Em menos de uma semana, a ex-petista Luiza Erundina teve dois gestos de grandeza. Primeiro, ao aceitar entrar como vice na chapa do partido do qual tinha sido expulsa. Cinco dias depois, ao deixar o posto por discordar da forma como o PT fechou a aliança com o PP num pomposo beija-mão que levou Lula e Fernando Haddad à mansão de Paulo Maluf.
"É demais para mim", protestou Erundina, ainda na segunda-feira, ao ver as imagens do sorridente encontro nos jardins daquele que já foi o inimigo público número um do PT. Para quem conhece esta nordestina arretada de opinião própria, era previsível o desenlace, como comentei na mesma noite no Jornal da Record News.
Primeira prefeita eleita pelo PT em São Paulo, em 1988, Erundina derrotou e depois foi derrotada por Paulo Maluf ao tentar a reeleição. Para ela, mulher humilde e partidária, não tinha problema nenhum aceitar ser candidata a vice indicada pelo PSB para um cargo do qual já foi titular, mas subir num palanque de mãos dadas com Maluf era algo que sua dignidade não tolerava.
Foi isso o que ela comunicou ao presidente do partido, o governador pernambucano Eduardo Campos, sem dar margens para negociações. Com ela, não tem negócio: Erundina é do tempo em que tudo tinha limites.
Aos 77 anos, a deputada federal Luiza Erundina, que eu conheço e admiro desde os primórdios do PT, sabe que neste mundo poucos podem muito, a maioria não pode nada, ninguém pode tudo.
O jornalista Frederico Branco, um dos meus mestres na velha redação do "Estadão", me ensinou uma sábia lição, quando eu ia fazer alguma coisa errada: "Meu filho, tem coisa que pode e tem coisa que não pode". Simples assim.
Ficar de gracinha com Maluf, por exemplo, não pode. O problema com ele não é só de diferenças políticas e ideológicas. Acima de tudo, é moral e, mais do que isso, policial. Procurado pela Interpol em todo o mundo, acusado do desvio de milhões e milhões de dinheiro público, o dono da mansão não serve de companhia para quem passou a vida o denunciando.
Com seus gestos de grandeza em dois atos, Luiza Erundina lembrou ao PT de hoje dos tempos em que seus líderes chamavam o ex-governador e ex-prefeito cevado pela ditadura de "ladrão" e "nefasto", e a militância ia às ruas com as bandeiras vermelhas para denunciar as práticas do malufismo.
Mais parecendo um coadjuvante da sua própria campanha, o candidato Fernando Haddad, que nunca teve uma militância partidária, sentiu na própria pele ontem à noite os efeitos da entrada de Maluf e da saída de Erundina.
Logo após a desistência da candidata a vice, num encontro com militantes petistas na associação dos moradores de Vila Rica, na zona leste, segundo relato do repórter Bernardo Mello Franco publicado na "Folha" desta quarta-feira, o próprio Haddad deu a notícia no microfone : "A Erundina falou que vai nos apoiar, mas não vai ser mais a vice".
A frustração foi geral, como se pode constatar nas declarações de alguns militantes citados na matéria.
Josefa Gomes, 75, pensionista: "A gente fica muito decepcionada, né? O povo daqui ama a Erundina. Maluf, não, pelo amor de Deus".
Maria de Fátima Souza, 64, confeiteira: "Se for para perder a eleição, a gente tem que perder de cabeça erguida. Não com o Maluf. Eu sou limpa. Você acha que vou dar o braço a ladrão?"
Este é o PT velho de guerra, que pensa como Luiza Erundina, e nunca vai aceitar Paulo Maluf.
Em tempo: A deputada Luiza Erundina confirmou agora à tarde entrevista ao vivo no Jornal da Record News, comandado por Heródoto Barbeiro, que vai ao ar às 21 horas desta quarta-feira.
Correção: Como me alertaram os leitores, cometi um engano ao dizer que Erundina disputou a reeleição e perdeu para Paulo Maluf. Naquela época não havia reeleição. Quem disputou a sucessão de Erundina pelo PT, e acabou derrotado por Maluf, foi Eduardo Suplicy.
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