Jornalismo econômico e mídia.
Gisa Rodrigues*
Modus operandi
e dominância.
O poder da mídia dominante
é incomensurável. Pelo poder de
penetração e influência em larga
escala, pela capacidade de edição
(recorte) da realidade, pelo
uso de linguagem subliminar,
o poder da mídia dominante é
assustador. Ela transforma calça
rasgada em moda; chinelo de
peão em calçado de artista; derruba
presidentes e alça ao poder
ilustres desconhecidos; e faz você
beber até o que não sabe o que
é. Tem também a capacidade de
demonizar ou absolver quem
queira ao seu bel-prazer.
O principal problema da mídia
dominante não é o que ela
diz, mas o que se exime de dizer.
A mídia dominante atua como
um filtro da realidade, exibindo
apenas e somente o que interessa
aos seus patrocinadores. Seu papel
se cumpre mesmo que não se
lhe dê atenção, ou que o espectador
não tenha capacidade para
entender o significado do que
lhe está sendo transmitido (ex.:
“o Brasil não cumpriu a meta do
superávit primário em novembro”).
Neste sentido, o fato de
o espectador estar no conforto
do seu lar com a TV ligada em
um noticioso, mas envolvido em
outras atividades e alheio a ela,
não tem a mínima importância;
o poder midiático subsiste. Por
consagrar-se como intermediário
entre o espectador e a suposta
realidade, por ocupar este espaço
de honra, a mídia “eleita”
não dá margem a que outras visões/
leituras da realidade emirjam
ou sejam levadas a sério. Ao
conceder a uma determinada
Pequeno ensaio sobre a mídia
mídia este poder, o espectador
tende a excluir automaticamente
visões alternativas/questões não
tratadas pela mesma. Apaga de
seu campo de visão ou, no melhor
dos casos, rotula como não
importante tudo o que não é tratado
pela mídia a quem consagrou
o direito de informar-lhe
(mídia (con)sagrada).
Não há liberdade de imprensa.
Tudo o que é exibido no jornal,
rádio, televisão e parte da Internet
passa pelo crivo dos editores,
que, por sua vez, estão subordinados
aos desígnios do patrocinador.
O discurso da liberdade visa,
no fundo, ausência de controle
social. A confusão de controle social
com censura pura e simples
almeja ludibriar o espectador e
demovê-lo da ideia absolutamente
legítima (apoiada pela Constituição)
e democrática de sujeitar
os meios de comunicação ao interesse
público. Afinal, todo veículo
de comunicação é uma concessão
pública – e não privada.
Supermercado. A mídia dominante
se parece com um grande
supermercado, onde cada patrocinador
reserva seu espaço
para veicular ideias e propostas,
mercadológicas ou não, neste
“balcão” disfarçado de neutro.
Desmobilização (a campanha
contra o Estado). Os meios de comunicação
também fomentam a
desmobilização quando focalizam
diuturnamente a deterioração
dos serviços públicos, fenômeno
apresentado como se fosse
uma característica perene do Estado.
Este mantra veiculado incansavelmente,
em vez de despertar
a reação enfurecida das
massas e a mobilização em torno
de uma possível solução de seus
problemas, gera apatia e desilusão
(paralisia), deixando o território
da política livre para os
aproveitadores de sempre. Assim,
transgressores e oportunistas
se apropriam do Estado, que,
a rigor, deveria ser de todos (povo,
eleitor, cidadão, contribuinte).
Segmentação do mercado
televisivo. Com o surgimento
da TV por assinatura, a mídia
dominante foi segmentada entre
“ilustrados” e “não ilustrados”,
que passaram a receber rações
diferentes:
• Aos ilustrados, deformou-se o
conteúdo da informação objetiva,
para que estes se investissem
automaticamente em porta-vozes
dos interesses dos patrocinadores
midiáticos;
• Para os não ilustrados, atuou-
-se basicamente no campo da
subjetividade, no emocional, ao
oferecer-lhes altas doses de conteúdo
sexual, violência, intriga
(BBBs, novelas) e sensacionalismo
(catástrofes, epidemias, terrorismo),
visando o entorpecimento
intelectual e o controle
físico das massas. Este modus
operandi paralisante potencializou-
se em contexto onde as instituições
de ensino já estavam
fragilizadas e sucateadas. Neste
jogo, as mulheres (e seus atributos
sexuais) foram e continuam
sendo usadas e abusadas (e são
centrais) enquanto vetor prioritário
de paralisia e alienação.
Os patrocinadores da mídia
dominante querem ver o es-
JOrNAL DOs ECONOmisTAs 9
JUNHO 2013
pectador mergulhado em seu
mundinho. Homens e mulheres
se tornam prisioneiros inexoráveis
dos padrões estéticos
ditados pela mídia dominante,
vendo-se obrigados a destinar
uma grande energia e tempo
para aproximar-se dos padrões
estabelecidos, sob pena de não
serem aceitos socialmente. Os
meios tiram proveito do detalhismo
do sexo feminino e lhe
introduzem um leque interminável
de frivolidades e trivialidades
com o qual poderia se entreter
até o fim dos tempos. A
tergiversação é utilizada em seu
grau máximo para afastar o espectador
comum de questões
mais relevantes.
Atores, modelos, jogadores
de futebol e outras celebridades
são fundamentais para os patrocinadores
da mídia dominante.
Seus salários e/ou comissões são
elevados porque eles cumprem
duas importantíssimas funções
(além do clássico empurrão que
dão à venda de produtos):
• Galvanizam a atenção do espectador,
(dis)traindo-lhe e
afastando-lhe do enfrentamento
das questões do “mundo real”
(seus interesses são aprisionados
pelo mundo lúdico);
• Fixam o “teto-limite” da ambição
dos mais jovens, o modelo
inspirador definitivo para as
massas. Portanto, são usados
como expedientes para controle
e subjugação de suas aspirações.
