceu totalmente. E Shibata não está conseguindo enfrentar sua consciência sem contá-la.
A posição da chancelaria é contestada também pela diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional, Beatriz Afonso, que a considera contraditória com as afirmações da própria presidente Dilma Rousseff. Como a FSP publica na mesma edição, reportagem de Paulo Peixoto, foto do Arquivo Histórico de Juiz de Fora, Dilma afirmou em seu depoimento de 2001 ter enfrentado a morte e a solidão, ao se tornar personagem de um fuzilamento simulado.
De fato, a busca da verdade, cujo acervo pertence à memória do Brasil, nada tem a ver com a anistia. Tenha sido ela destinada a atores vivos ou mortos da cena nacional. Houve até um caso de anistia pelo Supremo Tribunal Federal. Foi em 1946 e se referiu ao escritor Gerardo Melo Mourão.
Ele fora condenado à morte pelo governo ditatorial de Vargas, acusado de traição. Era integralista. Isso em 1942 quando o Brasil entrou na guerra ao lado dos EUA, Inglaterra e União Soviética contra a Alemanha Nazista de Hitler. Havia vários outros presos políticos condenados, mas não à morte, Luis Carlos Prestes entre eles.
Mas em fevereiro de 45, Vargas anistiou quase todos. Menos Gerardo Melo Mourão. Getúlio foi deposto em 29 de outubro. No dia 2 de dezembro, também de 45, o general Eurico Dutra eleito presidente da República. A Constituição iniciou seus trabalhos e no mês de setembro de 46 concluiu a Carta da Redemocratização. Não previa pena de morte, a não ser durante período de guerra. Como não estávamos mais em guerra, o STF anistiou Melo Mourão. Esse episódio pertence ao passado.
O dossiê Herzog traz à memória do presente. Como em nenhuma situação humana seja a que pretexto for, pode-se transformar a vítima em culpado, a família não quer reviver nenhuma ação criminal. Deseja apenas a verdade. Nada mais que a verdade, como os juramentos que o cinema registra sempre nos tribunais americanos.
Fonte: Tribuna da Internet
Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 numa dependência do II Exército em São Paulo, tem total razão em rejeitar a resposta do governo brasileiro à OEA que, acionada pela família, pediu informações sobre a morte do pai. Reportagem de Daniel Roncaglia, Folha de São Paulo de 22, focalizou a nova face do drama que aconteceu há 37 anos, mas vive na memória nacional.
Episódio que, inclusive, levou o presidente Ernesto Geisel a demitir o general Ednardo da Silva Melo daquele comando, substituindo-o pelo general Dilermando Monteiro. Num porão do II Exército funcionava o DOI-CODI, onde morreu também o operário Manoel Fiel Filho na mesma época. Começavam a desmoronar a ditadura militar e a tortura, como escreveu Élio Gáspari na obra que tornou histórica.
Voltando ao processo Herzog, a Organização dos Estados Americanos perguntou uma coisa e o Itamarati respondeu outra. Disse o Ministério das Relações Exteriores: não é possível abrir nova ação criminal para apurar a morte do jornalista Vladimir Herzog, por causa da lei de anistia. Nova ação criminal? – Não foi aberta nenhuma. E o que tem a anistia com isso? Se houve anistia, é porque há culpados. Caso contrário não teria sentido alegar o esquecimento legal.
Mas, através de Ivo, aliás presidente do Instituto que leva o nome do jornalista, a família Herzog não falou em reabrir coisa alguma. Busca somente a verdade, não a condenação. Para esse objetivo, a presidente Dilma Rousseff instituiu uma Comissão Especial. O Itamarati errou. Sobretudo porque o médico Harry Shibata, que emitiu o atestado de óbito (falso) já se dispôs, pelos jornais, a contar a verdade. Se deseja narrar a verdade, claro, é porque ela ainda não apareceu totalmente. E Shibata não está conseguindo enfrentar sua consciência sem contá-la.
A posição da chancelaria é contestada também pela diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional, Beatriz Afonso, que a considera contraditória com as afirmações da própria presidente Dilma Rousseff. Como a FSP publica na mesma edição, reportagem de Paulo Peixoto, foto do Arquivo Histórico de Juiz de Fora, Dilma afirmou em seu depoimento de 2001 ter enfrentado a morte e a solidão, ao se tornar personagem de um fuzilamento simulado.
De fato, a busca da verdade, cujo acervo pertence à memória do Brasil, nada tem a ver com a anistia. Tenha sido ela destinada a atores vivos ou mortos da cena nacional. Houve até um caso de anistia pelo Supremo Tribunal Federal. Foi em 1946 e se referiu ao escritor Gerardo Melo Mourão.
Ele fora condenado à morte pelo governo ditatorial de Vargas, acusado de traição. Era integralista. Isso em 1942 quando o Brasil entrou na guerra ao lado dos EUA, Inglaterra e União Soviética contra a Alemanha Nazista de Hitler. Havia vários outros presos políticos condenados, mas não à morte, Luis Carlos Prestes entre eles.
Mas em fevereiro de 45, Vargas anistiou quase todos. Menos Gerardo Melo Mourão. Getúlio foi deposto em 29 de outubro. No dia 2 de dezembro, também de 45, o general Eurico Dutra eleito presidente da República. A Constituição iniciou seus trabalhos e no mês de setembro de 46 concluiu a Carta da Redemocratização. Não previa pena de morte, a não ser durante período de guerra. Como não estávamos mais em guerra, o STF anistiou Melo Mourão. Esse episódio pertence ao passado.
O dossiê Herzog traz à memória do presente. Como em nenhuma situação humana seja a que pretexto for, pode-se transformar a vítima em culpado, a família não quer reviver nenhuma ação criminal. Deseja apenas a verdade. Nada mais que a verdade, como os juramentos que o cinema registra sempre nos tribunais americanos.
Fonte: Tribuna da Internet
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