O Globo e a arte de fazer panfletos
Por Wevergton Brito Lima, no sítio Vermelho:
Alguém aí tem alguma dúvida sobre como se faz um bom panfleto de oposição? Pois se tem, procure alguma banca pela cidade, se for morador do Rio, compre o jornal O Globo de hoje (25 de junho).
Já fazia quase um mês que eu não comprava o diário da famiglia Marinho, mas minha porção masoquista não resistiu à curiosidade de ver como Ali Kamel e seus colunistas amestrados tratariam o mais importante fato jornalístico do dia anterior: a ofensiva política do governo Dilma propondo uma constituinte exclusiva para a reforma política e um pacto com governadores e prefeitos em temas como transporte, saúde e outros.
A manchete da capa já começa a dar o tom: “Dilma propõe Constituinte e cria polêmica com Congresso e STF”. Como sempre opinando e desinformando, O Globo levará o descuidado leitor que confiar nesta manchete a crer, pela forma como ela está redigida, que TODO o Congresso e TODOS os ministros do STF têm resistência à proposta.
Esta impressão ficará mais forte na mente do gentil senhor, e da encantadora senhora, assíduos leitores de O Globo, ao lerem logo abaixo da manchete principal a “repercussão das propostas da presidente”. Rigorosamente de acordo com o manual Ali Kamel de jornalismo, foram ouvidos apenas quem pudesse dar uma declaração afinada com a manchete principal: Carlos Veloso (ex-ministro do STF): “Não passa de uma medida para enganar a população (...)”. Miro Teixeira (deputado federal): “Existem outras questões (...)”. Marcus Vinícius Furtado (presidente da OAB): “É algo que pode ser resolvido sem necessidade de mexer na Constituição (...)”. Marcelo Hotimsky (Movimento Passe Livre): A gente viu a Presidência completamente despreparada (...)”.
Um pequeno parêntesis para dizer o seguinte: Como destaquei apenas a primeira frase de cada depoimento, é bom ressaltar que Miro Teixeira, conhecido representante dos conglomerados de comunicação no Congresso, deu uma no cravo e outra na ferradura. A declaração completa de Miro Teixeira publicada na primeira página dizia ainda, depois da frase inicial que já citei: “Considero a proposta da Dilma um primeiro passo, mas não o esgotamento da pauta”. Percebam o malabarismo de Miro. Ele recebe como pagamento por seus serviços ao monopólio da mídia uma promoção desproporcional ao seu real peso político (nesta mesma edição ocupa dois terços da página 8, com uma grande entrevista ilustrada por uma imensa foto). No entanto, como Miro iria atacar uma proposta que, em sua essência, foi feita por ele mesmo em 1997 (convocar uma constituinte para tratar da reforma política, tributária e sobre o pacto federativo)? Assim, tomando enorme cuidado para não se desmoralizar e ao mesmo tempo não ser contraditório com o tom da manchete do jornal ao qual serve tão fielmente, o ex-chaguista começa a declaração em tom negativo: “Existem outras questões” (frase totalmente acaciana, pois em relação a qualquer assunto existem “outras questões”). E mesmo quando parece elogiar, está na verdade apontando limites à proposta já que é apenas o “primeiro passo” (como se fosse possível iniciar a caminhada sem dar o primeiro passo) e “não esgota a pauta”.
Bom, deixemos o ex-chaguista de lado e voltemos ao jornal. Nas páginas seguintes sucedem-se os ataques.
Da página 3, quando começa a editoria “País”, à página 14, quando acaba a editoria “País”, são nada menos do que 11 manchetes com conteúdo negativo. Isso mesmo 11 manchetes contrárias em 12 páginas; na verdade 11 páginas, já que a página 5 é totalmente dedicada à publicidade de uma multinacional. E olha que eu não estou contanto a coluna do Merval Pereira, como sempre uma ode à imbecilidade. Mas vamos às manchetes:
“Elogios em público, reclamações longe dos microfones” – Página 3.
“Proposta de Plebiscito causa polêmica até entre aliados” – Página 4.
“O risco é de manipulação” – Página 4.
“Constituinte com tema único é criticada por juristas” – Página 6.
“Plebiscito agora ‘turbina a turbulência do país’, afirma cientista político” – Página 6.
“Oposição lança agenda própria e ataca presidente” – página 7.
“Serra diz que proposta da presidente é absurda” – página 7.
“Corrupção e transporte tiram o sono do ‘gigante’” – página 8.