Redes sociais e mecanismos
de busca: liberdade ou controle?
O Facebook, o Twitter e o Google
têm quebrado muitas barreiras
geográficas. Mas estão,
em contrapartida, gerando novas
prisões (obsessão pelo mais
atual, “tuiterização” da forma de
expressão e superinformação),
bem como a “matrixização” das
relações interpessoais e a desmobilização
física (“cada um no
seu quadrado”). Mais relevante
ainda, vêm se afirmando como
dispositivos, inéditos há 20
anos, de controle e registro sobre
o indivíduo, suas preferências,
atitudes e valores. A massa
de informação gerada e controlada
de forma coletiva vem acumulando
conhecimento sem
precedentes (não só mercadológico)
na mão dessas poucas corporações
sobre cada um de nós,
que, por sua vez, o têm transbordado
sem cerimônia para
seus sócios - as agências de inteligência
dos países centrais –
cujo interesse geopolítico nestas
novas formas de interação já
não é segredo para ninguém.
Fragmentação. A mídia dominante
(especialmente as redes
sociais) estimula e reforça as diferenças,
o surgimento das tribos.
Ninguém é igual a ninguém
e, com isto, a identificação com
uma determinada classe fica prejudicada
(no máximo, a identificação
se dá com a tribo). O relacionamento
do indivíduo passa a
se dar diretamente com o todo,
sem intermediários de peso para
encaminhamento de demandas
ou reivindicações. O conceito de
classe, como consequência, perde
peso político, bem como o manejo
de soluções por meio desta via.
mas por que ele
é dominante?
Tamanho não é documento.
O espectador intui de modo
falacioso que grupos de mídia
tecnologicamente mais bem
equipados e com maior poder
de mercado são necessariamente
mais competentes ou produzem
conteúdos mais fidedignos.
Tamanho, infelizmente,
não tem origem na competência
jornalística, mas na aposta
que os capitais fazem ao criar
veículos bem equipados (RH e
tecnologia) para defender seus
interesses. Como a maioria das
pessoas crê nessa premissa falaciosa
(tamanho = autenticidade
jornalística) e como, no imaginário
popular, “a maioria tem
sempre razão”, acaba-se reforçando,
através da audiência ou
da tiragem, a falácia anterior.
Entretanto, o senso comum
nem sempre é bom conselheiro.
Oniscientes, onipotentes e
onipresentes. O que está implícito
na relação entre a mídia dominante
e sua plateia é um jogo de
faz de conta: o espectador ilude-
-se ao fiar-se nos meios para informar-
se sobre a realidade; os
meios, por sua vez, travestem-se
de intermediários confiáveis e fidedignos
do “mundo real”; oniscientes,
onipotentes e onipresentes.
No entanto, o espectador não
percebe a falácia ou o erro de origem
neste processo de delegação
de poder: que a realidade, por
sua grandiosidade, não é accessível
a nenhuma entidade humana,
por maior e bem estruturada
que seja, restando a qualquer
ente midiático apenas a humilde
capacidade concreta (e honesta)
de ofertar cortes limitados e interpretações
parciais do real. O
espectador pensa que está recebendo
um resumo isento, confiável
e multifacetado da realidade
que o cerca, quando, na verdade,
o que obtém é uma coletânea pobre
de assuntos cuidadosamente
manipulados com o intuito de
refletir apenas os interesses do(s)
patrocinador(es). Estamos, portanto,
diante de doutrinamento,
e não de imparcialidade, fidedignidade
e diversidade.
Não há Democracia - Convergência
entre os meios. O espectador
crê na mídia dominante
porque parte de outra premissa
enganosa: a de que uma mesma
informação, quando propagada
por veículos diferentes, só pode
ser verdadeira. Todavia, a convergência/
exibição simultânea de
conteúdos programáticos equivalentes
tem origem: 1) na concentração
de capital no setor midiático
que garante que hoje este
setor esteja na mão de poucas famílias/
grupos econômicos (poucas
agências de informação); 2)
nas reuniões de pauta entre os vários
veículos de comunicação de
controles distintos. Ambos fornecem
ao espectador a falsa impressão
de que o que está lendo/
vendo/ouvindo é o universo relevante
de informações. O controle
remoto não é capaz de salvar o espectador
desta armadilha.
Pela valorização
da mídia alternativa
de qualidade
A mídia alternativa de qualidade
já existe, mas é desconhecida
da maioria da população, já
que se encontra dispersa e diluída
em vários veículos e meios de
comunicação, especialmente na
internet. Cabe a nós propagar,
utilizando-nos dos instrumentos
já disponíveis, esta “novidade”.
Mas temos que ir além. A
valorização da mídia alternativa
de qualidade passa pela desconstrução
do paradigma da neutralidade
e onisciência, onipotência
e onipresença da mídia dominante
(e de qualquer outro tipo).
Passa pelo entendimento de que
escala, escopo e tecnologia, se
implicam em mais influência e
penetração à primeira vista, não
são definitivamente lastro para
melhores conteúdos. Passa pela
defesa de uma escola voltada
para a formação de cidadãos críticos
e engajados politicamente,
e não de consumidores passivos
e prontos para reproduzir e responder
cegamente aos comandos
do sistema. Passa, por fim,
pelo imprescindível controle social
dos meios. Somos todos responsáveis
por esta luta se queremos
interferir na atual, perversa
e injusta relação de poder que
tem na mídia dominante um dos
seus pilares e vetores principais.
* É mestre em Economia pelo IE/UFRJ
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