Uma contribuição ao debate sobre liberdade de imprensa


Das conversas com o Ministro Ayres Brito, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), do seminário que participei ultimamente sobre liberdade de imprensa, no XI de Agosto, do Brasilianas sobre liberdade de imprensa, de conversas com desembargadores em São Paulo e com advogados em geral, ficou claro para mim uma evidente confusão sobre o conceito de liberdade de imprensa. Confusão que acomete especialmente os juízes de 1a instância.
Vamos separar dois conceitos: o da liberdade de opinião (e de informação) e o da liberdade de imprensa. Na conversa com o Ministro Ayres Brito, surpreendi-me com sua incapacidade de separar os dois conceitos, que são fundamentalmente distintos.
Conforme lhe disse na conversa, considero direito à opinião e à informação um bem público. Liberdade de imprensa é um instrumento para se alcançar o direito à informação – o mais poderoso instrumento, mas, ainda assim, um instrumento.
Não há lógica em considerar ambos sinônimos ou direitos do mesmo nível.
Algumas informações são de interesse público, outras servem a interesses específicos, outras a propósitos empresariais ou políticos, outras até como instrumento de chantagem.
Se cada caso é suscetível de uma análise específica, é evidente que não se pode colocar em um mesmo plano o objetivo (direito à informação e liberdade de opinião) com o meio (imprensa).
A liberdade de manifestação pode se dar em um culto, um comício, um show artístico. Até o advento da Internet, a imprensa era o espaço mais poderoso de disseminação da opinião e da informação. Nem por isso, todos os veículos cumpriam funções públicas.
Mais que isso, com a Internet cessou o monopólio da notícia pelo jornalista. Antes, para qualquer fato se tornar notícia, precisava da intermediação de um jornalista ou jornal. Agora, não mais.
Daí o anacronismo de se considerar como similares os conceitos de liberdade de opinião e liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa atende à Constituição quando difunde informações de interesse público; não atende nem desatende quando publica informações meramente supéfluas; atenta contra a Constituição quando difunde informações falsas que impactam a ordem institucional e valores consagrados (como respeito às minorias, aos direitos das mulheres, negros, crianças, deficientes etc.)

Direito à informação

Entendida essa diferença, chega-se à questão do direito à informação.
A legislação pune crimes de opinião, como calúnia, injúria e difamação.
Apesar de haver legislação específica, poucos juízes acolhem denúncias contra desrespeito a direitos difusos – ataques à imagem de mulheres, negros, deficientes etc. Tão pouco se coíbem informações falsas com propósitos políticos.
Além disso, o estilo Murdoch trouxe para o exercício diário do jornalismo global, muito mais do que em qualquer outro período, a participação da notícia nas guerras corporativas. Criam-se personagens públicos (por exemplo, um parajornalista inexpressivo) à custa de enorme publicidade. Conquistado esse espaço, o personagem passa a ser utilizado para jogadas comerciais, beneficiando grupos empresariais específicos. Dentre essas armas, nenhuma é mais letal e mais desrespeitosa aos direitos do cidadão quanto o recurso - fartamente utilizado pela mídia nativa - do assassinato de reputação.
Mercado cartelizado
Quando se fala em liberdade de informação, pensa-se em um mercado competitivo, com todas as informações sendo veiculadas, permitindo à opinião pública formar sua própria opinião. É esse conceito que está na base de todos os estudos sobre liberdade de imprensa.
Quando esse jogo se dá em mercados monopolizados ou cartelizados, é evidente que se compromete o direito constitucional à informação ou à opinião. Compromete a isonomia política (alguns grupos com maior vocalização política do que outros), a isonomia empresarial (no caso de guerras corporativas, com a mídia tomando um dos lados).
Dada a enorme desproporção entre o cidadão (mesmo as empresas não midiáticas) e os grandes grupos de mídia, é papel fundamental da Justiça garantir direitos. Por tal, entenda-se mecanismos rápidos de direito de resposta (prejudicados pelo fim irresponsável da Lei de Imprensa sem a criação de um procedimento alternativo) e penas pecuniárias e criminais severas.
Hoje em dia, as penas pecuniárias beneficiam exclusivamente os grandes grupos: são ínfimas perto do seu poder econômico; mas fatais contra blogs e demais agentes de notícia na Internet.
Quando enveredou em sua parceria com Cachoeira, e passou a emprestar seu poder de fogo para guerras comerciais (alocando-o para o Banco Opportunity), por exemplo, a Editora Abril ordenou a seus homens que fuzilassem a reputação de quem chegasse perto. Ela garantiria advogados e cobriria condenações cíveis. A análise era simples: a morosidade da Justiça e o valor das condenações era infinitamente menor do que o poder de que se via revestida com esses ataques ou para intimidar terceiros ou frente o pagamento recebido dos contratantes.
Cessou essa loucura apenas quando um de seus profissionais foi condenado a três meses de prisão.
Em suma, há um enorme conjunto de jogadas empresariais e políticas em torno do exercício da imprensa. É necessário conhecimento detalhado das formas de atuação e de interesse das empresas jornalísticas e dos próprios blogs afim de se ter capacidade de discernimento para punir os abusos e para preservar a função constitucional.
Principalmente porque a “mercadoria” com que trabalham as empresas jornalísticas é um dos direitos fundamentais da população. Se um bem de consumo não cumpre o que se propõe, a empresa incorre no Código de Defesa do Consumidor. Por sua abrangência, implicações, o produto “notícia” é muito mais relevante do que qualquer bem de consumo. Uma notícia falsificada, um dossiê, pode levar a manifestações psicossociais perigosas, criar conflitos entre instituições.
É todo esse arcabouço que precisa ser analisado por juízes, a fim de aplicar corretamente a lei na hora de garantir o direito à informação e à opinião.