“Na saúde, medidas já não são novas” – Página 9.
“Só 16% das verbas para mobilidade urbana foram gastas” – Página 10.
“MPL: governo está despreparado para debater transporte coletivo” – Página 11.
É claro que não é só na editoria “País” que o “jornalismo imparcial” de O Globo se manifesta. Um dos principais colunistas (editoria Rio), Ancelmo Gois, o mesmo que há poucos dias decretou a morte da UNE (mal sabe Ancelmo que ao longo de décadas outros invertebrados como ele também decretaram a morte da UNE, sendo que não restam hoje destes carrapatos sequer a lembrança), publicou frases de “celebridades” sobre as manifestações, vou citar apenas quatro para não embrulhar ainda mais o estômago do leitor: Cauã Raymond: “País desenvolvido não é onde pobre tem carro, mas onde rico anda de transporte coletivo”; Isis Valverde: “Desculpe o transtorno. Estamos mudando o Brasil”; Lília Cabral: “O Brasil acordou”. Nelson Motta: “O povo unido sem sigla e sem partido”.
Fico imaginado como se sente a Dilma. Afinal, ela ainda não teve a coragem de enfrentar o monopólio da mídia, mas mesmo assim é como vemos nesta edição de O Globo: massacre.
O que justifica está covardia em uma mulher que, reconhecidamente, não é covarde?
Como um governo democrático convive com a ditadura e monopólio da mídia sem reagir e tendo um ministro das comunicações que só faltou se ajoelhar tal a submissão que demonstrou em recente entrevista a revista Veja?
Realmente, a inércia deste governo no que tange à comunicação só será sacudida pelas ruas. Um aspecto positivo das manifestações foi sem dúvida o praticamente unânime repúdio à Globo. Curioso que nenhuma das “celebridades” ouvidas pelo Ancelmo Gois reflita sobre esse fenômeno, que foi tão claro nas ruas.
Queremos informação de qualidade, plural, democrática e, até onde isto é possível, isenta. Ninguém suporta mais panfleto em forma de jornal, seja ele impresso ou televisivo.
É aviltante e contra qualquer princípio democrático, termos que conviver com um monopólio privado que impede de chegar ao público qualquer crítica de que seja alvo.
Lutar pela democratização da mídia é lutar pela democracia.
Alguém aí tem alguma dúvida sobre como se faz um bom panfleto de oposição? Pois se tem, procure alguma banca pela cidade, se for morador do Rio, compre o jornal O Globo de hoje (25 de junho).
Já fazia quase um mês que eu não comprava o diário da famiglia Marinho, mas minha porção masoquista não resistiu à curiosidade de ver como Ali Kamel e seus colunistas amestrados tratariam o mais importante fato jornalístico do dia anterior: a ofensiva política do governo Dilma propondo uma constituinte exclusiva para a reforma política e um pacto com governadores e prefeitos em temas como transporte, saúde e outros.
A manchete da capa já começa a dar o tom: “Dilma propõe Constituinte e cria polêmica com Congresso e STF”. Como sempre opinando e desinformando, O Globo levará o descuidado leitor que confiar nesta manchete a crer, pela forma como ela está redigida, que TODO o Congresso e TODOS os ministros do STF têm resistência à proposta.
Esta impressão ficará mais forte na mente do gentil senhor, e da encantadora senhora, assíduos leitores de O Globo, ao lerem logo abaixo da manchete principal a “repercussão das propostas da presidente”. Rigorosamente de acordo com o manual Ali Kamel de jornalismo, foram ouvidos apenas quem pudesse dar uma declaração afinada com a manchete principal: Carlos Veloso (ex-ministro do STF): “Não passa de uma medida para enganar a população (...)”. Miro Teixeira (deputado federal): “Existem outras questões (...)”. Marcus Vinícius Furtado (presidente da OAB): “É algo que pode ser resolvido sem necessidade de mexer na Constituição (...)”. Marcelo Hotimsky (Movimento Passe Livre): A gente viu a Presidência completamente despreparada (...)”.
