quarta-feira, 26 de junho de 2013

MÍDIA - Imprensa na Venezuela.


Jornalismo econômico e mídia

 Pedro Silva Barros*

A imprensa tem passado
por grandes mudanças
na Venezuela na última
década que, embora específicas,
podem ajudar na reflexão sobre
outros casos latino-americanos.
Não sou especialista em comunicação
nem acompanho
sistematicamente a área. Advirto
que os pontos apresentados
neste texto são impressionistas.
Conheci a Venezuela em janeiro
de 2003, talvez o momento
de maior polarização política.
Depois disso estive no país com
alguma frequência e vivo em
Caracas desde 2010.
Hugo Chávez havia assumido
o governo em 1999 com
a promessa de refundar o país
por meio de uma nova constituinte
e de reverter a abertura
petroleira dos anos 1990.
O descontentamento social
era imenso após
duas décadas de estagnação
econômica e aumento
das desigualdades.
A participação
política direta foi
A evolução recente dos meios
de comunicação na Venezuela
grande desde o início do governo.
A decisão de realizar uma
nova constituinte foi decidida
em plebiscito; foram eleitos representantes
diretamente para
elaborá-la e o texto final foi referendado
em nova votação direta.
Em 2002, ocorreu um golpe
de Estado liderado pela principal
organização empresarial, a
Fedecámaras, e amparado em
espetacular apoio midiático.
Uma das primeiras ações dos
golpistas foi tirar do ar o único
canal de televisão estatal. A imprensa
local e internacional reportava
paz e estabilidade no
momento em que a população
descia dos morros e cercava o
palácio exigindo a volta do presidente
eleito. Vale assistir o documentário
A revolução não será
televisionada.
Elio Gaspari, criticando o golpe,
tratou do poder dos grupos
de comunicação na Venezuela:
“Uma ditadura sem Congresso
nem Judiciário, amparada pelos
tanques e por um poderoso
oligopólio de comunicações, parecia
um sonho. Encantou o economista
Jeffrey Sachs, o Departamento
de Estado e o Fundo
Monetário Internacional.” (Folha
de S. Paulo, 17 de abril de 2002).
Sachs havia dito dias antes
no mesmo jornal que estava
muito feliz e maravilhado com
o golpe, cujo governo que durou
dois dias havia sido reconhecido
pelo FMI, pelos EUA
de George W. Bush e pela Espanha
de José María Aznar.
O primeiro golpe de estado
da América Latina no século
XXI durou apenas 48 horas. Os
golpistas que haviam sido processados
foram todos indultados
pelo presidente Chávez em
31 de dezembro de 2007. O episódio,
porém, não foi esquecido
e lembrá-lo é fundamental para
analisar qualquer fato relevante
da Venezuela de hoje.
Meses depois do golpe, a cúpula
da principal empresa do
país, a petroleira estatal PDVSA,
organizou um locaute com declarado
objetivo de derrubar o
governo. A articulação com outros
setores da sociedade era feita
por meio da denominada Coordenadora
Democrática, que
reunia também quatro (Venevisión,
Globovisión, Televen e RCTV)
dos cinco canais abertos. O
quinto, de menor audiência, era
a estatal VTV. Durante todos os
intervalos eram convocadas manifestações
contra o governo. O
núcleo do poder no país tinha
dono, e este não havia sido eleito.
A contraofensiva do governo
se concentrou em controlar a
companhia de petróleo. Dezessete
mil funcionários que sabotaram
a produção, parando as
refinarias e explodindo dutos,
foram demitidos. Em relação a
outros setores a resposta foi lenta,
porém, consistente. Foram
criadas as missões sociais e expandidas,
significativamente, as
redes públicas e comunitárias
de comunicação.
Nesses dez anos, foram autorizadas
rádios, a maior parte delas
populares e comunitárias, editados
novos jornais e houve duas
mudanças em importantes canais
de televisão, RCTV e Globovisión.
13
JUNHO 2013
JOrNAL DOs ECONOmisTAs
O caso mais polêmico foi
a não renovação dos direitos
de transmissão da RCTV, canal
mais antigo da Venezuela,
em maio de 2007. Embora formalmente
a renovação tenha sido
negada pelo órgão regulador
por falta de pagamento de impostos
e multas, o próprio presidente
Chávez a atribuiu a decisão
à participação da rede no
golpe de Estado de 2002 e à linha
editorial de oposição radical.
Esse tipo de mecanismo está
previsto na quase totalidade dos
países democráticos. Sua utilização,
porém, esbarra no poder
constituído pelos próprios
meios de comunicação, particularmente
se oligopolizados, amparados
na retórica da liberdade
de imprensa. A RCTV agora
é Televisora Venezolana Social,
de programação cultural.
Já a Globovisión foi vendida
em 2013, alegando queda da arrecadação
devido à pressão do
governo sobre os anunciantes e
multas pesadas do órgão regulador
por, entre outros, não transmitir
cadeias nacionais com discursos
do presidente. Talvez o
principal motivo tenha sido a
sistemática queda de audiência
à medida que dava muito mais
destaque para apresentar discursos
de oposicionistas e criticar
sistematicamente o governo em
detrimento de programas de entretenimento.
O novo proprietário
defende uma programação
plural. A maior parte dos programas
e dos jornalistas foi mantida.
Ressalta-se que o programa
de maior crítica ao governo no
horário nobre teve o apresentador
substituído e um programa
de fim de noite que parecia horário
político da oposição deixou
de existir. Alguns funcionários
da emissora pediram demissão
devido às mudanças.
Os dois canais de maior audiência,
Venevisión e Televen,
apresentam linha editorial parecidas
com a Rede Globo no Brasil.
Nos processos eleitorais de
2012 e 2013 deram espaço para
ambos os candidatos (ainda
que, diferente do Brasil, não haja
previsão na legislação eleitoral),
buscando passar a imagem
de pluralidade. O conteúdo, porém,
privilegiava claramente a
candidatura da oposição.
Talvez a maior inovação bolivariana
tenha sido a criação
do canal jornalístico internacional
Telesur, com a participação
da Argentina, Bolívia, Cuba,
Equador, Nicarágua e Uruguai.
Mantendo ampla rede de correspondentes
internacionais,
faz um contraponto à grande
imprensa tanto na cobertura de
assuntos latino-americanos, como
nas intervenções militares
na Ásia e na África ou dando
voz aos que protestam nos EUA
e na Europa. Também divulga
documentários e programas
culturais sobre a realidade latino-
americana, que têm relativamente
pouco espaço nas grades
das redes de comunicação tradicionais
da região.
Após dez anos de mudanças
nas comunicações venezuelanas,
nota-se que há muito mais
pluralidade e desconcentração
do poder midiático. Em termos
estritamente políticos, pode-se
afirmar que a somatória da audiência
televisiva dos canais que
dão mais espaços à oposição é
superior à dos que dão mais espaço
ao oficialismo – sobretudo
canais públicos e comunitários.
Entre os jornais a somatória
de tiragem dos jornais vendidos
em banca que são ligados
à oposição é significativamente
superior aos que se pretendem
imparciais ou pró-governo.
Pode-se afirmar, porém, que
a imprensa já não é elitizada e
oligopolizada, ainda que a propriedade
seja predominantemente
privada e essas tenham
maior audiência e tiragem.
De acordo com o Ministério
de Comunicação e Informação
(2012, base 2011), operam na
Venezuela 938 emissoras de rádio
e televisão autorizadas: 660
(70,4%) são de caráter privado;
235 (25,0%) são comunitárias e
apenas 43 (4,6%) são públicas. A
audiência da TV aberta na Venezuela
oscilou de 81% para 61%
durante a década de 2000. No
mesmo período as TVs públicas
em canal aberto passaram de 2%
para 6% da audiência. A TV paga
ampliou seus espectadores de
17% para 33%. As transmissões
de TV chegam a 96% dos venezuelanos,
os jornais a 66%, as rádios
a 52% e as revistas a apenas
6% da população.
O quadro abaixo, anterior à
mudança na Globovisión, mostra
que as TVs abertas públicas
ganharam um pouco mais
de audiência, chegando a 9%.
Mostra também que a audiência
da Globovisión era muito
baixa na TV aberta.
Audiência dos principais
canais. Sinal aberta e tv paga
(tabela).
A Venezuela é sistematicamente
criticada por instituições
como a Human Rights Watch,
sob a alegação que a imprensa local
praticaria autocensura devido
a coerções como multas e outras
penalidades judiciais. Mas
dificilmente alguém que visite
uma banca de jornal ou assista
aos programas de maior audiência
na televisão não diria que
há ampla liberdade de imprensa
e diversidade de opiniões publicadas
no país. Seria mais adequado
falar em polarização do que
em falta de pluralidade de opiniões,
considerando que, como em
qualquer parte, mudanças no status
quo implicam algum conflito.
A surpresa também seria grande
se visitasse as periferias e presenciasse
a força dos veículos comunitários.
Parece-me que o Estado
tem sido muito mais promotor
da desconcentração (ou democratização)
dos meios de comunicação
do que censor ou limitador
da liberdade de expressão.
Se restam dúvidas, basta visitar os
sites dos jornais mais tradicionais
(eluniversal.com, el-nacional.
com) ou o da área de jornalismo
da televisão de maior audiência
(noticierovenevision.net) e tirar
suas próprias conclusões.


marco 2013

Canais TV aberta TV Paga
Tves (público) 2% 0,4%
VTV (público) 6,9% 4,0%
Venevisión (privado) 40,6% 11,3%
Televen (privado) 33,7% 6,7%
Globovisión (privado) 2,7% 7,7%
Meridiano tv (privado) 2,8% 1,1%

* É economista, titular da Missão na Venezuela
do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) e professor licenciado
do Departamento de Economia da
PUC-SP.

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