sábado, 22 de junho de 2013

POLÍTICA - "Para que lado vão os personagens que tomaram as ruas?"



André Singer: Para que lado vão os personagens que tomaram as ruas?


Foto: Marcello Camargo/ABr
Esquerda ou direita?
por André Singer, na Folha de S. Paulo, sugestão de Julio Cesar Macedo Amorim
O levante urbano desencadeado pelo Movimento Passe Livre (MPL) obteve uma vitória extraordinária ao conquistar a redução do preço das passagens do transporte coletivo em São Paulo e em tantas outras cidades. Mas, conquistada a reivindicação, é preciso saber para que lado vão os personagens que tomaram as ruas depois de 20 anos de ausência das massas na cena brasileira.
Duas características peculiares aos protestos recentes criaram uma indeterminação. A primeira é o seu estilo horizontal de organização, cujas raízes profundas estão na tremenda crise que assola a democracia contemporânea. Indignadas com o descolamento entre o mundo da política e o inferno da vida cotidiana, as pessoas recusam as organizações tradicionais –sejam partidos, sejam sindicatos–, ou o que se pareça com elas.
Convém esclarecer, antes que haja qualquer mal-entendido, que a democracia não pode funcionar sem partidos e que os sindicatos, apesar de todos os problemas, continuam a ser o melhor instrumento que o trabalhador tem para defender seus interesses.
Para completar, em minha opinião, a democracia –em que pese os inúmeros e graves percalços pelos quais passa– é a maior conquista da humanidade no campo da política. Isto posto, é preciso canalizar a revolta contra as instituições para uma participação que as revitalize, e não que as destrua.
O saudável ímpeto antivertical tem como contrapartida a falta de direção unificada. Ao não se delimitar com clareza o que cabia e o que não cabia nas manifestações, elas começaram a agregar um pouco de tudo, até mesmo ideologias opostas, como ficou claro na briga entre direita e esquerda que marcou a comemoração da vitória na av. Paulista anteontem.
O segundo elemento singular é que nunca na história recente do país –e, talvez, nem na antiga– camadas populares tenham se levantado em tal proporção. Se o estopim foi aceso pela classe média, o novo proletariado, forjado na década do lulismo, entrou nas avenidas, dando um colorido inédito às marchas reivindicatórias. Uma placa tectônica do país se mexeu, surpreendendo a todos os atores tradicionais.
Iniciado pela esquerda, o processo ficou indeterminado quando se verificou que tal fração de classe pode ser fisgada pela direita, a partir de apelos contra a corrupção. A direita quer vender a ideia de que sanear o Estado (o que é necessário) e cortar funcionários resolveria as demandas por saúde, educação e segurança.
Caberá à esquerda, que teve o mérito de começar a luta, ter a coragem de mostrar a cara e propor um programa que, sem deixar de ser republicano, aposte na ampliação do gasto público, de modo a construir o bem-estar que as massas exigem.
André Singer é cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.

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