Um pequeno parêntesis para dizer o seguinte: Como destaquei apenas a primeira frase de cada depoimento, é bom ressaltar que Miro Teixeira, conhecido representante dos conglomerados de comunicação no Congresso, deu uma no cravo e outra na ferradura. A declaração completa de Miro Teixeira publicada na primeira página dizia ainda, depois da frase inicial que já citei: “Considero a proposta da Dilma um primeiro passo, mas não o esgotamento da pauta”. Percebam o malabarismo de Miro. Ele recebe como pagamento por seus serviços ao monopólio da mídia uma promoção desproporcional ao seu real peso político (nesta mesma edição ocupa dois terços da página 8, com uma grande entrevista ilustrada por uma imensa foto). No entanto, como Miro iria atacar uma proposta que, em sua essência, foi feita por ele mesmo em 1997 (convocar uma constituinte para tratar da reforma política, tributária e sobre o pacto federativo)? Assim, tomando enorme cuidado para não se desmoralizar e ao mesmo tempo não ser contraditório com o tom da manchete do jornal ao qual serve tão fielmente, o ex-chaguista começa a declaração em tom negativo: “Existem outras questões” (frase totalmente acaciana, pois em relação a qualquer assunto existem “outras questões”). E mesmo quando parece elogiar, está na verdade apontando limites à proposta já que é apenas o “primeiro passo” (como se fosse possível iniciar a caminhada sem dar o primeiro passo) e “não esgota a pauta”.
Bom, deixemos o ex-chaguista de lado e voltemos ao jornal. Nas páginas seguintes sucedem-se os ataques.
Da página 3, quando começa a editoria “País”, à página 14, quando acaba a editoria “País”, são nada menos do que 11 manchetes com conteúdo negativo. Isso mesmo 11 manchetes contrárias em 12 páginas; na verdade 11 páginas, já que a página 5 é totalmente dedicada à publicidade de uma multinacional. E olha que eu não estou contanto a coluna do Merval Pereira, como sempre uma ode à imbecilidade. Mas vamos às manchetes:
“Elogios em público, reclamações longe dos microfones” – Página 3.
“Proposta de Plebiscito causa polêmica até entre aliados” – Página 4.
“O risco é de manipulação” – Página 4.
“Constituinte com tema único é criticada por juristas” – Página 6.
“Plebiscito agora ‘turbina a turbulência do país’, afirma cientista político” – Página 6.
“Oposição lança agenda própria e ataca presidente” – página 7.
“Serra diz que proposta da presidente é absurda” – página 7.
“Corrupção e transporte tiram o sono do ‘gigante’” – página 8.
“Na saúde, medidas já não são novas” – Página 9.
“Só 16% das verbas para mobilidade urbana foram gastas” – Página 10.
“MPL: governo está despreparado para debater transporte coletivo” – Página 11.
É claro que não é só na editoria “País” que o “jornalismo imparcial” de O Globo se manifesta. Um dos principais colunistas (editoria Rio), Ancelmo Gois, o mesmo que há poucos dias decretou a morte da UNE (mal sabe Ancelmo que ao longo de décadas outros invertebrados como ele também decretaram a morte da UNE, sendo que não restam hoje destes carrapatos sequer a lembrança), publicou frases de “celebridades” sobre as manifestações, vou citar apenas quatro para não embrulhar ainda mais o estômago do leitor: Cauã Raymond: “País desenvolvido não é onde pobre tem carro, mas onde rico anda de transporte coletivo”; Isis Valverde: “Desculpe o transtorno. Estamos mudando o Brasil”; Lília Cabral: “O Brasil acordou”. Nelson Motta: “O povo unido sem sigla e sem partido”.
Fico imaginado como se sente a Dilma. Afinal, ela ainda não teve a coragem de enfrentar o monopólio da mídia, mas mesmo assim é como vemos nesta edição de O Globo: massacre.
O que justifica está covardia em uma mulher que, reconhecidamente, não é covarde?
Como um governo democrático convive com a ditadura e monopólio da mídia sem reagir e tendo um ministro das comunicações que só faltou se ajoelhar tal a submissão que demonstrou em recente entrevista a revista Veja?
Realmente, a inércia deste governo no que tange à comunicação só será sacudida pelas ruas. Um aspecto positivo das manifestações foi sem dúvida o praticamente unânime repúdio à Globo. Curioso que nenhuma das “celebridades” ouvidas pelo Ancelmo Gois reflita sobre esse fenômeno, que foi tão claro nas ruas.
Queremos informação de qualidade, plural, democrática e, até onde isto é possível, isenta. Ninguém suporta mais panfleto em forma de jornal, seja ele impresso ou televisivo.
É aviltante e contra qualquer princípio democrático, termos que conviver com um monopólio privado que impede de chegar ao público qualquer crítica de que seja alvo.
Lutar pela democratização da mídia é lutar pela democracia.
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