quarta-feira, 19 de junho de 2013

MPL - Que não sejamos 100 mil autistas.


Por Yuri Machado

Não volto feliz. Esta passeata de milhares pode ter tido sua importância pelo número de adeptos, mas tive com ela discordâncias a perder de vista. A começar porque ela foi em boa parte falsificada. Ressignificada até quase ter seu sentido esvaziado.
Fui primeiro do Largo da Batata até a Ponte Estaiada, sem nem reparar que uma parcela do ato separara para a Paulista, e marchamos a maior parte do tempo por uma cidade fantasma, muito bem preparada para não ser incomodada pela gente, esvaziada há horas, pela Berrini. Passamos em dois Iguatemis, aplaudimos com força as poucas pessoas que existiam para aparecer nas janelas, e sorrimos muito uns para os outros. Não estávamos no meio da cidade. Naquela região era madrugada fazia muito tempo, os escritórios não tinham gente. E sim, a questão do ônibus estava presente nas palavras de ordem, mas não era dominante no real motivo da caminhada das pessoas. Tampouco a polícia, de que ouvi pouco se falar. Muito distante disso. Desfilávamos cantando e tirando fotos de nós mesmos com bandeiras do Brasil, orgulhosos porque tínhamos despertado, mas a sensação maior era de que passeávamos a esmo cada um por um caminho. “Fora PSTU e PSOL”, “O povo unido não precisa de partido”, “Fora Dilma”, “Chega de corrupção”. E na verdade eu sentia justamente falta do poder organizativo do partido, do sindicato, de tudo que parecia repudiado ali, por uma massa feliz e apolítica, que em determinado momento já não fazia parte de um processo, do inicio de qualquer processo, mas da comemoração por uma vitória invisível. Uma vitória inexistente.

Uma manifestação é a propaganda de um risco. A passeata serve para pressionar alguém a fazer (ou desfazer) alguma coisa. Que tipo de risco um carnaval passivo e opressivamente chapa-branca em um feriado decretado da noite para o dia em uma segunda-feira pode de fato representar? A polícia desapareceu da cidade, no que podia até ter sido uma tentativa de golpe, para que destruíssemos e perdêssemos a razão, mas a verdade é que não foi preciso de golpe para que perdêssemos a razão uns entre os outros. Organizou-se uma maratona, uma caminhada de 10 quilômetros em festa, por tantos motivos simultâneos (ou, no fim, nenhum motivo realmente elaborado) e com uma atitude tão morna que silêncios longos e constrangedores dominavam longos minutos do ato, ao mesmo tempo que, caso houvesse alguém com uma bandeira ou grito de um partido, seria esta pessoa hostilizada. Isso porque vi bandeira de partido ser arrancada de mão, menino receber empurrão de adulto porque ia pichar, recebendo um coro de milhares mandando que tomasse no cu. Na tv, ao voltar, vi programa de televisão tomar da ideia de que não era por vinte centavos para encabecear pautas distantes da tarifa do ônibus. E me vi, de repente, pensando nos Black Blocks. E em quem eram aquelas pessoas em volta de mim, que não pareciam com as que marcharam comigo na quinta, com os olhares sérios e certos de que havia ali o luto, um réquiem, não uma festa, mesmo antes da polícia estourar. Estávamos, hoje, tão felizes porque éramos muitos que simplesmente despimos a raiva da repressão, do banditismo da PM, do crescimento absurdo da tarifa do ônibus, e realocamos este mesmo ódio para o PSTU, para a Dilma?

Voltei com a impressão de que isso tudo vai terminar, curiosamente na eleição do Aécio Neves. Porque de repente estávamos virando a página da pauta, e o que tinha a frente era uma manobra arriscada, em que não estaríamos mesmo despertos, mas crentes de que tomávamos as nossas próprias conclusões ao mesmo tempo em que aceitávamos uma lógica absurda que voltava a culpar os mesmos criminosos favoritos da grande mídia de sempre. E a esconder os outros.

Se eu gostaria de ter visto conflito? Pichação? Violência? Não. Mas este nível de bom mocismo não serve para pressionar ninguém. Muito menos quando, no caminho deste bom mocismo, terminamos por marchar de volta para as velhas conclusões que tomaram por nós muito antes de hoje, e pela qual, diga-se de passagem, nos reprimiram e prenderam semana passada.

Não pensei que ia dizer assim, mas precisamos dos partidos, nem que para discordar deles. Das bandeiras, dos projetos de país. Não vi projeto de país hoje. Vi gente expulsando, na verdade, os poucos que deveriam ter tido a mínima liberdade de tentar convencer alguém, nem que para voltarem para casa solitários. Precisamos de algo que pelo menos tente nos unir, porque senão vamos continuar sendo 100 mil autistas andando juntos fingindo que concordamos uns com os outros. E o pior, extremamente orgulhosos disso.

Nenhum comentário: