Paulo Henrique Amorim*
Atribui-se a Delfim Netto
a mortífera frase “jornalismo
de economia não
é um nem outro”.
Claro que ele nega, peremptoriamente,
a autoria. Ainda assim,
tome-se o aforismo como
ponto de partida.
“Jornalismo” muitas vezes
não é. Porque é mais opinião do
que informação. E o bom jornalismo
não mistura Igreja e Estado
– não mistura opinião e
informação. Porque fica combinado
assim: quem tem opinião
é o dono. Quem paga as contas.
Se o repórter enfia opinião
na informação, é porque exerce
a atividade de contrabandista:
camufla a opinião do patrão
– ou a sua, que só pode ser a
mesma do patrão, por definição
– no seio da informação. Logo,
trata-se de um embuste.
Também não é jornalismo,
porque o chamado “jornalismo
de economia” não é escrito para
informar o leitor, espectador
ou ouvinte. Mas para informar
os economistas dos bancos,
que já sabem tudo o que
o jornalista quer lhe dizer. Essa
estranha mutação se dá por
dois motivos. Porque o jornalista
de economia adoraria ser
economista de banco. E porque
o jornalista de economia não
tem a menor ideia do que interessa
ao leitor. A ignorância é
colossal. E, mesmo se soubesse,
trocava o serviço ao leitor pelo
serviço ao banqueiro.
Existe outra aberração,
aqui: jornalistas de economia
pensam que são economistas.
E assim se consideram, ao trabalhar.
Como se de um “economista”
se exigisse mais do
Jornalismo de Economia - ralo e falso
que de um dentista. Esse menosprezo
pelo leitor, espectador
ou ouvinte se dá por uma
deformação genética.
Os jornalistas de economia,
como, de resto, jornalistas
em geral, nasceram do mesmo
ventre: as faculdades de jornalismo.
Faculdades de jornalismo,
na grande maioria, são arapucas
que não ensinam. Como
é obrigatório ter diploma para
ser jornalista – uma aberração
corporativista! – as faculdades
de jornalismo são os gigolôs
do diploma. Eu finjo que te ensino,
você me paga e eu te arrumo
um diploma.
Na verdade, tudo de que alguém
precisa para ser jornalista
não exige mais do que três meses
num laboratório do Senai.
O resto, o resto é ler Machado
de Assis. E aqui se chega a outro
ponto capital: a Língua Portuguesa,
aquela de Machado e
Vieira. Os jornalistas de economia
são transgressores contumazes.
Não sabem escrever.
Tudo isso se deve a uma das
excrescências do regime militar.
Como os militares embargaram
o noticiário político, e se legitimavam
com os feitos na Economia,
a imprensa ampliou o noticiário
da Economia e encolheu
o da Política.
Depois, veio a hiper-inflação.
Outro motivo para engordar
a Economia. O noticiário
da televisão servia menos
ao espectador do que ao Governo:
manter, por exemplo,
o congelamento de preços do
Plano Cruzado. A Globo desempenhou
papel central nisso.
E se esborrachou com o
descongelamento. A certa altura,
o Jornal da Globo, de 24
minutos de produção, tinha
três – TRÊS ! – colunistas de
Economia. Este locutor que
vos fala, o Joelmir Betting e a
Lilian Witte Fibe, precursora
da Miriam Leitão.
Sobre a segunda parte do
aforismo delfiniano: Economia.
Não escrevem sobre Economia.
Porque dela não entendem patavina.
Divulgam press-releases.
Praticam o jornalismo do “disse
que”: fulano disse isso, beltrano
aquilo... E reproduzem o Banco
Central, ou o que ouvem dos
economistas dos bancos, que,
por sua vez e, por definição, dizem
o que o Banco Central diz.
Isso, quando falam entre aspas.
Porque quando falam em
off, os economistas dos bancos
dizem o que querem que aconteça
e manipulam os obsequiosos
jornalistas de economia para
reproduzir seus pleitos – e de
seus bancos.
É o que acontece, por exemplo,
com a Selic. Os jornalistas
de economia, como os bancos
e seus economistas, querem juros.
Juros! Como a “ciência” da
Economia se tornou a “ciência”
dos credores, assim é com o jornalismo
de economia: joga no
time dos que têm a receber. E o
devedor – leitor, espectador, ouvinte
– que se lixe.
Outro aspecto a conspurcar
a pseudociência da Economia
é o caráter partidário do jornalismo
de economia. O jornalismo
de economia é a favor do
mais forte – sempre. Do patrão,
do credor, da Casa Grande, da
Metrópole.
E, aí, se dá um fenômeno interessante.
A grande maioria
dos jornalistas de economia só
atravessou o Equador para ir à
Disney. Mas pensa que capta os
sentimentos mais profundos da
Metrópole, geralmente instalada
na City ou em Wall Street.
Provavelmente lá nunca estiveram.
Se estiveram, não entenderam
a língua que ali se fala.
Mas, aqui, na versão luso-tropical,
procuram reproduzir o que
imaginam ser o pensamento
metropolitano. Como aqueles
argentinos que usavam guarda-
-chuva quando liam no Times
de Londres que a previsão era
de chuva fina e fria.
De resto, o jornalismo de
economia brasileiro não passa
dos cabedais do repórter do
Wall Street Journal que mereceu
um discreto elogio de
Paul Volcker, quando saiu do
Banco Central: “você, meu filho,
era o único jornalista que
eu me dava o trabalho de ler”.
Atônito, respondeu o jovem:
“mas Mr. Volcker, tudo o que
eu fazia era reproduzir o que o
senhor dizia”.
O jornalismo de economia
é tão ralo quanto o jornalismo
brasileiro. E tão falso quanto a
elite de que pretende fazer parte.
Em tempo: o autor das mal
traçadas linhas ganhou a vida,
por muito tempo, como jornalista
de economia.
* Foi jornalista de economia.
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